Uma lei de bases da saúde para quê e para quem?

por Comunidade Cultura e Arte,    1 Fevereiro, 2019
Uma lei de bases da saúde para quê e para quem?
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Embora o espaço público esteja, neste momento, bastante disperso no que toca à mediatização de temas e problemáticas, há um aspecto da vida nacional que merece a nossa profunda reflecção. Está na calha uma nova lei de bases para a saúde, mas para quê e para quem?

Para responder a estas perguntas é imprescindível definir o que constitui, para nós, um bom serviço de saúde e em quem confiamos para o por em prática e administrar. Na minha modesta opinião só será procedente uma lei de bases que institua inequivocamente o Serviço Nacional de Saúde como público, gratuito e universal; que garanta o direito à saúde a todos os portugueses e que determine de forma peremptória qual o espaço dos privados no nosso sistema de saúde. Tal só será possível se esta lei consagrar o SNS como uma das mais importantes funções do Estado e que, só a este cabe levar a cabo a prossecução de um dos mais bonitos desígnios constitucionais: o direito à saúde.

Há quem diga que o debate tem sido contaminado por questões ideológicas. Do meu ponto de vista tal afirmação carece de todo e qualquer fundamento visto que este debate é todo ele ideológico e nem poderia ser de outra maneira. O serviço público de saúde nasce com a preocupação de providenciar a todos o acesso aos melhores tratamento médicos consoante as necessidades de cada um em particular, independentemente da sua condição social ou económica. Para tal, a sociedade no geral contribui para que se possa manter este serviço que aproveita a todos.

É uma forma de ver as coisas.

Sendo o SNS público, tem como único objectivo assegurar o direito à saúde de forma digna sem estar amarrado aos lucros ou aos eventuais prejuízos que possa vir a ter, pois não é esse o seu objectivo, tão pouco a sua prioridade. Mas, se abrirmos espaço aos privados, nesta espécie de sistema misto que alguns pretendem instituir, toda a lógica de um sistema universal e gratuito será invertida pelo simples facto de serem privados. Não se trata de uma alergia ao sector privado, mas sim de uma análise aqueles que são os objectivos de uns e de outros.

Os hospitais privados são empresas cujo objectivo primordial é o lucro. Não é uma acusação, é um facto. Os grandes grupos económicos como o grupo Mello, não estão no sector da saúde por caridade nem pela sua boa vontade, estão porque é um negócio potencialmente lucrativo.

Sendo lucrativo, a concorrência é um entrave ao crescimento dessas empresas, principalmente de o “concorrente “for o SNS. São estas as razões que levam estes grupos económicos a pressionar determinados sectores para que a actual lei seja revista no sentido de facilitar a proliferação do sector privado nesta área e com isso exponenciar os lucros.

É certo que em situações onde o Serviço Nacional de Saúde não consegue dar resposta, o privado é um importante parceiro, mas apenas nestes casos. Aliás, penso que se a sangria de dinheiro público para este sector privado da saúde cessasse, seriam menos as lacunas do SNS.

Marcelo Rebelo de Sousa, numa tirada infeliz, referiu que não promulgaria uma lei aprovada só pela esquerda. Não estou certo se não se lembra, ou se não quis lembrar que a primeira lei de bases que consagrou o SNS, permitindo que milhões de portugueses passassem a ter acesso aos mais elementares cuidados de saúde foi aprovada só pela esquerda não colhendo a aprovação do PSD nem do CDS.

Crónica de Fernando Teixeira
Nasceu em Trás-os-Montes mas é em Coimbra que escolheu viver. É Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra e é um opinador compulsivo.

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