Sequin: “É quase um renascer, um novo começo deste projeto”

por João Jacinto,    8 Abril, 2018
Sequin: “É quase um renascer, um novo começo deste projeto”
Fotografia de Matilde Viegas
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Quatro anos depois do álbum que nos deu a conhecer Sequin, teremos agora Born Backwards. Ana Miró sentou-se com a Comunidade Cultura e Arte para uma conversa sobre o seu projeto e o que as 11 músicas de Born Backwards nos irão oferecer. Sabemos agora que, apesar de não esquecer o passado, Sequin oferece-nos o futuro da sua música.

Disseste já há algum tempo, em 2014, que o teu projeto Sequin “sou eu, aquilo que me é mais natural, a minha essência”. Continua verdade ou 4 anos depois algo mudou?

Continua verdade. É o projeto onde eu tento fazer o que me sai naturalmente. Tento puxar por esse lado.

Falando em projetos, não te parecem faltar projetos, desde Jibóia, Heat – e temos também Sequin – e ao que parece tens um blogue Conception Rouge. Muita coisa aconteceu na tua vida ligada às artes. Por que não só Sequin, o que te falta?

O blogue já não escrevo há imenso tempo… Não sei, penso que não me falta nada, tento puxar por mim própria. Ter outros projetos para não estar sempre a fazer a mesma coisa. Sair fora da minha zona de conforto, porque Sequin é a minha zona de conforto… Quer dizer, tornou-se porque inicialmente eu não sabia o que era fazer música eletrónica, só que decidi experimentar porque era um género de música que eu gostava muito de ouvir e nunca tinha tentado fazer. Os outros projetos são diferentes, acabo sempre por tentar trabalhar com outras pessoas, porque Sequin é um projeto a solo, torna-se um bocado solitário e às tantas um bocado redutor sem inputs de fora. E tenho um bocado de medo de ficar esgotada criativamente e então tento sempre beber de outras fontes.

Então estes projetos que não a Sequin também servem para fomentar a criatividade?

Exatamente, servem para eu poder testar-me e também evoluir noutros sentidos.

Em que sentido?

Depende… A nível criativo, dentro da música, é uma questão às vezes de composição. É diferente para mim compor em Sequin, que sou só eu que decido tudo o que vou fazer, melodicamente falando. Nos outros projetos eu, normalmente, como trabalho com outras pessoas, estou fora do meu conforto, tenho que gerir outros gostos, não é? Tocando em banda há várias pessoas, há vários tipos de gosto musical, apesar de as pessoas terem qualquer coisa em comum – daí fazerem uma banda. É este tipo de teste – será que consigo fazer isto? Será que consigo tocar uma música sem letra? – como foi com os Jibóia, que inventaram uma língua do zero. Será que consigo cantar rock? Um registo completamente diferente de Sequin, Sequin é muito suave. No rock é preciso gritar; é preciso ter pujança.

Fotografia de Matilde Viegas

Sequin é bastante solitário. Contudo, o teu novo álbum teve a participação e auxílio do Bruno Cardoso (Xinobi). Como é que isto aconteceu?

Foi muito natural porque o Bruno convidou-me para tocar em Xinobi Live e eu já tinha tocado com ele no EP de Jibóia também, e demo-nos muito bem. Temos muitos gostos em comum, também, e quando eu pensei “vou levar estas músicas para estúdio, a quem é que eu vou dar este trabalho?” Porque eu gostava muito de produzir as minhas coisas, mas ainda não tenho essa capacidade a 100% – ou pelo menos como eu gostaria – então foi super natural falar com o Bruno. Ele aceitou e pronto. Eu gosto muito da música dele e há muitas coisas que eu queria desse universo dele a completar o meu. A ambiência que ele confere às músicas, vai buscar sons, é um produtor de mil e uma camadas. Uma música tem imensas camadas que tu nunca percebes, só que aquilo faz imenso sentido e eu gosto muito disso, e queria muito isso.  No meu primeiro álbum – e mesmo no EP – nunca tinha pensado nessa questão da ambiência que está por detrás da música. Se calhar até existe, mas foi por sorte [risos], não foi algo inicialmente pensado. E cá está ele a dar às músicas aquilo que eu queria.

Como decorre o processo de criação destas novas músicas, começas contigo e só depois é que o Bruno entra?

Sim! A pré-produção é sozinha, compus tudo e quando já tinha um bolo… Tinha mais canções que não chegaram ao álbum. Mas eu acho que é sempre bom teres a mais do que teres pouco material. Depois quando eu já tinha a pré-produção toda feita, ouvi com o Bruno e aí começámos a decidir o que é que fazia sentido. Eu quis que ele fizesse coisas que ele gostasse. Claro que depois há sempre um meio-termo, há uma música de que gosto muito e não quero abdicar e há outra de que ele não quer abdicar, e então temos que chegar a um acordo. Não queria que fosse só uma coisa de produtor e de artista compositor, eu queria que fosse um trabalho em conjunto em termos de produção. Se quero dar ambiência e profundidade ao background da música, o produtor tem que estar envolvido criativamente, mesmo na estruturação da música.

Porquê o título Born Backwards?

Born Backwards porque literalmente eu nasci ao contrário [risos], nunca dei a volta na barriga da minha mãe. Isso foi sempre algo que a minha mãe usou, dizia-me “nasceste ao contrário!”, quando eu fazia uma asneira. Achei que passei por um processo criativo com Sequin em que eu senti que finalmente fiz as músicas que queria fazer. Ou seja, é quase um renascer, um novo começo deste projeto. Óbvio que o que está para trás não está esquecido, é um processo de crescimento e agora sim tenho a base. Daí o renascer ao contrário, eu já fiz coisas e agora vou renascer em termos estéticos. Este álbum é mais a minha ideia inicial.

