Sessões de hip-hop marcam ritmo em Santa Maria da Feira

por Comunidade Cultura e Arte,    13 Novembro, 2019
Sessões de hip-hop marcam ritmo em Santa Maria da Feira
Realização das primeiras Hip Hop Sessions, no passado dia 30 de outubro, no Cineteatro António Lamoso / @Diana Santos
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As Hip-Hop Sessions, curadoria do diretor de cena do Cineteatro António Lamoso, João Matos, são um novo conceito em Santa Maria da Feira. Uma aposta municipal destinada ao público que faz do Hip-Hop – além de um estilo musical – um estilo de vida. Juntando artistas de origens distintas, porém que partilham a mesma “casa musical”, no passado dia 30 de outubro, Diogo Divagações, artista feirense, e Maze, membro dos Dealema, reuniram-se no Cineteatro António Lamoso, no ciclo do À4HÁ, para uma criação artística em conjunto, na qual não faltou a faixa “Para Voltar” assinada por Diogo Divagações e Maze. Já no próximo dia 13 de novembro, quarta-feira, Lazy e Puro L, irão subir a palco para a segunda sessão da iniciativa.

Em entrevista a ambos os artistas musicais, explora-se o novo conceito da aposta municipal das Hip-Hop Sessions; explica-se o processo criativo individual e conjunto dos artistas e contam ainda as perspetivas futuras de novos projetos que poderão estar prestes a serem anunciados.

Previamente às entrevistas, o vereador com o pelouro da Cultura, Gil Ferreira, afirmou em comunicado que “O incluir dos jovens no sistema de consumo cultural é um objetivo central da política cultural municipal dentro da grande esfera do desenvolvimento de públicos, um dos três pilares centrais deste ciclo de governação. Trazer as correntes estéticas de raíz popular e a cultura urbana à linha de programação do Cineteatro é um sinal de viragem, abertura e aproximação às comunidades mais jovens, a dita geração Z”.

Diogo Divagações, artista local, protagonizou – juntamente com Maze – a primeira sessão de Hip Hop / @Joana Rodrigues e Catarina Adão

Diogo Divagações e Maze foram a primeira dupla da iniciativa das Hip-Hop Sessions em Santa Maria da Feira. Primeiramente, Diogo, como iniciaste o teu percurso artístico e musical?
Diogo Divagações: O meu percurso artístico começa em 2004. Na altura, frequentava o ensino básico e houve a junção a dois amigos: o Leandro e o Cláudio; assim se formaram os “Versos Clandestinos”. Com as festas de escola e as frequentes sessões de improviso na alameda do tribunal e no corredor da adega surge o convite para integrar o grupo “TriboZoo”, que era na altura um coletivo com mais relevo e com uma massa humana bastante talentosa. Com essa motivação surge o meu primeiro registo chamado “Porventura”, o resto é história e mutação.

Quando e como é que surgiu a oportunidade da “Para Voltar” – a faixa em colaboração com o Maze?
Não é surpresa para quem me conhece que Dealema faz parte da minha educação enquanto adolescente e o Maze foi sempre dono de uma sobriedade e retidão gigante aos meus olhos. Assim, creio que foi quando estava a gravar “O Bem. O Mal. A Razão.” com o Madrak e o Bondz em Lisboa que através dos stories no Instagram reparo que ele me começara a seguir. Em conversas, após sessão de captação, sentimos que fazia falta uma participação, porém alguém que sentisse a identidade do disco, que sentisse a entrega à palavra e à conversa de sentidos deste disco. Eis que o Madrak sugere ‘’E se convidássemos o Maze?’’, e assim foi. Enviei-lhe uma mensagem privada a explicar e a resposta foi positiva. O instrumental foi enviado, a identificação existiu e o tema estava concretizado. Depois disso tratamos de sentar e conversar um pouco e sabermos pessoalmente quem era quem. Desde então, temos uma comunicação relativamente próxima e um respeito mútuo.

Relativamente ao evento, o que pensas da realização destas atividades mais focadas ao género musical do Hip Hop em Santa Maria da Feira?
Eu adoro a minha cidade e tenho um genuíno orgulho pelo trabalho que é feito a nível cultural. Este é um belo exemplo que traz à cidade a possibilidade de olhar para algo que não é muito habitual. Lógico que o Hip-Hop está na moda, mas não é natural veres concertos deste estilo num cineteatro. Nesse prisma, é uma conquista e deve-se muito ao trabalho desenvolvido pelo Joni nestas Hip-Hop Sessions. Desta forma, olho com bons olhos e ao ter feito parte da primeira edição sinto-o de forma especial.

