The Comet Is Coming no Hard Club: “vamos explorar”

por Daniel Dias,    19 Outubro, 2019
The Comet Is Coming no Hard Club: “vamos explorar”
Fotografia de Sofia Matos Silva / CCA
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O site The Planets ensina que os cometas são corpos menores do Sistema Solar. Estes descrevem órbitas profundamente elípticas, o que faz com que muitos se aproximem do Sol. O seu núcleo, maioritariamente constituído por gelo e material rochoso, contém uma grande maioria da sua massa total. Depois há as famosas caudas. A cauda de poeiras é como que um trilho de pequenas partículas que são deixadas para trás à medida que o cometa descreve a sua órbita – dando-lhe a famosa aparência de arrastamento pela qual é conhecido. Já a cauda iónica resulta do contacto com os ventos solares, que sopram os gases para fora.

Donald K. Yeomans, do Jet Propulsion Laboratory – um centro tecnológico de pesquisa ligado à NASA –, refere que poucos são os cometas que conseguem receber a honrosa distinção de “grande cometa”. Um grande cometa é, essencialmente, um que se torna tão brilhante que pode ser avistado a olho nu. Trata-se de algo compreensivelmente raro: o corpo tem de estar muito perto do Sol, para produzir uma cauda massiva, ou muito perto da Terra, para a mesma ser visível. Diz-se que apenas aparece um grande cometa por década.

Acreditam os populares que a 16 de Outubro de 2019, em noite de céu estrelado e com uma chuva auspiciosa, foi avistado o grande cometa desta década.

Fotografia de Sofia Matos Silva / CCA

Quem acompanha os sons aventureiros e entusiasmantes do jazz contemporâneo sabe bem quem é Shabaka Hutchings. O músico de 35 anos é um prodígio do saxofone e um criativo impressionante. E o catálogo do artista nascido em Londres e criado nos Barbados é já extenso. Há quem prefira os viscerais Sons of Kemet – que tiveram em Your Queen is a Reptile um dos álbuns mais ferozes de 2018. Há quem escolha Shabaka and the Ancestors: o nome deste grupo e do disco Wisdom of Elders são muito interessantes na medida em que revelam o respeito e a admiração que Hutchings nutre pelos primeiros mestres do jazz.

Mas o saxofonista não gosta de ficar preso à caixinha imposta por esse rótulo. O amor pelo hip-hop e por rock com raízes africanas também se evidencia em vários momentos – e é óbvio que um interesse profundo pela música electrónica não é esquecido. Talvez não haja projecto em que a apetência de Shabaka Hutchings para a exploração se manifeste tanto quanto nos The Comet Is Coming.

Fotografia de Sofia Matos Silva / CCA

Exploração é uma palavra perfeitamente adequada, dado que Shabaka – excelentemente acompanhado por Dan Leavers nos teclados e Max Hallett na bateria – achou por bem levar o Hard Club numa viagem intergaláctica. Trust in the Lifeforce of the Deep Mystery, álbum lançado em Março, foi o combustível que serviu para alimentar esta aventura. O saxofone e os sintetizadores em “Super Zodiac” pareciam querer furar a camada de ozono e sondar a galáxia. “Summon The Fire” e “Blood of the Past” juntaram à turbulência uma sensação de extraordinário êxtase. Uma dança à beira do abismo. Uma gargalhada perante o apocalipse. A iminência do desastre misturada com a grande adrenalina que é estar vivo para o conseguir contornar.

No fim, vem “The Universe Wakes Up”. O exuberante espectáculo de luzes – por vezes demasiado penoso para quem possa sofrer de epilepsia fotossensível – acaba. Agora, o palco pinta-se apenas de um verde contemplativo e sereno. Leavers deixa que uma linha de teclado simples e infinitamente sonhadora desenhe imagens mentais de um qualquer refúgio pacífico. Shabaka deixa que o protagonista dessas imagens mentais explore esse refúgio ao seu ritmo e sem pressas. Um monte à beira de uma cascata a partir do qual dá para ver o amanhecer. Um jardim no cimo do parque com um banco para sentar e ouvir o som do rio. O desejo que se pede enquanto uma estrela cadente atravessa o céu apressado. “The Universe Wakes Up” é a ideia de que no fim da viagem vai correr tudo bem – no canto mais distante da Cintura de Kuiper ou na gaveta mais tímida da mente.

Fotografia de Sofia Matos Silva / CCA

O cometa aterra mas não é daqueles que provoca uma cratera enorme ou deixa um rasto de destruição. Shabaka esboça um sorriso contagiante e despede-se sem proferir uma única palavra – mas para quê falar quando o saxofone conseguiu dizer tanto em tão pouco tempo? Este trio londrino interessa-se tanto pela exploração cósmica como por uma espécie de exploração interior. O Hard Club foi picado pelo bichinho e também sentiu vontade de embarcar na viagem. O destino é desconhecido mas as possibilidades são infinitas. Assim vale a pena esperar pela chegada do grande cometa.

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