Uma caixa de fósforos de Nova Iorque

por Bernardo Crastes,    14 Junho, 2020
Uma caixa de fósforos de Nova Iorque
Ilustração de Gabriel Margarido Pais. Caixa de fósforos do bar The Otheroom, sobreposta a um mapa de Nova Iorque
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Neste período de quarentena, em que nos vemos obrigados a parar fisicamente, não há limites para onde a nossa mente nos pode levar. Olhando à volta do meu quarto, vejo objectos trazidos de viagens que fiz no passado e que, instantaneamente, espoletam memórias das mesmas. É uma forma de escapismo momentâneo que traz algum conforto em tempos incertos. Deixem-me levar-vos numa viagem à volta do meu quarto.

O sétimo objecto é uma caixa de fósforos que trouxe de Nova Iorque. Qualquer que seja o nosso ideal de cidade ou destino turístico, é impossível que a cidade que nunca dorme não deixe uma marca em quem quer que a visite. Sempre que lá estive, senti que estava verdadeiramente no epicentro do mundo.

De todos os destinos que visitei, aquele do qual senti saudades mais cedo foi Nova Iorque. Durante os meses em que trabalhei nos Estados Unidos, estava a pouco mais de uma hora de comboio de lá, pelo que acabei por visitar a “greatest city in the world” bastantes vezes. É uma cidade apaixonante, onde as possibilidades se afiguram infinitas e todas as pessoas parecem caminhar com um destino definido e uma história para contar.

Quando visitava a cidade, confiante de que regressaria mais cedo ou mais tarde, não vivia na ânsia turística de visitar tudo exaustivamente, permitindo-me tomar o meu tempo para me regojizar no excesso e intensidade. Desta forma, o meu elogio à cidade prende-se não tanto pelos monumentos ou pela sua beleza visual — até porque é mais impactante do que propriamente bonita —, mas sim pelas experiências que nela vivi.

Vi espectáculos com os quais sonhava há anos (Joanna Newsom na fila da frente de um teatro, Vampire Weekend na sua aclamação no Madison Square Garden, uma peça com o Tom Hiddleston na Broadway), assisti à parada Pride que comemorava os 50 anos dos motins de Stonewall (que deram início ao movimento pela igualdade de direitos LGBT+), fui a festas em sítios variados e inusitados (num pólo do MoMA, num terraço de Brooklyn, numa residência de estudantes, numa ourivesaria), provei comidas que sempre quis ter provado… senti-me como se tivesse vivido o mundo numa cidade.

Um dos bairros que mais gostava de visitar era Greenwich Village. Pela beleza dos seus edifícios de tijolo castanho acolhedores e ruas ladeadas de arvoredo, figura frequentemente em séries e filmes, tornando passear por lá um déjà vu constante. A juntar a isso, tem óptimos restaurantes e uma vida social boémia e vibrante. Poucos minutos afastado do epicentro desse bairro, numa zona mais residencial, encontrei o The Otheroom, o bar mais escuro que alguma vez visitei.

A iluminação está reduzida ao mostruário de bebidas e a algumas velas que alumiam as mesas e balcões. Aí fui duas vezes para tomar copos de vinho — caríssimos, mas ainda assim acessíveis quando comparados com outros sítios da cidade. O sítio é acolhedor, a fauna humana é diversa e a música é boa. Tendo em conta a escuridão que se sentia, não é então de admirar que um dos souvenirs do bar seja uma caixa de fósforos.

Um paralelepípedo curioso, num tom prateado elegante, recheado de fósforos de cabeça branca; foi um dos poucos souvenirs que trouxe para me recordar de todas as experiências com que Nova Iorque me presenteou. Não que o sítio de onde o trouxe tenha sido o local mais fascinante que já visitei, mas a especificidade e practicidade do objecto torna as memórias mais vívidas. A chama de um daqueles fósforos certamente não será diferente de qualquer outro, mas para mim terá um significado especial. Já prometi à caixa que hei-de voltar.

Esta foi a minha experiência, mas o melhor de Nova Iorque é que qualquer pessoa pode visitá-la e ter uma experiência completamente diferente, mais adequada aos seus gostos. Basta saber onde procurar e não ter receio de novas experiências, e tem-se o mundo a seus pés.

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