Vamos achatar a curva da infodemia

por Cronista convidado,    9 Novembro, 2020
Vamos achatar a curva da infodemia
Fotografia de Branimir Balogović / Unsplash
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Logo após os termos Covid-19 e pandemia surgirem no nosso léxico comum, a OMS cunhou um novo termo, definindo um processo antigo, mas que ganhou uma nova centralidade e relevância pela evolução da doença – infodemia. Logo em fevereiro, o diretor geral da Organização Mundial de Saúde Tedros Adhanom Ghebreyesus, anunciou que o combate não era apenas contra o vírus, era igualmente contra negacionistas e teóricos da conspiração, que disseminam desinformação e prejudicam a resposta coletiva à pandemia.

Portugal não foi exceção, logo no final de fevereiro, ainda antes do primeiro caso detetado, já circulavam dezenas de rumores sobre o tema. Quem não se lembra dos áudios via WhatsApp, onde aparentes profissionais de saúde garantiam que o vírus era bem mais perigoso e já teriam falecido centenas. Tudo escondido claro, por um plano maquiavélico para “nos controlar”. Curiosamente, muitas das pessoas que acreditaram e espalharam essa informação, agora afirmam exatamente no seu oposto. Estão no campo negacionista, onde a própria existência do Sars-Cov-2 é contestada. Apenas o objetivo final permanece inalterado, é tudo orquestrado para nos controlar.

A desinformação associada a doenças não é um fenómeno recente, existindo ampla evidência de já na idade média ter ocorrido. A diferença, é que em 2020 a mensagem é amplamente difundida via redes sociais, com menor mediação por parte da imprensa tradicional, o que facilita a sua disseminação e provoca um claro prejuízo na resposta à pandemia. Cria dúvidas onde não era suposto existirem, altera o comportamento das pessoas e reduzindo a eficácia das medidas de saúde pública implementadas.

Os danos da infodemia não são apenas sociais, são também físicos, existindo relatos de lesões e óbitos causado por automedicação, ingestão de metanol e toma excessiva de hidroxicloroquina. Informações falsas em pessoas fragilizadas podem causar dano real e permanente: a 12 de agosto, a OMS calculava que 800 mortes terão sido diretamente causadas por informações falsas relacionadas com a Covid-19.

Os algoritmos das redes sociais tendem a criar bolhas, que crescem na medida e no sentido da atividade dos utilizadores, ignorando o contraditório. Este fenómeno, sem mediação e sem filtro, polariza os cidadãos, o que por sua vez, volta a alimentar a bolha da narrativa. Além de uma vacina para o Sars-Cov-2, precisamos de uma proteção para a infodemia. Tal como nas restantes doenças, a proteção é individual e coletiva.

Este é um dos grandes paradoxos do nosso tempo, vivemos numa era de informação abundante e acessível, mas onde, simultaneamente, o obscurantismo anti ciência ganha adeptos. É entendido como tendo igual relevância e importância, um qualquer texto anónimo no Facebook a uma publicação científica numa revista de qualidade.

A desinformação é perigosa para a saúde física e mental das pessoas, aumenta o seu isolamento, ameaça os ganhos em saúde obtidos, leva ao não cumprimento das regras de saúde pública, colocando em risco o controle da pandemia. São precisas estratégias novas para enfrentar e achatar esta curva. Cabe às autoridades de saúde, a promoção de uma comunicação aberta, atempada e conceder o acesso aos dados anonimizados por parte da sociedade civil. Mas cabe também ao cidadão esperar e perceber o impacto que pode ter uma simples partilha. Da próxima vez que nos depararmos com um texto no Facebook, que garanta que o alho previne ou trata a Covid, devemos esperar antes de partilhar de forma automática. Em caso de dúvida, há dezenas de sites fidedignos, como na OMS ou ONU, que sistematizam os maiores mitos que circulam e explicam em linguagem acessível.

O caminho para melhorar a resposta à infodemia não é fácil, nem tem recebido a atenção suficiente por parte das autoridades. Além de uma estratégia de comunicação integrada e sensível às variações sociais e culturais da população, é necessário aumentar a resiliência das comunidades, promover a literacia e estimular a avaliação da credibilidade das fontes. Para conseguirmos achatar a curva da Covid-19, temos de trabalhar em conjunto para achar também a curva da infodemia.

Cronica de Mário André Macedo
O Mário é Enfermeiro Especialista em Saúde Infantil.
Esta crónica foi originalmente publicada em Healthnews, tendo sido aqui publicada com a devida autorização do autor.

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