Super Bock Super Rock, dia 3: até Janelle Monáe quis vir dançar ao som de Migos

por Tiago Mendes,    23 Julho, 2019
Super Bock Super Rock, dia 3: até Janelle Monáe quis vir dançar ao som de Migos
Janelle Monáe / Fotografia de Sara Camilo – CCA
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Assim que pusemos um pé dentro do recinto do Super Bock Super Rock, na tarde do último dia, percebemos que o ambiente era outro; à semelhança do que tem acontecido nos últimos anos, o dia do hip hop tem uma atmosfera mais vibrante, fruto de uma audiência talvez mais entusiasmada e expectante. E mais jovem: arriscamos dizer que uma em cada quatro pessoas presentes no recinto teriam menos de dezoito anos. E estavam lá por Migos.

O primeiro concerto que vimos, no palco LG, foi o de Pedro Mafama. Não conhecíamos nada acerca deste português que cruza instrumentais do médio oriente com uma interpretação vocal guiada a autotune. A música do artista não se situa totalmente distante daquilo que Conan Osiris tem vindo a desenhar na sua carreira; embora a performance de Mafama tenha uma batida mais persistentemente intensa e propulsiva. O artista tentou puxar pelo público, que apesar de tudo se mostrou um pouco resistente em mexer-se e reagir a um universo talvez demasiado intenso para servir como quebra-gelo às cinco da tarde. Mas há alguns elementos de interesse nesta estranha musicalidade que tem vindo a permear novos projectos musicais portugueses nos últimos tempos.

Masego / Fotografia de Sara Camilo – CCA

Seguimos para o palco EDP para ouvir a big band de Rubel, o artista brasileiro que se propõe actualizar o mundo da canção popular. De gorro vermelho na cabeça, à semelhança da maior parte dos elementos da banda, Rubel conduz-nos pela música ligeira, com palavras apaixonadas que com frequência emocionam a plateia – que canta os refrões, levanta e agita os braços, bate palmas, sobe para os ombros dos namorados, e, no geral, sorri numa expressão genuína de felicidade. Funcionou a hora a que o concerto foi colocado, com as cores do pôr-do-sol reflectirem no verde da vegetação da herdade do Meco.

Os Superorganism atrasaram-se mais de 20 minutos (assim como Lana del Rey, mas esta tem a desculpa de ser diva); já os tínhamos visto no Primavera Sound de 2018 – mas desta vez foi à luz do dia. Ono, uma das mais suis generis artistas de todo o festival, surge de óculos escuros envergando uma capa verde. É ela a maestrina da festa psicadélica deste colectivo que veio criar algumas ondas na cena alternativa com o recente lançamento do seu álbum de estreia. Apesar de a vocalista ter puxado pelo público, com um humor invulgar que até ia sendo bem recebido pela plateia, o concerto em si acabou por soar um pouco formulaico de mais – facto talvez inevitável pela quantidade de samples de que vivem aquelas canções. A música dos Superorganism soa mais viva gravada do que ao vivo; ou, pelo menos, é esta a nossa impressão.

Migos / Fotografia de Sara Camilo – CCA

Ainda tivemos tempo de espreitar o final do concerto do ProfJam, no palco principal. Aí demos de caras com a maior concentração de público do dia até ao momento. E a energia estava ao rubro. ProfJam chamou a mãe ao palco e dedicou-lhe o tema “à Vontade”, abraçado a ela , numa emocionante demonstração de carinho e devoção. O autotune na voz do músico parece ser uma arma bem sucedida na captação dos sentimentos que explora nas suas canções. A plateia reage com entusiasmo sempre que ProfJam joga as suas cartadas mais fortes, como é o caso de “Água de Coco”. Mas, à semelhança do seu concerto no SBSR do ano passado, os momentos que mais nos arrepiam são aqueles em que ProfJam olha para o alto e deixa fluir as suas rimas mais introspectivas; parece-nos justificada a atenção que o rapper português tem recebido nos últimos anos.

Masego / Fotografia de Sara Camilo – CCA

O público dirige-se em massa para o lado contrário do recinto. Uns vão jantar, outros querem marcar presença desde o primeiro segundo no concerto de Masego. A neo soul do artista, acompanhado de uma das mais talentosas bandas desta edição do festival, terá deixado poucos corpos indiferentes; enchia a alma olharmos em redor e vermos tanta gente sorridente a dançar. O ambiente smooth, convocado tanto pelo luminoso teclado como pelo estratosférico baixista (que se poupou demasiado), era bálsamo de boa disposição. Ao contrário do concerto de FKJ na noite anterior, em Masego sentimos um groove mais orgânico, o que trouxe sinceridade e vida ao seu espectáculo. Confessamos ter sido um dos nossos momentos preferidos deste Super Bock.

