Vasco Rosa: o ‘arqueólogo literário’ de Raul Brandão

por Catarina Fernandes,    12 Março, 2018
Vasco Rosa: o ‘arqueólogo literário’ de Raul Brandão
Miguel Nogueira
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Nascido em Lisboa em 1958, Vasco Rosa é escritor, editor e pesquisador literário. Organizou vários livros de autores como Alexandre O’Neill, Maria Filomena Mónica, José Cutileiro, Miguel Esteves Cardoso; pesquisou, entre outros sobre Amadeo de Souza-Cardoso, António Dacosta, Joaquim Novais Teixeira; colabora desde 2014 com o Observador. Especialista brandoniano, dedicou largos anos de investigação a Raul Brandão, publicando em 2013 a A Pedra ainda Espera dar Flor (Quetzal), organizando uma antologia da sua obra e sendo curador de duas exposições organizadas pela Camara Municipal do Porto, pela celebração dos 150 anos do autor.

Vasco Rosa dá agora continuação ao labor iniciado anteriormente e, com chancela da Imprensa Nacional, edita no final de 2017 Cinzento e Dourado – Raul Brandão em foco nos 150 anos do seu nascimento, que pretende ser a continuação de A Pedra ainda Espera dar Flor. Enquanto nesta última publicação o objetivo era pesquisar, reunir e publicar textos que estavam dispersos e perdidos em folhas de papel impresso, e que nunca haviam sido publicados, em Cinzento e Dourado o afã é outro, o de procurar indícios da receção da obra de Brandão, pelos seus contemporâneos.

Miguel Nogueira

Mas o porquê desta paixão pela obra de Raul Brandão? As razões podem encontrar-se na amplitude daquilo que foi o enorme talento do autor, expresso na sua capacidade de inovar e criar géneros literários, desde o memorialismo (Memórias, vol1; 1919) à literatura de viagens (As Ilhas Desconhecidas, 1927); do teatro (Gebo e a Sombra 1923) ao romance (Os pescadores, 1923), da historiografia aos livros para crianças e jovens. O autor da obra Húmus (1917) – gerada num local não menos auspicioso do que no berço da nação, Guimarães, na casa do autor, a famosa Casa do Alto – apresenta-se como um génio literário, acima da média, misturando o expressionismo com o lirismo, tudo assente numa forte crítica social.

Neste verdadeiro exercício de “arqueologia literária”, Vasco Rosa, durante quatro laboriosos anos de investigação, segue um insondável número de pistas para montar o puzzle que permite responder à sua ânsia de conhecer a receção crítica da obra de Brandão pelos homens das letras. Se o leitor se sentir tentado a questionar do porquê da importância de adquirir este conhecimento, Rosa de imediato responde: “para entender hoje livros escritos há um século é preciso saber como eles foram lidos no seu tempo”.

Este conservador do património da memória percorreu um longo caminho de esquadrinhamento em espólios, recortes de jornais de época, arquivos de bibliotecas e até onde mais o levou o seu trabalho de arqueólogo. Tudo para dar a conhecer, nesta obra, o Raul Brandão escritor, mas também o jornalista, o crítico literário, o pintor; aquele que marcou e influenciou nomes como Vergílio Ferreira, Carlos Oliveira, José Gomes Ferreira, entre tantos outros.

Nesta obra, que não é uma biografia, mas uma compilação de setenta e cinco artigos escritos por Vasco Rosa e outros documentos – alguns inéditos, encontrados e complicados – podemos medir, pelas palavras de outros, o tamanho que foi esse homem do pensamento e das letras, Raul Brandão.

Nas palavras de Santos Ferro, “uma inteligência ansiosa, um coração amorável, tinha o desejo sagrado de encontrar novos rumos que sarassem, as velhas dores da humanidade enferma”; Mário Dionísio “relê-lo é decerto indispensável, para quem, querendo ser bem do nosso tempo, não despreze saber onde este tempo começa e como”; para António Alves Martins “ a prosa de Raul Brandão, afastada da rigidez clássica, como a terra do céu é a prosa mais sugestiva dos nossos tempos”; e diz-nos ainda Saramago, é aquele incómodo parente que todos nos temos ou tivemos, de vida irregular ou misteriosa, uma espécie de personagem de malefício, nascida em um mundo pouco salubre.

Miguel Nogueira

Estes e outros depoimentos, encontrados e postos a descoberto por Vasco Rosa, servem para pincelar ao leitor o impacto e a receção da obra de Raul Brandão. Aliado a isso pode ainda o leitor pasmar-se com descobertas como a história editorial da obra brandoniana, as aventuras vividas pelo espólio deixado pelo escritor, ou também ver esclarecido alguns mitos como a data de lançamento da obra Ilhas desconhecidas, em 1927 e não em 1926 como vem sido repetido ao longo dos anos, ou ainda a descoberta de dedicatórias à memória de Brandão, que provam a sua receção à época.

Uma obra para que o leitor que já conhece Raul Brandão e aquele que, não conhecendo, tenha a ousadia de abrir a dita, se veja confrontado e maravilhado com o labor de um trabalho de dimensões épicas, de um investigador que, em cada linha, transmite a sua paixão e devoção à pessoa e intelectual que foi Raul Brandão.

Em dia de aniversário de nascimento de Raul Brandão (12 de Março, de 1867), vale a pena recordar esse grande escritor que tem sido uma figura não suficientemente valorizada, quer pelos leitores, quer pelas instituições públicas e pelos meio literários, vindo o trabalho de Vasco Rosa ajudar a colmatar essas falhas.

A importância da inventariação e conservação das fontes de informação de época são fundamentais na construção, compreensão e preservação daquilo que é a memória coletiva. Este trabalho de Vasco Rosa é um esforço imensurável nesse sentido, e por isso terminamos com um aviso e apelo do mesmo: “Arquivos só estarão vivos se forem comunicantes, doutro modo serão apenas depósitos inertes e dispendiosos, mais cedo ou mais tarde destinados ao desaparecimento; Apelo para que o Porto, cidade onde nasceu Raul Brandão, mobilize as suas instituições para fazer o levantamento, divulgação, e comentário de materiais pertinentes que se encontrem em bibliotecas ou arquivos da cidade. Posso esperar ser ouvido?”

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