Salvador Martinha: “O nosso papel tem de ser sujo, senão seríamos políticos”

por Comunidade Cultura e Arte,    4 Dezembro, 2018
Salvador Martinha: “O nosso papel tem de ser sujo, senão seríamos políticos”
Salvador Martinha – Fotografia de Zé Diogo Lucena/WSA
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Salvador Martinha é um dos humoristas portugueses mais prolíficos e reconhecidos. Com uma estreia algo desastrada no programa “Levanta-te e Ri” no princípio do milénio, Salvador Martinha passou pelo Canal Q, pela SIC Radical e pelos palcos nacionais com os espectáculos “Salvador está numa relação a solo”, “Salvador ao vivo” ou “Centro de Atenções”. Pelo meio foi até ao Brasil, tem um especial no palco mundial que é o Netflix e tem agora o espectáculo “Cabeça ausente”, com cerca de 40 datas, muitas delas esgotadas.

Estivemos à conversa com Salvador Martinha, numa entrevista que, como seria de esperar, nunca seguiu um guião, que se prolongou impremeditadamente em off, para depois continuarmos a captar as mil e uma coisas que Salvador Martinha tem na cabeça. Falámos de projectos e do sonho de passar por todos os bares de stand-up de Nova Iorque. De limites e da ausência deles. Da liberdade que é não ter filtro, nem público, no podcast “Ar Livre“, que vai para o ar todas as semanas. Falámos da importância e da excelência de muitos teatros e anfiteatros nacionais, no interior e no litoral, e da forma como nós, portugueses, muitas vezes desprezamos o que é nosso. Falámos da evolução natural da carreira de Salvador Martinha, com espectáculos e espaços cada vez maiores, mas também relembrámos a importância de se voltar às origens, aos espaços mais pequenos e ao contacto com o público. Salvador Martinha andará por aí com a sua “Cabeça ausente” até princípios de Março.

Começaste há quase duas décadas no humor. Uma das tuas primeiras performances foi no “Levanta-te e Ri”, em que tu próprio consideraste que correu mal. Neste momento, contas com uma tour com diversas salas espalhadas pelo país. O que evoluiu até agora?
O que mudou desde esse arranque verdinho? Acho que é sem dúvida a técnica. Quando faço esse arranque não dominava a técnica. Era um oleiro que não sabia o que estava a fazer. Fazia daqueles jarros em triângulo. Agora já sei utilizar o pedal, as mãos.

E foste levado pela onda do “Levanta-te e Ri”?
Eu não fui levado. A questão não foi essa. Até podia ter sido levado, no sentido em que alguns dos participantes que estavam lá eram mais experientes do que eu. Só que eu não tinha amigos no Levanta-te e RI. Ou seja, eu era muito tímido. Tinha 20 anos, por isso era o elemento mais novo do Levanta-te e Ri. Depois era o Bruno Nogueira com 21 anos. Eu era super verdinho, tinha vindo quase do liceu e nem sabia bem o que estava a fazer, não tinha técnica, nunca tinha feito um curso de teatro. Só que fiz um pequeno workshop e fui lá parar. Até me fazia bem se fosse amigo dos outros comediantes. Assim, eles diziam-me “não faças isto, não faças aquilo”.

Então arriscaste demasiado?
Quer dizer, eu não sabia o que estava a fazer, percebes?

Depois quiseste aprofundar bases de performer?
Posteriormente fiz algumas coisas. Dos 20 aos 25 formei-me em vários aspectos. Fiz um curso de formação de actor, fiz workshops de escrita para televisão, para stand-up. Tudo posterior ao Levanta-te e Ri. Isso é que é ridículo.

E consideras que o próprio público mudou até agora? Até a forma como se consome humor?
Claro que mudou. O público está muito mais sofisticado. Tem muito mais referências. Em primeiro lugar, passaram 15 anos. Quais eram as referências na altura? “Seinfeld”, “Friends”. Agora quais são as referências das pessoas? As pessoas que vão a um espectáculo meu já viram Bo Burnham, Louis CK, já viram o último especial do Adam Sandler. É um público muito mais exigente. Antigamente as pessoas iam a um restaurante bom que tinha aberto sem nunca antes ter ido a um restaurante bom. Agora quando as pessoas vão a novos restaurantes já foram a 16 bons.

