‘VOL. 4 :: SLAVES OF FEAR’, dos HEALTH: ritmos e ruído para tempos incertos

por Bernardo Crastes,    5 Março, 2019
‘VOL. 4 :: SLAVES OF FEAR’, dos HEALTH: ritmos e ruído para tempos incertos
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Os HEALTH anteciparam o lançamento do seu quarto álbum de originais com a estreia de um chorrilho de singles, desde uma cover dos New Order feita para um blockbuster protagonizado por Charlize Theron a colaborações com artistas de diversos fundos musicais: a mistura com o synthwave de Perturbator deu origem a “BODY/PRISON”, seguiram os seus instintos mais hardcore punk com os Youth Code em “INNOCENCE”, e até se aliaram a Soccer Mommy – recente promessa do indie rock – para a canção “MASS GRAVE”. Entretanto, seguiram-se os singles que realmente fariam parte de VOL. 4 :: SLAVES OF FEAR e para os fãs da carismática mistura de noisepop da banda de Los Angeles, provavelmente terão fomentado muitas esperanças do que estaria para vir.

A canção que dá nome ao álbum foi a primeira a sair. O baque grave do bombo que nos põe em sentido e os sintetizadores ominosos criam uma sensação que é uma mistura de desconforto e entusiasmo, uma antítese interessante. A tensão que se gera é depois libertada num refrão com riffs de metal industrial à la Rammstein, gerando uma estrutura pop palatável que puxa a audições repetidas. A letra excessivamente dramática na voz juvenil de Jake Duzsik torna-se num mote para sessões de karaoke emocionadas, numa libertação temporária das amarras do medo. É mais uma canção a adicionar ao cânone da fórmula vencedora da banda. “STRANGE DAYS (1999)” veio a seguir, avançando num ritmo mais cadenciado marcado por drum machines características do hip-hop até chegar ao ritmo metralhado e passagens de noise agressivo do refrão. Por último, a banda lançou “FEEL NOTHING”, que lembra uma versão mais acessível e melodramática do banger do álbum anterior, “STONEFIST”. Cada um destes três singles explora diferentes facetas do som dos HEALTH de uma forma cativante.

Quando o álbum finalmente saiu, no início de Fevereiro deste ano, o cocktail de pop, metal, industrial, noise e hip-hop deu azo a reproduções repetidas, demonstrando ser compulsivamente audível. Essa característica transmitiu a ideia de o álbum ser especialmente bom, mas eventualmente o entusiasmo desvanece-se. É um dos riscos de trabalhar neste estilo de música que tenta causar impressão através do impacto sonoro: o de esgotar todo o seu poder quando já se conhecem os seus truques. Isso seria contornável se as canções tivessem mais camadas e segredos, e não se baseassem meramente na construção de um ambiente escuro e depressivo. O álbum anterior, DEATH MAGIC, variava mais no seu tom, com uma produção que tanto soava hiper-realista como até meio enevoada.

Em todo o ambiente distópico que o álbum conjura – numa espécie de paralelismo com os tempos de incerteza e medo que se vivem hoje em dia – as canções que se destacam são aquelas que parecem incitar mais à acção. “BLACK STATIC” lembra a banda sonora de anúncios a perfumes masculinos que exaltam o poder e estatuto, elevando-nos os espíritos, e ao ouvir aquela batida quebrada é como se fôssemos capazes de tudo, já não somos escravos do medo. Logo a seguir (literalmente, quase sem pausas), “LOSS DELUXE” mostra uma das batidas mais bem produzidas do álbum e uma das performances vocais mais inspiradas de Duzsik. “What will your life be like in the dark now?” salta-nos à mente, enquanto dançamos ao som dos problemas do mundo.

“THE MESSAGE” tem um dos ritmos mais directos, que traz à mente uma espécie de dance punk mais agressivo e negro. É possante e catártica, com as suas letras sem entrelinhas acerca de envelhecimento, morte e perda de sentido: “And when we’re young / We can’t wait to grow up / We get old, we give up / And we pray to grow young”. São passagens simples e despretensiosas como estas que acabam por crescer em nós, apesar de todo o clichê a elas associadas. Assumidamente, as letras dos HEALTH não são o forte da banda, mas encaixam perfeitamente nas canções que fazem.

Nisto tudo, quase sem se dar por isso, já se destacou metade de VOL. 4 :: SLAVES OF FEAR. Isso é porque realmente as canções estão bem feitas, mas, como um todo, nem sempre incitam a regressar ao álbum. Sabemos que os tempos são incertos e que não somos totalmente livres – talvez até sejamos mesmo escravos do medo –, mas nem sempre a mensagem que os HEALTH passam nos faz sentido. Voltaremos aqui quando nos sentirmos especialmente niilistas e desmotivados, para nos banharmos em noise e nos dedicarmos a um headbanging resignado.

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