Já sabemos que são onze músicas. O que podes destacar comparativamente ao teu trabalho anterior?

Eu acho que tem tanto um pouco de Penelope como um pouco de Eden, bem como coisas novas. Penso que é um disco mais clubbing, mais maduro mesmo em termos de som. É um disco mais pensado em termos temáticos. Não deixa de ser aquela dicotomia, aquilo que eu pensei fazer, músicas dançáveis mas tristes, introspectivas, isso continua lá. Em termos vocais, também foi um trabalho muito interessante para mim. Ponderei muito o uso da voz, fiz um controlo maior da voz, por isso é um disco mais meloso, a voz está mais límpida. Lá está, isto também tem a ver com o que eu experimentei fora de Sequin e ao cantar com o Bruno. Também o teres poder na voz e chegares a um momento super frágil, e eu quis usar esse momento mais frágil, que oferece um ar mais puro. Eu não sei, eu também acho que a minha voz está mais velha. Começa a ficar diferente, procurei esse uso da voz mais suave. No Penelope tinha muito disso, gritar, dizer que esta é a minha música. Aqui não.

Fotografia de Matilde Viegas

Tu já vieste para Lisboa há algum tempo. A cidade mudou, e muito se tem feito no panorama musical e artístico. De alguma forma isso influenciou este novo álbum?

Há imensa gente em Lisboa e em Portugal a fazer boa música, hoje em dia há muita coisa. Para o ano vai fazer 10 anos que cá estou e mesmo o ritmo da cidade mudou. O que penso que acabou por acontecer foi que começaste a ter mais concertos ao vivo, mas também começaste a ter mais nichos. Tens sítios para uma coisa, tens sítios para outra. As pessoas acabam por tentar encontrar o seu lugar. É engraçado quando vim para cá e comecei a tocar com os Jibóia – e depois com Sequin – eu queria estar muito envolvida na cena musical porque não conhecia ninguém. Vir ali da província e chegar a Lisboa é um bocado difícil. Então estava com essa vontade de conhecer pessoas e fazer coisas. Entretanto, este ritmo todo que a cidade tem, esta afluência de gente, tornou a cidade um pouco claustrofóbica para mim. Então acabei por se calhar me dedicar sempre aos mesmos sítios e ao mesmo círculo de pessoas, mas cá está, nem com essas pessoas consegui trabalhar. Estou a pensar nisso, estou a fazer coisas novas.

Por exemplo, já tinha trabalhado com o Shela, dos Paus, e ele entretanto começou a tocar num projeto a solo dele e eu gostei muito de ouvir, então já começamos a tentar trabalhar um com o outro. É muito engraçado porque ele é muito como eu, as coisas saem-lhe e depois às vezes é difícil saber gerir isso, quando depois tens alguém que vai pôr a parte deles no que fizeste. É engraçado trabalhar com uma pessoa que é tão igual a mim. Tenho também muitas saudades de trabalhar com o Miguel Abelaira dos Quelle Dead Gazzelle, ele toca muito bem bateria e é uma coisa que eu gostava de experimentar, ter um baterista. Ou com ele ou com o Diogo Sousa dos Moullinex, é outro tipo de baterista. Mas gostava muito. O ritmo é uma coisa que é muito fechada nos meus concertos; eu não tenho baterista, tenho um sampler. É a vontade que tenho de trabalhar um ritmo mais livre, e até hoje ainda não tive oportunidade. Estive sempre envolvida em projetos onde a parte rítmica ou não era a mais importante ou era fechada – como em Jibóia. É difícil e tens bons bateristas, como os dois que referi, e eu gostava de fazer uma música com eles, era fixe. Gosto muito do que eles fazem e cá está, acho que era um desafio para mim tentar meter voz naquilo.

Para finalizar: com a experiência que acumulaste até hoje, se pudesses falar com a Ana de 2014, antes de Penelope, que é que lhe dirias?

[pausa longa] Isso é muito difícil… O que é que eu lhe diria? Para ter calma, fazer as coisas com calma, isso é muito importante. Gerir expectativas também, mas ao contrário. Porque o que me aconteceu foi: eu fiz umas músicas e de repente estava a gravar um álbum. De repente estava a tocar imenso e isso fez-me perder um pouco o foco em termos daquilo que é o trabalho criativo e musical, que é o mais importante. Por isso calma, gerir expectativas e trabalhar, tem que se trabalhar muito. Porque às vezes nós começamos e é “bora lá fazer e acontecer”, tudo se precipita e às vezes nem sequer chegaste a um amadurecimento, a um progresso; é a parte da tua evolução enquanto música em que ainda não chegaste a esse ponto em que consegues digerir tudo o resto. Tocar ao vivo, outras pessoas a tomarem conta das tuas músicas. Porque a partir do momento em que as lanças, já não são só tuas, fazem parte da vida dos outros; isso é bom. No meu pensamento, foi algo complicado porque tens a outra parte, é muito fácil deixares-te levar por fazer o que as pessoas gostam e não aquilo que tens que fazer. Essa gestão, em que eu agora, se pudesse falar com a Ana do passado diria: tem calma, faz as coisas com cabeça; é isso.

Born Backwards será lançado no mês de Maio.

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