Foste o primeiro e único humorista que conseguiu um special de stand-up na Netlix. Como é que surgiu essa proposta?
Eu estava a fazer uma temporada no Teatro da Trindade, aconteceu tudo muito rápido. Em Dezembro estava em casa e telefonaram-me: “Queres fazer uma temporada de 6 datas no Trindade?”. É um teatro do Estado, por isso não é fácil conseguir isto. E surgiu esta oportunidade em datas que ninguém queria, em Janeiro, início do ano. Ninguém quer estar a fazer uma temporada com menos de um mês para te preparares. Eu disse “Tudo bem, vamos embora”. Às vezes quando uma pessoa arrisca acontecem coisas boas. Na segunda semana, lembro-me de me dizerem que gostavam de filmar o espectáculo e eu disse “ok, vamos filmar”. “Qual é a ideia?”, “É para a Netflix”. Gravámos, foi para a Netflix e eles disseram que sim, foi só isto.

Mas não era certo que iria passar?
Não, não. Se reparares nos especiais da Netflix, quando os comediantes entram, eles referem que estão a gravar. Acho que na altura era uma Netflix europeia e eles gostaram. Por isso eu não acho que tenha sido estranho, foi (sim) o primeiro. És o primeiro e tens essa sorte.

E consideras que é diferente quando o humorista já sabe que o seu espectáculo vai ser lançado?
Talvez investisse mais do meu bolso no valor de produção do especial.

O que queres dizer com “valor de produção”?
Valor de produção é como num filme em que começa logo com uma perseguição de carros. Tem um valor de produção. Ou arrancas com um carro e está a chover

Ou seja, irias investir na imagem?
Poderia investir num cenário, podia ter fogo, percebes? Mudaria isso. Tu investes no teu espectáculo baseando-te no canal final. Se eu fizer um espectáculo no Teatro do Bairro vou ter um investimento, se o meu espectáculo for para o Coliseu vai ser outro.

E não achas que o público que estivesse a ver ao vivo ficaria a perder caso esse espectáculo fosse também direcionado para a televisão?
Há maneiras de fazer. Normalmente o problema de quando estás a gravar ao vivo é que tens de aumentar um bocado a luz na plateia e, na minha opinião, deve ser sempre mais sombrio. Por exemplo, nós aqui estamos com uma luz muito aberta. Normalmente quando vais a um restaurante mais intimista, para tu pagares mais, o que é que os restaurantes fazem? Escuridão. Na escuridão estás mais à vontade. Na plateia também é assim. Quando gravas para televisão às vezes comprometes isso, mas há formas de contornar.

E tu próprio, como performer, nessas situações, mudas a forma de apresentares o material?
Sim, podes acusar a pressão. Podes sentir isso por estares a ser filmado.

Na altura, e talvez ainda agora, não pensaste se faria sentido ter feito o especial em inglês, de forma a chegar a mais pessoas, tendo em conta a plataforma digital em causa?
É engraçado. Eu percebo a vossa pergunta. De certa forma, vocês resumem as perguntas que as pessoas fazem. O português tende a desprestigiar-se muito. Tendo a considerar que essa pergunta me desprestigia. “Ah, não foi a sério”- Eu gosto mais de fazer a minha própria língua, por ser rica.

E é mais fácil ser em português.
É muito mais rico ser em português, eu tenho mais vocabulário. Eu faria sempre em português. Na altura, ter feito em inglês seria altamente fake da minha parte. Eu só faria nessa língua se estivesse a morar em Londres. Ora, o Salvador está há 5 anos a morar em Londres…faço. Não vou estar a fazer um espectáculo durante dois anos em Portugal e, depois, “malta, vamos traduzir isto para inglês”. Não faz sentido, até porque tinha muitas cenas de “portugalidade”.

