SATURATION III: a apoteose de uma boy band única

por Miguel de Almeida Santos,    2 Janeiro, 2018
SATURATION III: a apoteose de uma boy band única
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Os Brockhampton tiveram um ano fantástico ao assumirem-se de forma inconvencional como uma força no hip hop moderno, auxiliados por um conjunto de álbuns de grande qualidade. SATURATION e SATURATION II brilham através das letras sinceras e emocionais do grupo de rappers, e através dos hooks metodicamente construídos por Kevin Abstract, o frontman da banda. Dele já se falou muito, e também dos companheiros com que divide barras: Ameer Vann e as suas variadas referências ao belo do berlaite, Merlyn Wood e a sua intensidade gritada, a recatada entrega de Dom McLennon e o timbre “desinteressado” de Matt Champion. Mas ao longo desta trilogia foram pouco referidos três dos membros da boy band: Romil Hemnani e o duo Q3, constituído por Jabari Manwa e Kiko Merley.

É importante referi-los porque são eles os principais responsáveis pela excelente produção que Brockhampton demonstrou neste conjunto de álbuns (JOBA e bearface também produzem alguns temas), e que atinge o seu auge no capítulo final da trilogia. Os instrumentais mostram ainda mais o culminar de uma viagem musical rica, e demonstram fielmente a versatilidade da produção de Brockhampton. O mais surpreendente não é o facto de serem bons instrumentais – os seus dois projectos anteriores estão repletos de exemplos dessa qualidade agora já expectável, em que uma boa batida e um hook infeccioso é já metade da vitória e os jovens sabem disso – mas o tom caleidoscópico dos seus bangers mostra que essa fórmula pode ter resultados finais distintos, auxiliada por uma multitude de influências, desde a música electrónica ao rock.

BOOGIE” abre o álbum com incrível pujança e energia, atira-nos para o meio da acção com um ritmo ameaçador e dançável; e as vozes dos vários membros erguem-se por cima de tudo o que os prende e impede de serem livres. “BLEACH” age como o ambiente perfeito para os versos confessionais (e refrão viciante!) que se ouvem, acompanhados por uma guitarra bamboleante que trilha o caminho até ao final florescente. Naturalmente, a produção bebe da história do hip hop – “STUPID” ecoa com outros temas da trilogia que emulam o intemporal G-funk auxiliada por (mais) um hook intoxicante de Kevin Abstract – mas também se inspira em tonalidades mais distantes deste género musical, nunca longe do alcance de Brockhampton (em “STAINS” há qualquer coisa de footwork, a música serve-se de loops frescos e digitais que deslizam por um bonito hook de JOBA).

Mas a palavra-chave aqui é maturidade, um crescimento geral. Este é sem dúvida o álbum mais coeso do grupo, fluindo sem grande tempo a perder entre os vários momentos que o compõe, intervalados pelos interlúdios de Roberto, o personagem também presente nos outros capítulos da trilogia. E pela primeira vez o grupo aposta numa música mais complexa, “SISTER/NATION”, com duas partes diferenciadas que revelam que o grupo não se contenta com os triunfos do costume, reflectindo sobre o passado para um futuro ainda mais brilhante. Esse passado é especialmente abordado neste último álbum da trilogia, em músicas como “STAINS”, “HOTTIE” ou “ALASKA”, uma faixa de instrumental sério e tenso que acaba de maneira introspectiva, por meio de um emaranhado de sons. Os versos que se ouvem ao longo do álbum são curtos, bem divididos pelos vários membros e organizados com precisão. Há espaço para cada uma das vozes e para a união de pensamentos “espremidos” e reduzidos às palavras indispensáveis. As rimas e letras continuam a contar a verdade pela lente subjectiva dos vários intérpretes, e assistimos a uma maior participação de JOBA, que contribui com muita atitude, especialmente em “JOHNNY”, terminando a música com sinceridade e alguma tristeza, (“Anxious, impatient and always wanting something different/ I hate the way I’m feeling, I’m sick of chasing feelings”), complementado a batida agridoce.

No primeiro dos interlúdios do álbum, Roberto reflecte sobre o caminho percorrido com os seus companheiros, espelhando o fim de uma jornada em que se nota de facto que Brockhampton progrediram e são hoje mais sábios e a sua música mais complexa. Ao longo de SATURATION III somos confrontados com um ciclo que está a chegar ao fim e que retoma ao começo. Há simbolismos mais aparentes – como o rebobinar que se ouve em alguns dos temas ou o regresso do som que dá início ao primeiro álbum da trilogia, que soa ao acabar o capítulo final. E há outros mais disfarçados, como a tradição de a última música do projecto ser produzida e interpretada por bearface. Mas “TEAM” muda as “regras do jogo”: depois de se ouvir cantar o produtor, ouvem-se versos de vários membros da boy band, quebrando com o que veio anteriormente e mostrando que este projecto é especial, é mais do que os anteriores, uma conclusão digna e tecnicamente superior ao que a antecedeu; ainda assim, parte do mesmo universo.  Sejam produtores, intérpretes ou outro qualquer membro deste grupo, em SATURATION III todos se despedem com estrondo, e a consagração de Brockhampton surge no final desta prazerosa caminhada auditiva. Numa altura em que o hip hop atinge novos e grandiosos lugares na cultura popular, esta boy band almeja muito mais.

Músicas preferidas: “BOOGIE”; “ZIPPER”; “STUPID”; “BLEACH”; “ALASKA” e “STAINS”

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