‘Wide Awake!’: a consciência social dos Parquet Courts dança-se

por Bernardo Crastes,    30 Maio, 2018
‘Wide Awake!’: a consciência social dos Parquet Courts dança-se
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Os Parquet Courts são uma das bandas mais prolíficas da música alternativa contemporânea. Com Wide Awake!, a banda faz mais uma vez aquilo a que nos tem habituado: lançar um disco que soa inevitavelmente seu, mas que ainda assim não é apenas mais um. Imagino a sua discografia como um mostruário, em que cada peça ocupa um lugar cativo, não caindo na redundância; estão lá todos, com as suas capas apelativas, para ser consultados por melómanos em igual medida. Cada trabalho apresenta algo diferente, mesmo tendo quase sempre a mesma base post-punk desértica mas citadina, em que há sempre momentos de genialidade amiúde. Este último é, nas palavras da banda, “um disco punk que se pode tocar em festas”. Confere. Aqui a música dos Parquet Courts tem uma especial ginga, a par das habituais guitarradas fenomenais e letras contundentes e socialmente conscientes. Ninguém diz que não se pode dançar e pensar nos problemas do mundo ao mesmo tempo.

O mote do álbum é materializado na faixa-título, que é completamente diferente de qualquer coisa que a banda tenha feito até hoje. Riffs funky, cowbell, apitos; espraiados sobre uma batida de compasso dançável e produção compacta (da autoria do mega-produtor Danger Mouse). É música de festa, sim senhor, mas não se fica por aí. À superfície, a canção dá apenas para carnavais, mas, no contexto deste álbum, toma contornos mais urgentes. A forma como a letra simples é cuspida fá-la transcender o plano artístico e converte-se numa verdadeira mensagem geracional. Essa mensagem é a de que estamos perfeitamente despertos para o que se passa à nossa volta. Mesmo que isso (ainda) não seja propriamente verdade, os Parquet Courts fazem-nos acreditar que sim e, acima de tudo, exortam à acção.

Parquet Courts

Somos constantemente bombardeados com estímulos que acreditamos despertar-nos, mas que na verdade nos distraem, deixando-nos menos atentos às coisas genuinamente importantes, como as alterações climáticas (“Before the Water Gets Too High”) ou a escalada da violência (“Violence”). A faixa-título usa precisamente as armas daquilo que nos distrai, sobrepondo camadas sónicas, numa junção de vários estímulos perfeitamente produzidos, para nos chamar a atenção. A questão é que o faz em prol da nossa consciência. Mais do que dizer-nos aquilo relativamente ao qual devemos estar despertos, diz-nos que devemos sê-lo. Aqui não há estímulos para a estupidificação.

Claro que não bastam canções sobre ter consciência social, é preciso realmente tê-la, coisa que os Parquet Courts demonstram. A já referida “Before the Water Gets Too High” soa especialmente grave, graças ao seu espírito mais sombrio. “Antes que a água suba demais” funciona tanto como uma imagem literal do aquecimento global, como como uma analogia do ponto de não-retorno. Completa com frases como “know time can’t be bought by the profits that you make” ou “is it someone else’s job until the rich are refugees?”, é das poucas think pieces do álbum que não é divertida – e não tem de o ser.

Depois do excelente e completo Human Performance, de 2016, este Wide Awake! só deixa saudades de uma coisa: um certo romantismo que a banda encontrou no anterior disco. Aqui está menos presente, mas não desapareceu totalmente. Há a ternura da canção final – que pode fechar bares um pouco por todo o mundo, com a sua pianada desajeitada – e a lindíssima “Freebird II”. Canção influenciada pela infância do vocalista Andrew Savage, é levada nos ombros das fabulosas teclas reminiscentes dos anos 60 e 70. A sua leveza sonora esconde temas delicados, que culminam na esperança da frase final, cantada em coro e genuinamente tocante: “Free, I feel free, like you promised I’d be”. Ainda espero cantar isto num karaoke algures.

Ainda assim, apesar de todos os louvores feitos até agora, “Almost Had to Start a Fight/In and Out of Patience”, o primeiro single do disco, é o verdadeiro trunfo composicional. Na primeira metade, Max Savage abusa da caixa de rufo, numa percussão suja que se junta a um riff de guitarra árido em regime pára-arranca. É quente e vibrante. Como se isso não bastasse, entra depois a segunda parte com o seu rock dançável e entrega vocal galopante. Em três minutos, condensam-se duas canções que se unem na perfeição, numa combinação feroz que apetece ouvir e dançar repetidamente.

Os Parquet Courts são daquelas bandas infinitamente assoladas pelo peso das comparações com outras, quando deveriam ser louvadas pela condensação de influências nalgo muito sui generis. Quantos mais álbuns aclamados serão necessários para que o povo reconheça o portento musical perante o qual nos encontramos?

Wide Awake! é uma experiência comunitária, de viver e discutir os problemas em conjunto, principalmente sobre o burburinho de um bar agitado, com umas bebidas no bucho. O que importa é que essa discussão aconteça e que não se perca a noção do que se passa à nossa volta. E tu, já estás desperto?

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