E gostarias de um dia fazer em inglês?
Sim, gostaria, óbvio. Porém, teria de ir para fora. Ninguém está em condições para traduzir o meu espectáculo. Não sei se consigo concretizar esse sonho. Se calhar a minha história vai ser só “português que fez em português para a Netflix” e depois daqui a uns anos vem o gajo que já fez em inglês. Mas, na cabeça dos portugueses, por sermos um bocado uma aldeia, seria sempre “mas este gajo fez em inglês”. Fazer em inglês é mais, português é menos. A Nelly Furtado tem ascendência portuguesa, eish. Somos um país pequeno. Está ali um bocadinho dela que é português.

O mesmo acontece com os filmes.
Sim. Mas os espanhóis, por exemplo, já não são como nós.

E tens de compreender tão bem a língua inglesa como a portuguesa para fazeres em inglês?
Sim, claro. Senão vou parecer o Apu (dos Simpsons). E eu muitas vezes sinto que ninguém dá valor ao meu especial, por estar em português. Ninguém puxa por mim, eleva esse facto.

Mudando agora de assunto e aproveitando a polémica que surgiu envolta do teu tweet sobre a alegada violação por parte do Cristiano Ronaldo. Quando dás a tua opinião, quando é que começa e acaba o humorista Salvador Martinha?
Isso fica um estilo muito persecutório, em relação ao humorista. Onde é que está a tua pessoa e onde está o humorista? Confundem-se. A minha personalidade de humorista. Não pode dizer uma piada em que 70% é como humorista e 30% como pessoa. Acho que isso é indiferente para a questão. O Chappelle disse isso muito bem. Ele está dez anos à minha frente e os jornalistas na América também, porque já viveram aquilo muito mais. Tu podes dizer que não gostaste da piada e eu respeito e eu não fico chateado com isso. Obviamente também sou uma pessoa e tenho uma emoção. As piadas não são excels.

Deixa-me então reformular a pergunta. Tu podes dar a tua opinião de forma fundamentada e sem um tom humorístico e as pessoas continuem a tentar descobrir onde está a piada? Ou seja, podes dar uma opinião como um cidadão comum e não como humorista? A tua opinião perde credibilidade?
Em última análise, o que eu disse é verdade. Independentemente se a senhora tem razão ou não – é indiferente-, caso eu fosse violado isso iria esgotar a minha tour. Não deixa de ser uma verdade. Ela antes não era conhecida, agora é. Ela agora está nas bocas do mundo, foi o que eu quis transmitir. E respondendo à pergunta, penso que não. Os humoristas têm a capacidade de fazer rir, mas depois as pessoas também percebem quando ele está a falar a sério. Acho que agora as pessoas já percebem isso. O mesmo acontece com o Conan O’Brien. Ele foi fazer uma entrevista ao Actors Studios e ele tanto está a fazer rir como a falar a sério. Para fazer rir é preciso ter esta dualidade. Da mesma forma, quando estávamos a falar do assunto da Netflix vocês sentiram uma tensão, perceberam que eu estava a falar a sério. Porém, o trabalho mais interessante para um humorista é quando é feito com humor, senão é um padeiro a dar uma opinião de mecânica. Por isso é que eu não falo muito de futebol. Como a minha figura é de um humorista, não tenho nenhum interesse em falar a sério sobre essa temática.

E não terias interesse em só dares a tua opinião, independentemente de isso ser ouvido ou não?
Mas eu não tenho muito interesse em só dar a minha opinião. Gosto de dar a minha opinião através do humor.

Tens o podcast “Ar Livre” que, actualmente, é reconhecido e ouvido por muitas pessoas. Escolheste esse espaço para fugir da selvajaria que são as redes sociais?
Sem dúvida. O espaço mais conturbado e independente é quando podes olhar para as pessoas. Neste momento, nós todos estamos a controlar-nos uns aos outros. Estamos a controlar-nos uns aos outros e, ao mesmo tempo, temos liberdade total. A conversa não sai daqui. Discutimos, vemos se concordamos com o outro. Se tivesse feito esta entrevista por escrito isso já não aconteceria. As redes sociais não têm o cara-a-cara. Isso descontextualiza, corta. Por isso diria, o espaço mais independente de todos é o stand-up. Por exemplo, caso um de vocês não gostasse da piada do Cristiano Ronaldo mas gostasse das outras iriam gostar de mim. Nas redes sociais já não é assim.