“Na Feira, neste momento, existe muito potencial e muitos jovens a enveredarem por esta corrente de estilo, nessa perspetiva pode ser útil e interessante na dinamização dos mesmos.” – Diogo Divagações

Sentes que esta é uma forma de alcançar novos tipos de audiência e de promover talentos locais?
Quanto a alcançar novas audiências tudo depende muito da entrega que o público dá a nomes menos conhecidos da praça. Em última instância será sempre a adesão ou não do público que ditará o sucesso de qualquer atividade artística. Na Feira, neste momento, existe muito potencial e muitos jovens a enveredarem por esta corrente de estilo, nessa perspetiva pode ser útil e interessante na dinamização dos mesmos. Contudo, para que as coisas evoluam os agentes intervenientes têm de marcar presença. Esses novos talentos que referes devem começar por se fazer presentes neste tipo de iniciativa. Entender que ser artista-público é não só quebrar barreiras no que toca ao dentro e fora do palco, mas também promover o contacto e conhecimento das mais variadas pessoas do meio. No fundo somos só isso: pessoas na busca de uma partilha; que na vivência destas iniciativas podem alargar o leque de conhecimentos e discussão de caminho.

Criação artística conjunta entre Diogo Divagações e Maze / @Diana Santos

Consegues assinalar algum tipo de dificuldade em palco nesta criação artística conjunta?
Não creio que tenham existido dificuldades, de todo. Eu e o Maze fomos sempre conversando via internet, manifestando a vontade de envolvência no espetáculo um do outro. No dia, durante o teste de som, conversamos, expusemos as ideias em concreto e encontramos os melhores momentos para que cada um aliasse a sua arte na performance um do outro. Tudo muito natural e descomplicado.

Que opinião tens sobre o Maze? O que mais aprecias no processo que ele produz sobre o seu reportório artístico?
O Maze é um dos meus professores da adolescência. Ter o privilégio de contar com ele numa faixa foi belíssimo. Ter tido o gosto de jantar com ele e conversar durante um dia na minha cidade natal não tem sequer descrição. É alguém que estimo muito. Se já lhe creditava um valor altíssimo, depois destas ocorrências, naturalmente que olho para ele cada vez mais com respeito e como uma das figuras incontornáveis do percurso. Ainda busco muito no Hip-Hop a parte de educação e ele transporta sempre isso consigo em cada tema. Considero-o alguém com um olhar atento, os pés na terra e o coração no sítio certo.

O que nos podes dizer sobre o teu trabalho? Que vertente musical e artística tentas explorar e dar a conhecer ao público?
O meu trabalho continua a ser uma descoberta pessoal e um caminho para chegar mais perto do que quero realmente dizer. Ainda não faço propriamente a música ou o tipo de arte que sinto querer, realmente, fazer. Contudo, o mesmo prende-se com a constatação da jornada no plano existencial. O meu trabalho é a minha busca por ser alguém melhor neste grande palco da vida. A nível de direção o meu “criar” irá sempre desaguar na importância da palavra. Na construção de coisas visualmente bonitas, através de textos. A vontade que existe em alimentar o âmago com palavras, sejam elas escritas ou ditas.

Existe algum projeto que esteja a ser preparado para ser anunciado em breve?
Para breve, não, mas existe um projeto que corre o belo e enormíssimo risco de ser o meu trabalho de assinatura em relação ao que quero realmente fazer. Deixemos o tempo revelar. Já não funciono muito com o largar ao vento possibilidades, passei simplesmente a dar primazia ao trabalho e no devido tempo as coisas manifestam-se. É mais bonito assim. Há uns tempos vi algo que senti bastante: “Deixa que só o teu trabalho faça barulho”.

Por fim, na tua opinião, do quê que carece o Hip Hop nacional atualmente?
Tudo o que existe, está a existir na exata medida que o mundo precisa. Não estou só a falar de Hip-Hop aqui. Portanto, não sou ninguém para dizer do que carece. Simplesmente sou uma pessoa que pelo caminho até faz umas coisas. O resto é gosto pessoal de cada um. É belíssimo ver a entrega de variadíssimas pessoas ao fazerem surgir novas festas, estilos, músicas e projetos. Isso é de louvar. O público e o tempo depois fazem o trabalho de aceitação e proliferação – ou não. Somente.

