Fernando Távora, um dos mestres da Escola do Porto

por Lucas Brandão,    3 Setembro, 2017
Fernando Távora, um dos mestres da Escola do Porto
Fernando Távora (1951) DR
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Ao lado de Eduardo Souto de Moura e de Álvaro Siza Vieira, Fernando Távora é um dos principais vértices do triângulo de destaque da Escola do Porto. Esta, constituindo uma geração sobejamente conhecida e ativa nacional e internacionalmente, é um dos principais ativos no meio arquitetónico e pedagógico, e Távora muito contribuiu para isso. Com diversas obras públicas e sociais, tornou-se um dos esteios da reconstrução e reedificação do panorama urbano do norte do país, para além de estender os seus préstimos e talentos por todo o país. Uma referência no capítulo da arquitetura nacional, partiu do Porto, como outros tantos, dando forma e constituição à sua carreira de eleição.

Fernando Luís Cardoso de Meneses e Tavares de Távora nasceu no dia 25 de agosto de 1923, na cidade do Porto, na freguesia de Santo Ildefonso. Crescendo numa família conservadora, da célebre linhagem dos Távoras, com os seus pais a serem senhores de várias propriedades, abdicou de, ao contrário dos seus irmãos Bernardo e Rodrigo, usar o título de Dom. Ainda assim, cresceu nas propriedades do agregado familiar, no Minho, e nas praias da Foz do Porto, onde conheceu uma aptidão especial para o desenho, e um interesse crescente por casas ancestrais. Depois de uma educação clássica e formal, finalizou o curso liceal do Segundo Ciclo no Liceu Alexandre Herculano, com dezasseis valores, e, logo de seguida, fez o exame de acesso da sobejamente conhecida Escola de Belas-Artes do Porto, em 1941, visando frequentar o Curso Especial de Arquitetura.

A família, que achava Engenharia Civil uma área mais prestigiante e condizente com a sua condição social, foi contrariada pela vontade de Fernando, que, aos quatro anos do Curso Especial, somou-lhe outros no Curso Superior, em 1945. Neste período, teve a oportunidade de estagiar com Francisco Oldemiro Carneiro, e de preparar alguns projetos de composição e de urbanização. 1947 trouxe um ensaio que plantou a semente de uma nova perspetiva de conceber a arquitetura, de seu título “O Problema da Casa Portuguesa. Falsa Arquitectura. Para uma Arquitectura de Hoje”. Neste, apelou à necessidade de estudar cientificamente a arquitetura popular nacional, nas suas bases culturais, para dar lugar a uma arquitetura diferente e moderna, acompanhada pela inventariação de obras arquitetónicas tradicionais, rústicas e populares. O seu percurso académico findaria no ano de 1952, depois de um estágio profissional em 1950, em que o seu orientador à data o considerou apto para assumir a profissão. No final da sua licenciatura, apresentaria uma casa sobre o mar para a obtenção do diploma, que lhe conferiu a meritória classificação de 19 valores. Apesar de um radicalismo modernista inerente ao seu estilo, este iria conhecer várias mutações, mesmo no plano residencial, onde a sua obra mais se sobressaiu em termos quantitativos.

A sua carreira profissional pontificou-se, desde muito cedo, com projetos de cariz urbano, e apontado para a requalificação e reestruturação de vários microcosmos citadinos, como a do Centro Histórico de Guimarães (1985-1992), para além de monumentos, como o Convento de Santa Marinha e a sua transformação numa pousada (1975-84), em Guimarães, esta que também contou com o restauro da Casa da Rua Nova (1985-87), e com um plano urbanístico renovado; para além do Mosteiro de Refóios do Lima (1987-93), em Ponte de Lima. Outras eventuais remodelações deram-se no Museu Nacional de Soares dos Reis (1992-2001), e no Palácio do Freixo (1995-2003), no Porto. No entanto, nada disso lhe extraiu, do horizonte, a vontade de enfatizar as paisagens e os contextos previamente existentes, envolvendo-as numa dialética de diálogo positiva e integrada no hemisfério cultural com a própria arquitetura. O seu caudal criativo refletiria a responsabilidade social inerente ao seu trabalho, especialmente na união entre criatividade e rigor, incluindo premissas funcionais, métricas e técnicas, construindo uma harmonia entre a situação e a intervenção. Essa propensão para obras de maiores contornos e dimensões desembocaria em obras notáveis, como o Mercado Municipal de Santa Maria da Feira (1953-59), o anfiteatro e os anexos do Instituto Politécnico de Viana do Castelo (1989), a ampliação, ao lado de Siza Vieira, da Assembleia da República (1994-1999), o anfiteatro da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (1994-2000), a Casa dos 24 (1995-2003), no Porto, e o Museu Municipal de Penafiel (1999-2009, finalizado pelo seu filho José Bernardo).