E isso acontece porque as pessoas leem as piadas uma a uma e a opinião que temos das pessoas é construída da mesma forma?
Aquele senhor é esta peça, este anexo, esta frase. No podcast, o público é escolhido menos a dedo. Eles não pagam, mas é como se pagassem. Para irem ao podcast têm que me procurar especificamente, não lhes aparecesse de bandeja. No Twitter aparece-te, “olha-me este cabrão”. Como é que te apareceu esse tweet? Não vos apareceu como “olha-me este Deus da comédia ou olha-me este tweet fixe”. Já vos aparece esquentado. No “Ar livre” vem puro.

Isso acontece provavelmente porque no podcast tens um espaço em que, ao longo de vários minutos, expões um tema e as tuas ideias e, assim, as pessoas têm mais tempo para compreender a tua perspectiva e não sobram dúvidas. Mas também não será que isso acontece porque não está inserido numa rede social e, assim, não recebes comentários?
Mas recebo muita reação. No soundcloud, recebo comentários e posso dizer que é o trabalho em que tenho mais feedback. As pessoas na rua comentam e as maiores mensagens que eu recebo é do “Ar Livre”.

E nesse contexto também recebes críticas negativas?
Sim, às vezes não gostam de certos aspectos e partilham isso. Até porque sentem essa necessidade, exactamente por não o poderem fazer instantaneamente.

Faria sentido fazer um episódio ao vivo? Mesmo que fosse com um pequeno grupo?
O que tem graça – do lado ditador do podcast, por ser um monólogo – é que eu falo durante uma hora e ninguém me interrompe. E isso faz com que não tenhas auto-censura nenhuma. Até porque, imagina, falar três minutos sobre o aborto é diferente de falar durante uma hora. Na segunda já derrapaste, já disseste algo que não é verdade. Viste-te a errar, é sujo. Quando estás a falar sozinho durante uma hora és sujo e isso é puro e especial.

E poderíamos considerar este contexto um novo tipo de stand-up?
É mais íntimo do que o stand-up. Estás sozinho, não tens ninguém a ver, vais mais longe. No stand-up estás inquieto, porque eu tenho de fazer rir, tenho um objectivo. No “Ar Livre” não tenho um objectivo. E eu lá desabafo muitas coisas.

Indo agora à tua nova tour. Não te vou perguntar pormenores relativamente ao mesmo, para não estragar a piada. A temática genérica é “défice de atenção”. Isso é retrato sociológico da nossa sociedade actual ou é uma auto-retrato?
É sempre os dois. Descreveste os dois lados. Por isso diria que é sobre mim no mundo com os seus protagonistas e eles são um retrato sociológico. O que este espectáculo tem de diferente (nós somos obrigados segundo as leis do espectáculo a dizer isto) foi o facto de eu ter tentado arriscar. Não sei se acompanham os meus stand-ups, mas o que ocorreu no Coliseu acabou por ser quase para toda a família, podia ser dos 11 aos 50. Não era um espectáculo com partes “erradas”.

No sentido em que eram temas mais universais?
Sim. Neste novo, olhei para os tópicos e 80% deles questionei-me se realmente iria falar disto. Será que devo dizer isto? E antes ter-me-ia censurado. Agora não, é a altura certa. É existir esta tensão, esta piada do (Cristiano) Ronaldo, o que podemos ou não dizer, o que é feio, sujo. Agora é que me apetece fazer isso.

É fazer oposição ao policiamento irritante?
É fazer coisas erradas. Porque o papel do humorista é fazer isso. A sociedade quer que os humoristas façam coisas certas, mas não pode ser esse o nosso papel. Na minha opinião, o nosso papel tem de ser sujo. Senão somos políticos.

E este novo puritanismo na sociedade…
Está a picar os humoristas. Antes estávamos moles, estávamos um bocado a bater no ceguinho. Agora estivemos no estudo e é ir com tudo. Eu sei quais são as críticas das pessoas, eu já escuto a sala.

