Tupac Shakur e Notorious B.I.G. – o que os une e o que os separa

por Lucas Brandão,    28 Março, 2017
Tupac Shakur e Notorious B.I.G. – o que os une e o que os separa
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Tupac Shakur e Notorious B.I.G. foram dois dos mais conceituados rappers dos anos 80 e 90. Numa fase em que a denúncia das injustiças sociais e raciais se dava a partir dos bairros e dos guetos, o rap surgiu como uma forma de expressão artística que ganhou forte proeminência na divulgação desses factos. Porém, a relação entre os dois era tensa e, muitas vezes, acompanhada por polémica e com acusações mais ou menos diretas. Este conflito advinha da rivalidade que a costa oeste do país norte-americano (West Coast) sentia pela este (East Coast). A primeira era encabeçada por Tupac e pelo grupo N.W.A., que incluía Ice Cube, Dr. Dre e Eazy E; já a este era liderada por Notorious e pelos Wu-Tang Clan. Tudo isto no decurso de uma década, durante a qual nem todos pontificaram de forma simultânea (N.W.A. antes de Tupac; Wu-Tang durante e depois da afirmação de B.I.G.), mas que fomentaram a tensão geográfica.

Shakur, de seu nome Lesane Parish Crooks, nasceu a 16 de junho de 1971, e foi renomeado Tupac Shakur, em homenagem ao imperador inca Tupac Amaru II, executado pelo Império Espanhol no século XVIII. Conhecido pelo seu estilo denunciativo e descritivo da realidade atribulada que as comunidades bairristas viviam, não hesitou em ser controverso e fraturante. De muito valeu o envolvimento de alguns dos seus familiares no Black Liberation Party, grupo rebelde a favor das liberdades dos indivíduos de etnia negra. Mesmo tendo nascido no Harlem, localizado em Nova Iorque, foi na Califórnia que se sentiu em casa. Escrevendo peças e músicas, envolveu-se como entertainer e rapper em várias iniciativas, sendo descoberto pela Digital Undeground, que gravou o seu primeiro EP.

A rivalidade deflagrou cedo, com a emancipação de rappers no seio das camadas mais pobres e segregadas da sociedade norte-americana, em especial aquelas do lado nascente e poente do país. Los Angeles e Nova Iorque convergiam no assomo de produção musical, embora fossem, em tudo o resto, adversas uma à outra. Isso revelou-se até nas próprias produtoras musicais, dominando, a oeste, a Death Row Records, e a leste, a Bad Boys Records. Em 1993, foi esta última a primeira a ser criada, com Sean Combs — mais conhecido por “Puff Daddy” —  a lançar o primeiro álbum de estúdio de Christopher George Latore Wallace, também conhecido por Biggie Smalls ou Notorious B.I.G., nascido a 21 de maio de 1972 em Brooklyn.

Ready to Die (1994) lançou-o numa ribalta que acabou por dar a resposta ideal aos êxitos que rappers ocidentais tinham granjeado. Do alto dos seus 1,90m, e pesando 180 quilos, tratava-se de uma figura que se impunha não só pelo vigor das suas letras, mensagens e voz, mas também pela sua presença. A sua fama adviria de uma remistura da música “Real Love”, de Mary J. Blige. Este seria o ponto de transição da sua carreira, que o levaria para os estúdios e para a gravação de álbuns. O nome Biggie Smalls derivaria de um filme de 1975, de seu título “Let’s Do It Again”, que relata a corrupção em combates de boxe. Pela impossibilidade de Wallace usar esta primeira designação devido a direitos de autor, ficou então conhecido por Notorious B.I.G.

O líder da produtora Death Row, de seu nome Suge Knight, criticou de forma dura Combs de improvisar nas músicas dos seus artistas, acabando por ser apupado no momento dessas declarações (edição de 1995 dos Source Awards, destinados a galardoar os mais expeditos no género do hip-hop). Mais tiros ecoados e mais uma rixa, esta na festa organizada em Atlanta para o também produtor Jermaine Dupri. No entanto, desta viriam a resultar mortos, destacando-se o amigo íntimo de Knight Jake Robles. O ocidental viria a acusar Combs, que também estava nessa festa. A rivalidade consolidar-se-ia com a saída da cadeia de Tupac, que fora acusado de abuso sexual, corria o mês de outubro de 1995. Fora Knight a pagar-lhe a caução, com a promessa de que o rapper assinaria pela Death Row Records. Isso aconteceu, e as tensões permanecerem bem denotadas. A este aquecimento, ajudou o lançamento do single “New York, New York” pela dupla de rappers Tha Dogg Pound, da qual fazia parte Snoop Dogg, e em cujo videoclip este destrói vários edifícios novaiorquinos. Em contrapartida, outro par de rappers, desta feita da costa este e de seu nome “Capone-N-Noreaga”, tece duros insultos aos do outro lado do país com “L.A. L.A.”.