Crédito da fotografia ©Pedro Silva

Maze, no passado dia 30 de Outubro, marcaste presença no Cineteatro António Lamoso, em Santa Maria da Feira, na primeira iniciativa levada a cabo das Hip-Hop Sessions. Pergunto, primeiramente, como conheceste o Diogo Divagações?
Maze: Já conheço o Diogo há alguns anos. Inicialmente, conheci o trabalho dele pelas redes sociais, na minha vertente de divulgador na Oblá Fm e depois no Ginga Beat sempre me obrigou a estar atento ao que está a ser feito no Norte do país. Percebi logo que se tratava de alguém com identidade, com um estilo genuíno, com talento e com um carinho muito especial pela palavra. Anos mais tarde conhecemo-nos pessoalmente em Lisboa e desde então para além de colaborarmos profissionalmente, mantemos uma relação de amizade.

Relativamente ao evento, qual é a tua opinião sobre a realização de uma sessão focada no género musical de Hip-Hop em Santa Maria da Feira? A afluência do público foi de encontro às tuas expetativas?
Acho essencial acontecerem sessões de Hip-Hop em Santa Maria da Feira ou em qualquer outro lado, estamos numa época em que o Rap ultrapassou o Rock como estilo musical ouvido, então o que não faz sentido é não existirem estas sessões. É fundamental que não aconteçam apenas nos grande centros urbanos, pois existe público atento em todas as áreas periféricas. A sala estava composta, fiquei feliz por existir um público interessado e com vontade de sair de casa numa quarta-feira chuvosa para assistir a um concerto underground.

Como descreverias o desenrolar desta criação conjunta em palco com um artista “da casa”, sem esquecer o facto de que já colaboraram numa faixa, a “Para Voltar”?
Foi bastante espontânea a colaboração, decidimos no dia que era importante intervirmos no concerto um do outro. E, ainda bem que assim foi, pois foram momentos realmente especiais. Ainda vamos tocar a “Para Voltar” muitas vezes em concertos futuros.

Relativamente à vossa relação artística, sentes-te sintonizado com o Diogo em palco ou existe, por outro lado, algo a melhorar nesta “nova” criação artística?
A dinâmica é excelente, falamos a mesma linguagem, então tudo se torna mais fácil. Obviamente que a margem de progressão e aperfeiçoamento é infinita, individualmente e neste tipo de sinergias.

Qual a opinião que tens sobre o reportório musical do Diogo?
Como já referi numa resposta anterior, admiro bastante o trabalho do Diogo, não só o repertório musical dele, mas também a obra escrita. É, sem dúvida, um nome incontornável da nova geração a trabalhar a palavra.

Na tua considereção, que importância tem esta dinamização de eventos para o movimento do Hip-Hop?
É fundamental. O Hip-Hop na sua génese é partilha, então quando as pessoas se encontram para partilhar as artes desta cultura estamos a disseminar os valores de paz, amor, união e divertimento que são pilares sólidos da mesma.

Que novos projetos estão a ser preparados pelo Maze a nível individual e coletivo? E para quando serão anunciados?
Eu neste momento estou a terminar um álbum em parceria com o produtor Spock que será editado no próximo ano. Em simultâneo estou também a gravar alguns EP’s em parceria com alguns produtores com estilos bastante diversos que espero concluir ao longo de 2020. Estou a trabalhar num livro de poesia para ser editado em breve e que terá uma extensão dedicada à palavra dita numa vertente ao vivo. Em relação a Dealema, estamos a trabalhar no próximo álbum, para já sem previsões de data de edição.

“Estão reunidas as condições para as pessoas se profissionalizarem nas diversas vertentes do movimento [Hip Hop] e haver uma especialização de tudo o que gravita, alimenta ou se alimenta da cultura. É importante que este crescimento seja feito de forma saudável, com valores éticos e sem nunca desvirtuar a essência.” – Maze

Maze, membro dos Dealema, faz a retrospetiva da pontencialidade do movimento Hip Hop no cenário atual ©Deck97

Por fim, na tua opinião, do quê que carece o Hip-Hop nacional atualmente?
O Hip-Hop nacional está numa fase de crescimento incrível, então começa a ter uma indústria com a capacidade de se desenvolver substancialmente em todos os aspectos. Está a acontecer cá o que já aconteceu em muitos países europeus há 10 ou, em alguns casos, há 20 anos em relação ao Hip-Hop. Agora estão reunidas as condições para as pessoas se profissionalizarem nas diversas vertentes do movimento e haver uma especialização de tudo o que gravita, alimenta ou se alimenta da cultura. É importante que este crescimento seja feito de forma saudável, com valores éticos e sem nunca desvirtuar a essência.

Artigo de Rafael Oliveira

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