Os argumentos muitas vezes são os mesmos.
Exactamente, são repetitivos. Por isso, também já não há novidade na retórica que não gosta do humor. O que eu acho é que as pessoas que são tão duras com o humor devem achar que não gostam do humor e não tem mal. Isso é interessante.

E porque achas que acontece isso? As pessoas estão mais sérias?
Acho que é uma mistura amor-ódio. Acho que são pessoas que gostam muito do humor, mas estão irritadas. Por exemplo, quando eu faço a piada do Ronaldo, se as pessoas dão tanta importância a essa piada é porque tem valor para elas. Se é tão criticada e tão disseminada é porque lhes estão a dar importância. Ao mesmo tempo, sinto-me lisonjeado. Se elas não gostam de mim e do meu humor, então deviam desprezar-me e não dar-me protagonismo. É um paradoxo.

Salvador Martinha – Fotografia de Zé Diogo Lucena/WSA

E sentes-te mais confortável em ser menos politicamente correcto por teres, neste momento, mais protagonismo?
Vamos ser sinceros, claro. Por exemplo, eu sei que em Londres não há espaço para artistas mais edgy. Só para os antigos. Ou seja, os da velha guarda são aceites. E eu já não estou aqui desde ontem, estou há 15 anos. Por isso, já tenho o meu público.

Mas apesar de tudo o público português é menos agressivo em palco.
Sim. Em Londres são mais agressivos. Aliás, o público anglo-saxónico é mais aguerrido. Os portugueses mesmo assim têm fair-play, têm sentido de humor.

Poderia acontecer mandarem-te embora do palco?
Neste momento temos de estar preparados para isso. Mas seria estranho. Os bilhetes para o meu espectáculo no Capitólio custam 18 euros. Pagarias esse preço para depois mandares-me embora? Não faz sentido. Tens que saber ao que vais.

Por exemplo, há 20 anos o Herman criou o sketch “Última Ceia” e foi censurado.
Aquele sketch está óptimo. Para nós hoje, aquele sketch não tem questão. Na altura teve. Agora a questão é: as pessoas que agora se irritam com as piadas, irritam-se com aquele sketch? Eu acredito que não. É por isso que que eu gosto do público mais jovem. Agora no “Construção”, a sala tinha 30 pessoas com um grupo com 17/19 anos e eles estavam ávidos para rir. Com as pessoas mais velhas já não acontecia o mesmo. O riso vai mudando com a idade. É uma questão de abertura de espírito. As pessoas se se riem de certas piadas é porque sabem que está errado. O oposto é que é estranho. A questão é para quem é que eu tenho de trabalhar, para os 80% que estão a perceber ou para o resto?

A tendência é o público acompanhar-me, mas será que eu consigo atrair sempre o público mais jovem? Chega a uma idade em que não dá. Mas é sempre importante cativar os mais jovens.

Porquê?
Porque não vão morrer tão cedo (risos).

Queria ir para Nova Iorque ou L.A. Na última, acho que me iria desmanchar: surf, patins em linha. Em Nova Iorque vou com este meu amigo – a minha mulher é sócia da mulher dele, são ambas designers e iriam levar o estúdio delas para lá – e iria ter um trabalho normal qualquer para ganhar uns dois paus, já era bom para pagar uma renda. Depois iria fazer um documentário de um humorista português a vingar (seria em inglês). Eu sei, uau, ele está a tentar em inglês. Não tenhas dúvidas que nas cabeça das pessoas isso seria uau. Parece que sou melhor. Tu tens este fenómeno ridículo em que o Pedro Granger vai estudar para Nova York e o pessoal fica “uau”. Isto não é nada. É simplesmente um gajo que teve três meses a beber cappuccinos e a falar em português com a comunidade portuguesa e já é o maior. É aquela coisa: é a costela da Nelly Furtado, um pedaço de nós nela.

Há uma sobrevalorização então.
Exactamente.

Mas entrar no circuito de lá (para um humorista) também não é fácil.
Eu queria entrar, este é o desafio. Conseguir qualquer coisinha. Nem que seja, o Salvador ganhou um campeonato de comédia, um achievement.

