Vencedores do Cinenova atestam a força do cinema universitário

por Diogo Lucena e Vale,    28 Fevereiro, 2019
Vencedores do Cinenova atestam a força do cinema universitário
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Entre os últimos dias 21 e 23 de fevereiro, realizou-se na FCSH, em Lisboa, a primeira edição do festival Cinenova, inteiramente consagrado ao cinema universitário, que aqui se mostrou de boa saúde. Um festival marcado por alunos, mas também professores: incluindo no seu júri docentes da faculdade onde se realizou o festival, o Cinenova não pretende ser um festival exclusivamente estudantil, mas antes promover uma boa relação entre todos os membros da academia, e, como tal, as hostilidades foram iniciadas pelo sublime A (Im)permanência do Gesto (2018) de Manuel Botelho, artista plástico e professor da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, um filme que vê no jogo de luz e sombra e na arte o pavoroso reflexo da condição humana e a ainda mais humana esperança para a transcender. Na competição, os prémios de melhor filme e melhor filme português foram para Crannog (2018) e Mapa-Esquisito (2018), respetivamente.

Em Crannog, realizado pela escocesa Isa Rao, seguimos uma mulher, Maggie Flint, detentora de um abrigo animal onde cuida atenciosamente das diferentes espécies que nele alberga. A complexidade do seu retrato é bem enfatizada pela montagem elítica e a narração fragmentária. Estas deixam entrever uma humanização psicológica dos animais, ao mesmo tempo que um pensamento grave, solene, transcendente. A correção de cor, apenas ligeiramente irrealista, afasta o olhar ligeiros centímetros da realidade concreta, a distância da alma. Então, sem apressar nem alongar os quinze minutos que o compõem, o filme mostra Maggie a contar a sua experiência de quase-morte que, explicando em parte a sua determinação, nada subtrai da sua generosidade. É neste purgatório, nem cá, nem lá, que se tem a melhor vista sobre a natureza. Entre observações tão banais quanto verdadeiras, Crannog encontra o seu lugar e, com a confiança de quem sabe não ter de constituir uma revelação, dá espaço à sua personagem e ao seu público.

Num enquadramento bastante mais materialista funciona Mapa-Esquisito, anteriormente apresentado na última edição do Indielisboa. O documento cartográfico inicialmente apresentado e ao qual o adjetivo hifenado se aplica é um mapa físico da Europa. De facto, o seu equivalente político é aquele que mais ressona com as nossas vidas. Ao confrontar o seu imaginário cultural internacional e vontade de pertença independente de geografia com as suas origens e como elas foram definidas pelas fronteiras que separam os estados e pelas guerras entre eles, o narrador do filme retrata a contradição que, enquanto isso mesmo, o define, e anseia pela harmonização. Espaço físico e espaço mental interagem mutuamente, pelo que o caminho até à utópica comunhão universal e abolição do Estado passará por popular o imaginário coletivo com obras como esta. Resta ver se, mesmo assim, isso será possível. Não obstante, este curioso e pacato filme ganha força por existir num momento de exacerbação de ânimos nacionalistas.

Ambos os vencedores do Cinenova poderão ser revistos numa sessão especial no dia 28 de fevereiro (hoje), no Auditório 1 da NOVA FCSH, às 18h30, com entrada livre (sujeito a lotação da sala).

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