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Mercado Municipal de Santa Maria da Feira (1953-59)

Institucionalmente, seria membro da Organização dos Arquitetos Modernos, onde incentivaria uma reflexão quanto ao papel desta área artística na sociedade contemporânea, muitas vezes contrário àquilo que se defendia e que se fazia à data. O seu papel de empreendedor e de pioneiro em muito do que era a definição da trajetória da realização arquitetónica levou-o a inspirar vários potenciais homólogos de profissão, como Eduardo de Souto Moura e Álvaro Siza Vieira, este que estagiaria no seu atelier pessoal. Em 1955, seria membro da equipa promotora do “Inquérito à Arquitetura Regional Portuguesa”, que levaria a publicação deste trabalho seis anos depois, apoiado pelo Sindicato Nacional dos Arquitetos. Seria um trabalho que levaria o panorama arquitetónico a consciencializar-se da sua realidade, e daquilo que poderia ser o seu futuro prático, a partir das novas gerações de precetores. Para além disso, seria o catalisador necessário para a planificação e efetivação de algumas obras de vulto, tais como o parque principal e o pavilhão de ténis da Quinta da Conceição (1957), em Leça da Palmeira, uma moradia projetada em Ofir (1958), e a Escola do Cedro (1960), em Vila Nova de Gaia.

Entre 1951 e 1959, fez parte dos célebres Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, contextualizados na Conferência Internacional de Artistas da UNESCO. Aí, privou com uma série de rostos proeminentes na realidade arquitetónica, incluindo o francês Le Corbusier. De seguida, como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, e do Instituto para a Cultura, iria viajar para os Estados Unidos, e para o Japão, onde contactaria com novas realidades, e as apresentaria nas suas obras. Entretanto, no ano de 1954, casar-se-ia com a artista Maria Luísa Rebelo de Carvalho Méneres, no Mosteiro de Nossa Senhora do Pilar, e seria pai de José Bernardo, Maria José, e Luísa Teresa. Entretanto, com família constituída, e mesmo como professor universitário, não deixou de assumir uma série de funções autárquicas, tais como consultoria da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, e parte constituinte da Comissão de Coordenação da Região Norte e do Gabinete Técnico da Câmara Municipal de Guimarães; para além de ser arquiteto da Câmara Municipal do Porto, responsável pela construção de bairros sociais Fora de portas, tornou-se membro conselheiro do Comité de Cursos de Campo de Arquitetura da Comunidade Económica Europeia. Távora sentiu, também, a necessidade de criar e efetivar o seu próprio atelier de trabalho, que fundou pouco tempo depois de se formar, para o qual convidaria alunos seus, como Siza Vieira.

Como docente, tornou-se numa das grandes figuras no setor artístico nacional. Assim, foi crucial na afirmação do curso de arquitetura na então Escola Superior de Belas Artes do Porto, na eventualmente aberta Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto. Na primeira, foi prestando assistência em 1957 e em 1958, e passou a assistente nesse mesmo ano; passando a professor agregado em 1962, e a primeiro assistente no ano a seguir. Urgindo serviço de docência a tempo inteiro, foi contratado, em 1970, para lecionar, e aí estabelecendo-se por dezasseis anos. Na segunda, tornou-se professor associado durante três anos, de 1986 a 1989, e catedrático nos quatro que se seguiam, reformando-se nesse ano. No entanto, também em Coimbra deu o mote para a sua reestruturação e revalorização, na graduação na mesma área do Departamento de Arquitetura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Aqui, atuaria, em especial, no final da década de 80, ajudando-a a ganhar forma e significado ao lado de nomes, como Raul Hestnes Ferreira ou Alexandre Alves Costa, sendo responsável pela sua comissão instaladora; e receberia o Doutoramento Honoris Causa nesta universidade em 1993. A sua abordagem pedagógica permitia aos seus alunos, apesar de rigoroso e bastante competente, substituir os habituais suportes por desenhos, e viajar pelo mundo, sendo incentivados por este interessado professor, que havia feito o mesmo, para travar conhecimento com as várias culturas e arquiteturas. No conhecimento da história da área, encontrava um pilar muito sustentável daquilo que é a conceção de um projeto, considerando a evolução e a variedade patrimonial. No âmago da sua profissão, estava o desejo de partilhar vocações e intenções, prazeres e afazeres, no trilhar de um percurso moderno, mas amadurecido na célebre Escola do Porto.

Fernando Távora viria a partir no dia 3 de setembro de 2005, na cidade de Matosinhos, vítima de cancro, e repousa, agora, no Cemitério do Prado do Repouso. Em sua honra, notabiliza-se o prémio atribuído anualmente, com o seu nome, galardoado, pela Secção Regional do Norte da Ordem dos Arquitetos, a personalidades profissionais e pedagógicas na arquitetura. Para além, recebeu o Prémio de Arquitetura da Fundação Calouste Gulbenkian, e o prémio de carreira da 1ª Bienal de Arquitetura e Engenharia Ibero-Americana (1998).

Fernando Távora tornou-se o fundador da Escola do Porto, no arranque de um legado desmesurado no contexto da arquitetura portuguesa. O “mestre” da edificação e requalificação do século XX deu o mote para a impulsão da fusão entre o tradicional e o moderno, e para a inspiração de novos e mais globais talentos neste hemisfério artístico. Não obstante à recetividade ao moderno, o caminho foi de continuidade, numa contextualização bem apetrechada e adaptada ao ambiente envolvente, nutrindo um carinho especial pela história e pelo previamente existente. Traçando o crivo da diferenciação entre arquitetura e engenharia (embora o desafio subsista), Fernando Távora deu conceção e forma às traves-mestras de uma área que granjeou o país e o mundo, a partir da histórica modernidade em vias de chegar à eternidade.

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