‘Toni Erdmann’ e o humor como veículo para a relação interpessoal

por João Estróia Vieira,    16 Fevereiro, 2017
‘Toni Erdmann’ e o humor como veículo para a relação interpessoal
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Filme-sensação do ano transacto, Toni Erdmann, terceira longa-metragem da realizadora alemã Maren Ade, constou em várias listas para os melhores do ano, figurando inclusive no primeiro lugar de grande parte delas. Finalmente chegado aos nossos cinemas, e com a nomeação para Melhor Filme Estrangeiro no currículo – sendo de forma meritória o mais forte candidato a vencê-lo -, é necessário então percebermos onde reside a magia desta fabulosa história que prova, e bem, que os alemães também têm um grande sentido de humor.

Toni Erdmann é uma das várias personagens de Wilfried (Peter Simonischek), um ex-professor de piano divorciado e de personalidade extravagante. Sentindo-se solitário, Wilfried decide surpreender a sua filha, Ines (Sandra Huller), uma gestora com trinta e poucos anos, visitando-a em Bucareste, onde a mesma trabalha, com o propósito de voltar a construir com ela uma relação que há muito se perdeu.

Wilfried, no entanto, depara-se com uma pessoa fria, habituada a lidar com despedimentos e cortes de pessoal nas várias empresas onde exerce consultoria. Há uma barreira notória entre pai e filha. “És mesmo humana?”, pergunta-lhe Wilfried, a certa altura, para choque de Ines. Wilfried utiliza então a sua maior arma, o humor e os seus disfarces com dentaduras e perucas, para chegar onde a falta de comunicação paternal e a falta de ligação com a filha não lhe permite chegar. A certa altura da nossa vida, todos nós temos uma certa tendência em afastarmo-nos das pessoas de quem mais gostamos. Trata-se de uma provação de amor, de parte a parte, inverter essa situação, e nada melhor que esse mesmo “humor” como veículo para quebrar as “defesas” que vamos construindo. Parece óbvia a inspiração autobiográfica da realizadora havendo também ao mesmo tempo uma grande mensagem de emancipação feminina subjacente à sua mensagem.

A escolha por Bucareste também não é inocente, estando repleta de simbolismo e de propósito. Primeiro, potenciando o desconforto a nível interior, psicológico, dos personagens, colocando esse desconforto também no campo exterior, do espaço, obrigando ambas as personagens a coexistirem numa pátria que não a sua. Há, portanto, e como causalidade da escolha da realizadora, um calculismo dos passos dados em ambos os referidos campos. Em segundo lugar, pela clara homenagem à new wave do cinema romeno, através da busca pela autenticidade do seu produto fílmico e a gravação desta Bucareste em constante mutação e crescimento.

A narrativa é de construção lenta, e com quase três horas de filme, a sua durabilidade é, além de um teste de resistência, o tempo que o espectador necessita para entender também a magnitude do que se passa em ecrã. Toni Erdmann é uma comédia, mas o seu objectivo não é unicamente o de fazer rir – muito menos de forma gratuita. É, também, um drama, mas não pretende provocar o choro de forma facilitada. O tempo de filme é precisamente aquele que as personagens – pai e filha – necessitam para criar uma ligação e descobrir novamente o que os liga, além do mero laço paternal que, sem mais, nada significa.

Maren Ade traz-nos um filme humano e genuíno, que nos ensina a não levar as coisas demasiado a sério, trazendo para isso um peculiar sentido de humor que facilmente descobre o caminho até ao nosso coração. Excelentemente interpretado pelos actores principais, somos conquistados minuto após minuto até chegarmos a um resultado final de uma viagem que faz valer toda a sua espera.

Toni Erdmann proporciona, já na sua parte final, alguns dos seus melhores segmentos, desde um momento musical com “Greatest Love of All” de Whitney Houston até uma das mais hilariantes cenas de nudismo da história do Cinema. Logo de seguida, Maren Ade volta a trazer-nos à terra para encerrar da melhor forma, com uma cena verdadeiramente enternecedora.

O melhor elogio que se pode fazer a Toni Erdmann é o facto de merecer todos os que já lhe foram previamente feitos, e mesmo eles ficarem aquém. Escusado será dizer que o melhor a fazer é mesmo vê-lo no “grande ecrã” e deixar-se levar por esta viagem tão emotiva e bem-disposta de um filme que, em última instância, trata de forma lindíssima uma tentativa de reaproximação entre um pai e a sua filha.

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