‘The Killing of a Sacred Deer’, de Yorgos Lanthimos: a fórmula que se sobrepõe ao conteúdo

por Paulo Portugal,    4 Janeiro, 2018
‘The Killing of a Sacred Deer’, de Yorgos Lanthimos: a fórmula que se sobrepõe ao conteúdo
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Gradualmente, Yorgos Lanthimos parece começar a ficar enredado no seu próprio jogo. Depois do ainda fresco Lobster, de 2015, o provocador grego regressa para O Sacrifício do Cervo Sagrado encenando um dilema familiar que lhe permite atravessar uma avenida pelo género de terror.

É claro que da estranheza de Lanthimos já estamos preparados. Pelo menos desde o avassalador Canino (2009), quando fomos introduzidos a um cinema visceral que ultrapassou todas as barreiras. Mas esse lado desapaixonado das coisas acabou por se impor como estilo, desde logo no diálogo inquisitivo de pergunta resposta. Mas também nas situações. Seja, por exemplo, nos preliminares do ato amoroso em que a mulher (Nicole Kidman) se coloca em pose para o desfrute do marido cirurgião (Colin Farrel), ou pela estranha conversa deste com o adolescente Martin (Barry Keoghan, que vimos recentemente em Dunkirk), a quem oferece presentes. Ou quando este é apresentado à família e o filho mais novo lhe pergunta se já tem pelos nas axilas e a filha lhe declara que acaba de ter o seu primeiro período. Há até o envolvimento com a mãe de Martin, num curto regresso de Alicia Silverstone (lembram-se dela fulgurante em As Meninas de Beverly Hills, em 1995). Isto é Yorgos Lanthimos.

Afinal de contas, este acaba por ser apenas o intróito para uma ligação bem mais profunda que nos levará mais adiante a recordar o ambiente opressivo de Shinning de Kubrick, mas também aos limites do desespero próximos de Funny Games, de Haneke. Sobretudo quando se coloca um casal a braços com uma dúvida semelhante à de A Escolha de Sofia, seja uma opção demasiado óbvia para se escolher. Adiante.

Apesar da antecipação desse ambiente intrigante e obsessivo, percebemos a chegada da catarse, depois seguida pela necessária (ainda que insólita) descarga. É esta a trama da suposta maldição lançada por Martin, quando se revela o propósito da estranha amizade entre ambos na origem da morte do pai do jovem na mesa de operação e que agora resultará numa inexplicável maldição lançada à família. Isso significa, claro, mais trabalho interpretativo para a sempre disponível Nicole Kidman, numa calma gélida, bem como Farrell e todo o elenco no mesmo registo destituído de emoção. Até para acentuar os requintes de malvadez que se seguirão.

O problema de O Sacrífício de um Cervo e até de Lanthimos é que o seu estilo começa a converter-se numa fórmula. Mas que aqui, em particular, acaba por se sobrepor e deixar. Ou seja, a fórmula antes do conteúdo, em que o resultado resulta como uma espécie de mixbag.

(artigo escrito por Paulo Portugal em parceria com Insider.pt)

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