‘Western’: não são precisas grandes histórias para fazer um bom filme

por João Pinho,    13 Setembro, 2018
‘Western’: não são precisas grandes histórias para fazer um bom filme
“Western” de Valeska Grisebach
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“Western”, da realizador alemã Valeska Grisebach, conta a história de um grupo de trabalhadores alemães que vai construir uma infraestrutura na Bulgária. Nesse grupo há um homem que se destaca dos outros por ser um lobo solitário que, para surpresa tantos dos aldeões como dos próprios colegas, quer se integrar na comunidade da localidade que fica a poucos minutos do local onde trabalha e dorme.

Esta história passa-se no interior deserto e calmo da Bulgária, mas podia bem ter acontecido numa aldeia transmontana portuguesa ou na Beira Baixa. Por isso, é uma história universal feita com uma visão documental que capta as coisas mais simples e reais que definem o ser humano: os seus desejos primários, a língua, sentido de casa, significado da vida, sentimento de pertença, o amor, a família, a cultura, a Natureza. A personagem principal, Meinhard, luta calmamente e com perseverança contra a desconfiança dos aldeões, sabendo bem que, como o próprio diz, só os mais fortes sobrevivem neste mundo. Nesta luta pela sobrevivência e pela integração, a força tem um significado maior do que a que é meramente física, é uma questão de carácter e, ao mesmo tempo, de humildade.

“Western” de Valeska Grisebach

Num filme “Western” clássico, o estranho, foreigner entra na via principal da localidade e, no fim, salva os cidadãos, com um olhar misterioso e cool. Mas aqui, não há heróis, não precisa. Este filme retrata as voltas que a vida dá: heróis num lugar, estrangeiros perdidos noutro a tentar encontrar o seu lugar no mundo. E é nesta ideia que está a beleza da obra. O cavalo, um símbolo da liberdade, aventura e masculinidade, acaba por desaparecer, através da morte do mesmo. Os próprios traços da personagem principal contrastam com a do herói clássico: bigode rectangular, magro, já nos seus cinquentas, pele cansada do sol. O seu chefe é um homem mesquinho, violento e não fica preocupado caso as suas acções ofendam os aldeões, inclusive desvia a água escassa da aldeia sem permissão. Não é o vilão, é um ser humano bastante comum.

“Western” de Valeska Grisebach

Na obra de Valeska Grisebach, percorremos também o quotidiano dos trabalhadores e as actividades de lavoura dos aldeões que, à noite, se juntam para jogar umas cartadas e beber uns copos. A vida é simples e, aos poucos, Meinhard consegue socializar com os búlgaros, ora com gestos ora através de um aldeão que sabia falar um pouco de alemão. No fim, ele apercebe-se que a luta pela sua integração está longe de chegar ao fim. Durante a festa da aldeia, que se prolonga até à noite, ele é esmurrado por alguém que não o aceita, não quer que ele pertença à aldeia: um sentimento perfeitamente normal, tendo em conta que se tratava de uma comunidade pequena e unida. Mas ele recompõe-se, sempre com movimentos calmos, nunca reagindo demasiado, só quando a sua vida está em risco. E este é mais um aspecto que nega a ideia de herói.

“Western” de Valeska Grisebach

“Western” não é uma mera alusão de época em que as terras, que agora chamamos de EUA, estavam por descobrir. Essa descoberta foi feita a partir do suor e sangue das lutas entre os colonos e os aventureiros colonistas. É uma metáfora tão bonita, mas tão complexa sobre a invasão e a aventura, em que duas comunidades entram em colisão, apesar de terem várias coisas em comum. O próprio chefe é a personificação de uma certa ideologia em que o inferior, os búlgaros (por serem menos desenvolvidos), dependem dos superiores, os alemães. Os segundos, segundo o próprio, ainda lhes estavam a fazer um favor com a sua presença. A forma como os trabalhadores interceptam as mulheres da aldeia coincide com a mesma forma tóxica e agressiva com que os aventureiros tratavam as índias no Faroeste. A história repete-se muitas vezes através de pequenos eventos que não são tão expressivos ou têm tantas consequências. Mesmo assim, as mesmas ideias e os mesmos abusos repetem-se, através de diferentes pessoas; mas, ainda assim, por humanos.

A profundidade e beleza deste filme facilmente colocam-no num dos melhores filmes deste ano. A arte também tem disto, não precisa de grandes histórias ou de grandes heróis. A ficção também pode ser a descrição do dia-a-dia, parecendo quase um documentário, e pode-nos preencher da forma mais simples. Também precisamos de ser confrontados com as nossas acções ou com as dos outros, não podemos fugir das nossas responsabilidades.

É de realçar que a personagem principal é interpretada por um actor amador. Dá que pensar.

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