Mas serias criterioso? Irias para uma tasca qualquer?
O que é lixado é que começas do zero. Eu já fiz isso no Brasil e sei como é que é. “Agora, o próximo convidado é um comediante, uma lenda lá (diz ele): Salvador Marina”. Eles riam-se só por ser português. Tu tens de ser muito criterioso. Mas o mercado lá já está organizado, tens de ir a certos bares, não é como cá. Teria de ficar lá um ano a estudar inglês e a trabalhar no meu texto. Mas adorava.

E há uma grande cultura de stand-up lá.
Sim, mas o problema é que voltas à estaca zero…eu aqui estou mimado.

Agora já não tens problemas em publicitar o teu trabalho.
Sim, já não preciso dessa forma. Por exemplo, estamos aqui porque vocês sabem quem é que eu sou. Lá, isto não aconteceria. “Sim, sim, mande-me o seu mail e depois nós vemos”.

Irias estar a distribuir panfletos na rua? (risos)
Imagina, será que se eu falar do meu especial da Netflix tem validade? Será que resulta? (risos)

Mas não achas que com a idade queres menos arriscar? Irias para o Central Park a fazer humor à espera que alguém reparasse em ti?
Não iria para o Central Park, iria para os comedy clubs de lá. (risos). Com vinte anos é a idade certa para concretizares o teu sonho. Agora olha o quão exigente eu estou a ser? Preciso para este projecto 120 mil euros. Na altura não, precisava de um euro. Seria um humorista ilegal. A minha pergunta é: será que eu agora iria vingar lá?

Podes enriquecer aqui e depois arriscas lá.
E torrar tudo,(risos). Estaca zero outra vez. Siga: Portalegre, Castelo Branco, Braga…

E aí já aceitarias tudo.
Teria de ir para o Big Brother Famosos 4. Tinha de ganhar a casa e começar tudo do zero.

Já foste a Portalegre?
Sim, no ano passado.

E gostaste?
Sim, adorei. Acho que as pessoas não têm noção do teatro que têm. Nós não gostamos muito de nós. “Epá, sim temos um teatro”. Depois chegamos lá e eles têm um grande teatro e não sabem. Nós temos de dar mérito aos teatros que conseguem ter êxito. Por exemplo, em Leiria está sempre tudo esgotado. Boa reportagem para vocês: melhores teatros. Falar com os artistas, com os humoristas. Porque há bons e maus teatros.

Então quais são os bons teatros para ti?
Teatro Aveirense, Teatro das Figuras (Faro). Um que me surpreendeu recententemente foi o Fórum da Maia, fortíssimos. São pessoas que estão todos os dias a trabalhar, a fazer cartazes, a comunicar. Em alguns chegas ao dia e nem está o director. Para mim, isso é grave.

Há bocado, em off, estávamos a falar do Altice Arena. Por que é que faria sentido teres um espectáculo lá? A partir de um certo número de pessoas não começa a perder piada?
Pode perder. É um Kevin Hart nos estádios. Aquilo já não é nada, não é stand-up comedy. É, sim, stand-up happening.

E já não estás próximo da última fila.
Claro que não. Pareces um maluco a gritar.

E neste momento defines o espaço para o teu espectáculo?
Eu agora fiz o Coliseu. Depois pensei no que iria fazer.

E lá estiveste no meio?
Sim, por causa da proximidade. O palco lá é muito distante, a versão normal. Mas eu pensei, vou fazer já o Altice? Não, é muito cedo, depois acaba o jogo. Já não teria um desafio de sala. Portanto, agora faz sentido o back to the roots: Capitólio, mais intimista.

E gostaste do Coliseu?
Sim, nesta versão. Porque o Coliseu está preparado para isso, devia ser sempre assim.

Mas não tiveste de adaptar, por ser em 360º?
Sim, tenho de adaptar como me mexo e tinha ecrãs. Já viste o que está na RTP? Está muito bem gravado, podes ver na RTP Play. Fiquei muito triste que esse não tivesse ido para a Netflix. Está sete vezes melhor que o outro. Um gajo está sempre a evoluir.

Entrevista realizada por João Pinho e Linda Formiga.

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