Ser jovem e não ter religião

por José Malta,    25 Janeiro, 2019
Ser jovem e não ter religião
“A Grande Onda de Kanagawa” (1830 – 1833), de Kanagawa oki nami ura
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Por vezes em conversas com amigos, e com outras pessoas que me são próximas com quem tenho o prazer de conversar, surge de uma maneira espontânea e quase aleatória o tema da religião e da nossa crença em Deus ou noutras divindades.

Quando me abordam sobre o tema, se sou crente ou não, se sou religioso ou ateu, procuro dar uma resposta que consiga numa só palavra passar a minha posição, e até hoje, a melhor resposta que consigo dar a esta questão é esta: sou agnóstico. Maior parte das pessoas sabe, de uma maneira corrente, a posição que o agnosticismo defende, outras nem tanto pois de facto o agnosticismo consegue ter, embora de uma maneira mais ou menos precisa, uma definição algo vaga que muitas vezes é confundida com a definição de ateu. A palavra agnóstico provém do grego a-gnostos que em termos práticos significa o não conhecimento de algo, ou seja, uma espécie de ignorância quanto à existência de uma entidade divina neste caso. Este conceito fora introduzido pelo biólogo evolucionista Thomas Henry Huxley (avô do célebre escritor Aldous Huxley e também de Andrew Huxley, Prémio Nobel da Medicina de 1963) quando procurava explicar a sua posição religiosa, numa altura em que algumas das teorias propostas por evolucionistas como Charles Darwin ganhavam força e começavam a criar alguma mossa na sociedade, sobretudo na igreja que defendia o criacionismo com unhas e dentes.

Para Huxley a razão humana era incapaz de provar, ter evidências suficientes ou obter provas inequívocas para justificar a existência ou a não existência de quaisquer divindades e com isto, assumiria uma posição que não seria nem de crente nem de ateu. Ao contrário dos crentes que possuem uma crença precisa quanto à existência de uma ou mais divindades, ou dos ateus que possuem uma crença na não existência de divindades (o que no fundo também os torna crentes, pois acreditam que Deus não existe), os agnósticos submetem-se à dúvida e à incerteza quanto a esta questão. Ao longo dos anos que tenho vivido tenho conhecido muitas pessoas que se consideram agnósticas, todas elas com pontos de vista diferentes e também com histórias diferentes quanto ao momento em que se remeteram para esta posição quanto à sua crença religiosa.

Não me lembro concretamente do momento em que me tornei agnóstico, talvez tenha sido um processo gradual até porque tive uma educação tradicionalmente católica: sou baptizado, frequentei a catequese, cheguei várias vezes a ir ler à missa, e ainda hoje sei quase todas as orações de cor de tantas vezes que as proclamei em miúdo. Tirando algumas passagens do Antigo Testamento repletas de violência, de homicídios e de pragas de gafanhotos que me faziam ter pesadelos durante a noite, considero hoje, já a meio caminho dos trinta, que ter tido uma educação católica só me fez foi bem. Com o crescimento observei coisas ao meu redor que me foram retirando a fé e comecei-me a afastar dos rituais e dos costumes a que me habituara, provavelmente ao observar as atitudes hipócritas de certas pessoas que se assumiam como devotas. Poderia ter sido uma mera crise da adolescência na altura, mas hoje penso que tenha sido um processo que fez parte do meu crescimento. Não foi de um momento para o outro que tive um momento de revolta e disse para comigo “Agora não vou ser crente só porque quero ser diferente”. Foi algo que se foi expandido e que só momentos mais tarde, quando dei conta, procurei uma palavra que me pudesse definir religiosamente.

Conheço pessoas que passaram pelo mesmo e cuja revolta foi de tal maneira que hoje se consideram convictamente ateias. Passei também por um período de revolta mas não tão revoltante quanto isso, passe o pleonasmo, e hoje considero-me agnóstico, algo que não me orgulho nada. Preferia ter fé ou pelo menos ter a fé que em tempos cheguei a ter até porque invejo e respeito muito as pessoas que têm a sua fé, seja ela qual for. Talvez o respeito pelas diferenças dos outros foi uma coisa que tenha aprendido com os princípios do cristianismo que me foram incutidos e que ainda hoje, de um modo inconsciente, os continue a tentar pôr em prática. Quando estou a ter um dia chato solto um “valha-me Deus!” (não tenho problemas em escrever Deus com D maiúsculo, já agora, pois darei sempre o benefício da dúvida) para evitar o uso de palavras mais obscenas em frente a toda a gente, sendo esta uma expressão que me habituara a ouvir desde muito cedo. Gosto de desejar um bom Natal às pessoas que me são mais próximas porque vejo no Natal, mais do que uma celebração religiosa, uma tentativa de uma celebração humana que deveria perdurar durante o ano inteiro e que é abafada por inúmeros factores obscenos de uma sociedade cada vez mais putrefacta.

