“Women in Music Pt. III”: o que as Haim andaram para aqui chegar

por Inês Loureiro Pinto,    30 Junho, 2020
“Women in Music Pt. III”: o que as Haim andaram para aqui chegar
Capa de “Women in Music Pt. III”, terceiro álbum de HAIM lançado esta sexta-feira.
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Nenhuma das irmãs Este, Danielle e Alana Haim tinha ainda altura suficiente para chegar a um microfone quando, em 2000, deram o seu primeiro concerto de sempre no restaurante Canter’s Deli, em Los Angeles. Duas décadas depois, foi daí para todo o mundo que as HAIM lançaram o seu terceiro álbum, Women in Music Pt. III (WIMPIII)— desta vez, mais que à altura.

Como em todos os planos para 2020, a pandemia decidiu meter-se no caminho e frustrar tanto a data prevista para o lançamento de WIMPIII, como a tour intimista que rodaria por delis dos Estados Unidos da América, em homenagem ao seu primeiro palco. O trio viria também ao NOS Alive, mas a confirmação ainda não foi renovada para a edição de 2021.

Na transmissão de lançamento do álbum, as irmãs falam num sentimento de realização — “full circle” — em apresentar o seu trabalho mais completo até ao momento, tendo passado uns 20 anos desde que ainda estavam a conhecer instrumentos com os pais na banda Rockin Haim (porque, nesta família, a música corre no sangue) e sete desde a estreia do nome Haim (hebraico para “vida”) nas tabelas musicais. À terceira, WIMPIII parece ser a afirmação mais honesta das irmãs.

Os primeiros 10 segundos do álbum, com “Los Angeles”, são um prólogo sonoro para o que se vai ouvir nos restantes 52 minutos. Jazz na linguagem de um saxofone, amostras tropicais e aquela batida pulsante que tantas caminhadas patrocina nos vídeos das irmãs Haim — realizados pelo genial Paul Thomas Anderson — premeditam a exploração de géneros em que o trio se aventura em WIMPIII sem descurar a personalidade summer girl delineada nos dois álbuns já conhecidos, Days Are Gone (2013) e Something To Tell You (2017).

A produção impecável, a cargo de Danielle e dividida com Ariel Rechtshaid, Rostam (associados a nomes como os Vampire Weekend) e Buddy Ross (conhecido pelo trabalho com Frank Ocean), sela este álbum a chave de ouro.

“Summer Girl” foi o primeiro de seis temas já conhecidos antes da revelação de WIMPIII e é simultaneamente uma ode à cidade-natal do trio e uma reedição de “Walk on The Wild Side”, de Lou Reed — que até é creditado como co-autor. “The Steps” e “Don’t Wanna”, que Alana Haim descreveu como uma “camisola quentinha”, não destoam da sonoridade jovial já clássica de HAIM, mas os restantes singles “I Know Alone”, “Now I’m In It” e “Hallelujah” ajudaram a definir o novo grande denominador das letras do trio: a honestidade.

‘Cause now I’m in it
And I’ve been trying to find my way back for a minute
And the rain keeps coming down along the ceiling
And I can hear it
But I can’t feel it

Diz-se que a dor é útil para a arte e parece ter sido esse o caso com as irmãs Haim. A melancolia pós-digressão foi a triste cereja no topo da luta com a doença crónica de Este (voz e baixo), a mais velha, do luto da mais nova, Alana (voz, teclas, guitarra e percussão), e da depressão em que Danielle (voz, guitarra e bateria) mergulhou depois do diagnóstico grave do companheiro e co-produtor da banda, Ariel Rechtshaid, agora em remissão.

De letras que antes apregoavam leves verdades universais, pela inconfundível voz da irmã do meio passam agora verdades mais pessoais e por vezes dolorosas. Mas estas não pesam mais do que libertam, dada a brutal frontalidade que faz com que os ouvintes não deixem de se identificar como com os desabafos de um amigo próximo fariam.

A aventura experimental de “I Know Alone” faz-se por entre revelações de solidão, noites que se derretem em dias e insónias no carro a gritar a letra de “Both Sides Now”, de Joni Mitchell — a quem as irmãs já foram comparadas. Apesar de ter sido escrito antes da pandemia, o verso “I know alone / Like no one else does” ganhou ainda mais significado com o lançamento do tema em abril.

Mais à frente em WIMPIII conhecemos o desabafo gritado de “I’ve Been Down” e, em “Now I’m In It”, a realização de que não é possível descer mais na espiral depressiva – estamos “lá”. Apesar da carga emocional, as letras vêm embrulhadas num papel energético e até divertido, um modelo de construção musical que é orgânico a HAIM, quase um antídoto, como admitem numa entrevista com Scott Goldman. Se atingimos o mais baixo possível, daí só é mesmo possível subir.

Já na acústica “Man From The Magazine”, Danielle despe-se de embrulhos para se dirigir o mais diretamente possível ao homem da revista que perguntou a Este, conhecida pelas expressões que faz a bordo do seu baixo, se fazia o mesmo na cama — “Hey, man, what kind of question is that? / What did you really want me to say back?“.

A partir do episódio pessoal, o tema pretende falar por todas as mulheres na música, uma reverência ao título do álbum que é ele próprio uma gargalhada irónica ao tratamento paternalista que atravessa géneros de música e outras formas de arte.

Man from the music shop, I drove too far
For you to hand me that starter guitar
“Hey girl, why don’t you play a few bars?”
Oh, what’s left to prove?

Estas afirmações musicais honestas e diretas pressupõem uma coragem que HAIM parece ter ganho com WIMPIII. Conseguir desabafar pela música levou a crescimento pessoal e coragem musical para levar os tais embrulhos energéticos a novas paisagens sonoras. Além da aposta no jazz pelo saxofone de Henry Solomon, há o sexy funk de “3AM”, introduzido por uma chamada telefónica, a quase folk “Leaning on You” com ecos de Stevie Nicks, a tropical “Another Try”, e as experimentais inesperadas “Up From A Dream”, “Gasoline”, “All That Ever Mattered” e “FUBT”, tão melancólicas quanto esperançosas.

“Hallelujah”, de uma simplicidade e vulnerabilidade notáveis, constitui o derradeiro hino à irmandade e poderá bem tornar-se um clássico de HAIM. “Why me? How’d I get this hallelujah?” são as perguntas que unem os versos que cada irmã dedica às outras, a fechar o álbum.

Women in Music Pt. III começa com uma leve balada, entra num turbilhão e fecha com uma brisa. Esta sanduíche de emoções fortes e desabafos entre melodias soalheiras acaba por retratar a aleatoriedade de se ter vintes-e-tais e experimentar os altos e baixos da vida. A confiança para lidar com eles vem de se ser verdadeiro com o que se sente. E o essencial é crescer e continuar a andar para a frente, ou mesmo, como no vídeo para “Don’t Wanna”, lançado esta segunda-feira, correr — de preferência com as nossas três irmãs pelas ruas quentes de Los Angeles.

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