No entanto, essa animosidade alcançou um ponto incontornável no qual Tupac, após ter sido vítima de roubo e de tentativa de assassinato num estúdio em Manhattan, acusou B.I.G. e Sean Combs de terem perpetrado tal ocasião. Corria precisamente o dia 30 de novembro de 1994, e seria pouco depois que Notorious lançaria “Who Shot Ya”. Mesmo tendo Biggie ilibado Combs e o próprio rapper de uma potencial envolvência no tiroteio, a comunidade de hip-hop de então viu esse lançamento como uma forma de provocação a Shakur. Nada seria contornável, e tudo iria piorar desde então.

Assim, seriam recorrentes as presenças de Tupac em críticas e ameaças a Notorious, envolvendo-se exemplos como “Hit ‘Em Up” (em conjunto com membros da sua banda Outlawz), “Bomb First (My Second Reply)” e “Against All Odds”. A comunicação social não deixou nada disto passar incólume e reforçou aquilo que se tratava de uma guerra de rappers entre as costas nascente e poente. Nesta convulsão, até os fãs escolhiam lados e se envolviam com alguma parcimónia neste conflito. Também do outro lado Biggie trazia letras com mensagens subliminares dirigadas a Tupac, destacando-se “Long Kiss Goodnight”, mesmo que alguns dos seus íntimos o negassem.

Tudo viria a culminar – ou a reacender-se – com a morte de Tupac Shakur no dia 7 de setembro de 1996, no auge dos seus 25 anos. Nesse dia, e no decurso de um tiroteio entre carros em Las Vegas, Shakur seria fatalmente alvejado, morrendo seis dias mais tarde num hospital do estado do Nevada. Notícias enunciam que os responsáveis pelo fatal episódio faziam parte de um gangue californiano de seu nome Southside Crips, de forma a vingar o espancamento de um dos seus membros às mãos do rapper. Formalmente acusado seria Orlando Anderson, o preciso homem que foi violentado por Shakur, apesar de não ser denominado culpado. Este seria morto num outro conflito dois anos depois, em 1998. A polémica não se restringiria a este grupo, sendo também implicado o próprio Notorious B.I.G.. Para o fundamentar, contou com a sua família para produzir registos sonoros computadorizados que permitiam sustentar que se encontrava a gravar no seu estúdio novaiorquino. No entanto, estes seriam questionados pelas forças policiais, descodificando várias incoerências nas provas criadas, como o momento em que foram gravadas.

Enquanto ainda se realizavam investigações quanto ao putativo envolvimento de Wallace no sucedido, este viria a ser morto em circunstâncias um tanto ou quanto similares às do assassinato de Tupac. No dia 9 de março de 1997, em Los Angeles — plena costa oeste e lugar onde se congregava grande parte da produção musical do West Coast Rap —,  foi alvejado a partir de um carro em andamento e partiu com somente 24 anos. B.I.G. estava a promover o seu mais recente sucesso (“Hypnotize”) e seguia acompanhado de seguranças pessoais quando se deu a morte de um dos maiores nomes da história do rap norte-americano, assim como havia sido Tupac Shakur.

Porém, e no auge de um confronto que se foi acirrando a partir das produtoras regionais, houve um vínculo de amizade que os uniu durante algum tempo. Lil’Cease, parceiro de trabalho de Biggie, chegou a aludir ao facto de partilharem presenças em festas de aniversário de amigos em comum, e de se deslocarem às residências de cada um, nas suas respetivas costas. Esta amizade foi construída logo após o sucesso de B.I.G. em “Ready to Die”, mas assumiria as eventuais peripécias que foram explanadas acima, e que homologaram esta mítica rivalidade.

A imortalização destas duas lendas norte-americanas conheceu uma especial mas contenciosa mística no momento em que a costa oeste e este se confrontavam ao som de mensagens duras e rasgadas sobre os seus antípodas. Os anos 90 conheceram uma nova forma de apresentação e de discussão da realidade, passando pelas veias mais agitadas e outrora mais discriminadas. A necessidade de emancipação conheceu na sua música uma forma ampla e contagiante de expressar as diferentes sensações constituintes da vida no seu estado mais bruto e convulsivo. O futuro de ambos nunca foi conjeturado de uma forma em que os dois o partilhassem, mas sim de uma perspetiva na qual a geografia se tornaria astronomia, com cada um na sua galáxia, bem longe um do outro. Contudo, o nosso presente conta-nos que é mais aquilo que os une do que aquilo que os separa.

No fundo, a diferença passou pela geografia e pelas dissidências daí providas. Em tudo o resto, na música, no poder lírico, no crescimento atribulado e no trabalho arrecadado, nos contornos das suas mortes e, finalmente, no estatuto, estão ao lado um do outro. Tupac Shakur e Notorious B.I.G. protagonizaram uma das mais acérrimas disputas no mundo da música, mas nem isso impede que estejam mais próximos do que alguma vez imaginaram.

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