O facto de ser uma pessoa que convive e trabalha todos os dias com ciência, e que deste muito cedo me deixei fascinar pelo modo como conseguíamos explicar certos fenómenos na natureza através do nosso raciocínio lógico, pode ter tido alguma influência embora não tenha sido de determinante. Em miúdo, com nove ou dez anos, disse em frente a um padre que “quando fosse grande” queria ser cientista e o próprio achou piada, nunca me senti posto de parte nesse aspecto. Albert Einstein chegou mesmo a proferir, sobre este assunto, a seguinte expressão, “A ciência sem religião é coxa e a religião sem ciência é cega”, dando a ideia de que é impossível estas duas vertentes sobreviverem e progredirem uma sem a outra. Tanto a religião como a ciência cometeram graves erros no passado e penso que ambas as vertentes reconhecem tais erros. Há inúmeros cientistas crentes, alguns deles brilhantes, e há quem faça parecer maior a incompatibilidade entre ciência e religião do que aquela que realmente existe, apesar de haver divergências evidentes.

O mais interessante de tudo é que das pessoas que conheço que se assumem religiosamente agnósticas todas elas têm uma história diferente, algumas semelhantes à minha, outras que diferem um pouco porque nunca lhes foi introduzida nenhuma entidade religiosa aquando a sua educação. Há agnósticos que consideram a hipótese da existência de um Deus, uns mais do que os outros, cada um com uma maneira de analisar os factos bastante distinta. No fundo o agnosticismo varia de agnóstico para agnóstico. O meu agnosticismo é diferente do agnosticismo do agnóstico A assim como o agnosticismo do agnóstico A é diferente do agnosticismo do agnóstico B, e por aí em diante. Porém, o facto de não conseguirmos ou não estarmos aptos para conceber uma figura tão grandiosa como Deus não impede que nos interessemos pelas vertentes de outras religiões (tal como alguns ateus, inclusive), por mera curiosidade ou porque também gostamos de ter uma visão ampla das diferentes religiões que estão inevitavelmente ligadas a outros tipos de culturas.

Como pessoa que trabalha diariamente com a ciência vejo as coisas desse mesmo modo, gosto de ter também uma visão ampla do mundo que me rodeia para além das quatro paredes do meu laboratório, e a crença e os costumes religiosos das outras pessoas estão incluídos também nessa visão. Existem inúmeras perguntas cujas respostas a ciência até hoje não conseguiu encontrar que me levam a considerar a existência de uma entidade divina enquanto as houver. Em todo o caso, considero que essa mesma entidade, caso exista, pode ser encontrada em coisas mais simples e ao mesmo tempo mais óbvias do que em qualquer evento religioso, liturgia ou evangelho como por exemplo numa equação matemática que consiga definir de um modo simples e ao mesmo tempo esbelto um fenómeno complexo na natureza, ou numa chávena de café ou num copo de cerveja que me faz ter uma conversa de três horas com alguém de quem goste, ou naqueles precisos dez minutos em que, após chegar casa vindo de um dia chato, recosto-me no sofá a ouvir um pouco de música jazz, acabando por me esquecer de certas coisas menos boas. Não posso dizer que sinta ou que associe a presença de um Deus, talvez algo de espiritual que talvez acabe por confundir com um simples conforto e que ainda assim me impede de fazer um juízo sobre esta questão. Apenas considero que uma entidade divina pode-se manifestar mais nestas coisas do meu dia-a-dia do que noutras onde supostamente se deveria manifestar de modo intenso e inequívoco.

O meu agnosticismo é diferente de qualquer um, assim como qualquer um é diferente do meu. Baseia-se na dúvida como qualquer outro, tem interpretações diferentes como outro nenhum. Talvez a concepção de uma entidade divina tenha feito parte da nossa evolução enquanto espécie e o facto de alguém perder essa fé possa ser encarado como um processo de regressão, embora a dúvida e a incerteza sejam também das condições mais belas que há no ser humano e que fazem parte também elas da nossa evolução. Há coisas que continuaremos a ter dificuldade em analisar, e que nos condenam a abandonar este mundo repleto de enigmas sem as suas respostas. E a resposta quanto à existência de Deus é provavelmente a que me dá mais pena, por mais anos que viva, de nunca a conseguir obter.

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