Infelizmente não podemos estar até ao fim, embora a justificação tenha sido boa: uma das actuais princesas da art pop, Janelle Monáe. Tínhamos muita expectativa para o seu concerto, considerado um dos melhores da edição deste ano do Primavera Sound em Barcelona. O espectáculo de Monáe é daquelas fusões entre um concerto e uma mega produção teatral. As músicas, agrupadas em pequenos actos de 10/15 minutos, vivem de emocionantes crescendos, amplificados pela excelente banda e pela qualidade de som (ligeiramente acima da média neste SBSR).

Janelle Monáe / Fotografia de Sara Camilo – CCA

Melhor voz do que a de Janelle? Talvez só a de Christine, que, na noite anterior nos deixara boquiabertos. Os dois concertos formam, aliás, um par de qualidade e teatralidade incomparáveis junto do restante cartaz. Em Janelle emocionou-nos particularmente o seu olhar desperto e focado, e a atitude de quem quer convencer um público que não era necessariamente o seu – a prova disto é o facto de ter começado o concerto com a arena meio vazia, com o público que queria ver Migos a chegar a conta gotas, ocupando os espaços, mas mantendo um respeitoso silêncio. Houve tempo para uma sentida homenagem a Prince, que era fã assumido da artista. Foi um espectáculo portentoso, que fechou em grande a digressão de Dirty Computer.

Custa-nos acreditar que estivessem menos pessoas neste terceiro dia do festival do que no primeiro (o único que esgotou os bilhetes diários). A mancha humana diante o palco principal era avassaladora. Espaço para nos mexermos? Nem vê-lo – e estávamos bem recuados. Assim que DJ Durel põe a passar o primeiro som do concerto, é ver chapéus, copos e t-shirts a voarem bem alto, fruto de demasiadas horas de expectativa. Temos de confessar que nos sentimos sempre ligeiramente desconectados de mega produções de Hip-Hop cujo som nao esteja totalmente no ponto. No caso do concerto dos Migos, para lá dos baixos electrificantes e das vozes dos rappers, faltou volume e definição às melodias instrumentais, o que constitui um turn-off na fruição da música.

Migos / Fotografia de Sara Camilo – CCA

Contudo é-nos impossível não reconhecer o impacto emocional que o espectáculo potenciou diante dos milhares ali presentes; e até Janelle apareceu com toda a sua banda e equipa de palco para vir dançar, na cabine de som, ao som do grupo americano. Não sabemos bem qual é o género musical do futuro, mas conhecemos o do presente: e o Super Bock faz muito bem em investir no joker do Hip-Hop. É este o terreno fértil onde se tece a cultura urbana deste século.

O concerto dos Disclosure, a fechar a noite e esta edição do festival, pareceu ter mais brilho que o de Kaytranada, na noite anterior. Os clássicos de Settle, um dos álbuns que mais veio marcar a house desta década, foram causa suficiente para motivar o entusiasmo geral entre a plateia. Dançou-se muito, como merece um final de festa de um festival de verão – mesmo quando julgávamos já não ter energia para mais nada.

Durante o concerto de Migos / Fotografia de Sara Camilo – CCA

Em jeito de balanço, a 25ª edição do Super Bock Super Rock seguiu aproximadamente a fórmula dos últimos cartazes, embora o regresso ao Meco pareça ter ajudado à reconstrução do espírito do festival, e nos tenha parecido que o alinhamento era ligeiramente mais coeso. Destacamos alguns pares de concertos que se complementaram e contribuíram para uma certa noção de unidade temática; característica que vem sempre enriquecer a marca de curadoria de um festival de musica. Christine and the Queens, por exemplo formou par com Janelle Monáe pela grandiosidade da produção, e com Charlotte Gainsbourg pelo timbre e sonoridade. Branko, Dino D’Santiago e Conan Osiris na desconstrução da música electrónica crioula portuguesa. Os Fugly e os Shame aos comandos de um vibrante post-punk, em dois concertos praticamente seguidos. E Kaytranada e Disclosure a encerrarem as suas respectivas noites em cenários de pista de dança. Que o Super Bock continue a trilhar o seu bem sucedido trilho na procura da linha eclética que marca o panorama dos grandes festivais do centro e sul do país.

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