Rua da Cale, uma artéria da cidade do Fundão que ganha vida pela mão dos cidadãos

por Jornal Fórum Covilhã,    20 Dezembro, 2020
Rua da Cale, uma artéria da cidade do Fundão que ganha vida pela mão dos cidadãos
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A Rua da Cale, uma das ruas mais míticas da cidade do Fundão, esteve ao abandono e esquecida por muitos anos. Cidadãos e comerciantes juntaram-se e estão agora a dar alma a um movimento que está a trazer vida a esta rua novamente. Os resultados são visíveis e há esperança para o futuro. Veja a peça do Jornal Fórum Covilhã sobre esta nova vida dada a esta rua pelos próprios cidadãos.

A Rua da Cale é uma das mais antigas, históricas e importantes da cidade do Fundão. Pedro Mendonça, representante do Moto Clube Os Trinca Cereja, que tem sede na rua, fala dessa importância e das memórias que tem dela, assim como das histórias que se foram contando e perdurando no tempo. Esta rua tem marcada nela e nas suas paredes séculos e séculos de história, incluindo a ocupação significativa que chegou a ter de judeus e posteriormente de cristãos novos, uma rua que sempre foi uma verdadeira artéria de comércio e serviços e em tempo o principal pulmão comercial de toda a cidade, juntamente com a avenida principal. Pedro fala nesta rua com um carinho especial, afinal a sua bisavó morava na porta mesmo à frente do café onde tínhamos esta conversa. O orgulho na rua é imenso e há ainda um bairrismo positivo que vai perdurando no tempo e que ainda hoje se faz notar. Pedro conta-nos que muitos são os fundanenses que nasceram ou viveram na rua que fazem questão de orgulhosamente ostentar um simples, mas significativo «sou do Fundão, da Rua da Cale». Muitas destas histórias e dos seus registos encontram-se no estúdio de fotografia do Aires Rosel que é na rua, onde segundo Pedro existem “milhares de fotografias em todos os formatos que retratam a história do Fundão desde há várias décadas atrás”, que constituem aquele que é provavelmente “o maior espólio desconhecido da história do Fundão”.

Com o tempo, a rua foi perdendo movimento, os negócios foram fechando e sendo deslocalizados para outras zonas da cidade, a população foi deixando de viver na rua e mudou-se e a que ficou foi inevitavelmente envelhecendo. Criou-se então o movimento “Cale, uma rua com vida”, que une moradores e comerciantes com porta aberta na rua para juntos poderem dar-lhe uma nova e revitalizar esta rua tão importante na história da cidade. É principalmente “um trabalho de conciliação de vontades”, já que segundo Pedro “mesmo com as muitas diferenças entre as pessoas, estas juntaram-se por saberem que há um bem comum para que todas lutam, a dinamização da rua”. O trabalho da associação tem sido principalmente o de fazer pressão junto do município para conseguir melhorar a rua. Pedro considera que o maior feito e o ponto de viragem já foi atingido, quando se instalou o pilarete e se tornou a rua numa zona pedonal sem circulação de veículos. “Uma luta complicada e difícil” que trouxe mais pessoas à rua e que aumentou o movimento, faltando agora a Comissão Municipal de Trânsito definir e regulamentar o trânsito na rua e colocar a sinalética adequada, assim como os horários de cargas e descargas à entrada. Muitos tinham receio que esta medida afastasse as pessoas de virem à rua por não poderem trazer o carro, mas com “tantos estacionamentos à volta, não só não impediu nem prejudicou negócios, como ainda trouxe inúmeros benefícios”. Além disso, conta-nos Pedro que os habitantes e comerciantes tem cartões de passagem para deixar passar cargas e descargas, assim como veículos de emergência etc. Outras ações de dinamização incluem a tentativa de trazer eventos para a rua, que ajudem a atrair novos transeuntes, como eventos de música (que já têm acontecido) e também com a instalação do Mercado BioEco, de produtos biológicos, que tem lugar nesta rua aos sábados de manhã. Ao início era um por mês, mas o sucesso foi mais do que o esperado, o que o tornou num mercado de quinze em quinze dias.

Mas esta é uma rua em que a tradição se está agora a aliar a uma modernidade pensada e sustentável a longo prazo. Mantêm-se ainda hoje tradições únicas conta-nos Pedro Mendonça. “O Paulo da mercearia, para além de vender tudo e mais um par de botas, é ele que liga aos taxistas para virem buscar as pessoas para ir a qualquer lado, levar os produtos a casa das pessoas, entre outras coisas”, considerando que esta é uma “envolvência que não se quer perder aqui”. Além de que é nesta rua que se situa o sapateiro, uma profissão que está a morrer lentamente e que importa preservar e que já é muito rara se não existente na cidade do Fundão. Ao mesmo tempo ,e como já noticiado pelo Fórum Covilhã noutras ocasiões, estão a surgir novos conceitos de café e esplanada que estão a atrair públicos diversificados para a rua e que têm enchido as esplanadas desde que começou o desconfinamento, num claro sinal de vitalidade e rejuvenescimento destes espaços, a Loja da Maria (mercearia e café que aposta em produtos locais em toda a sua oferta) e o Royal Coffee Shop (café que aposta em café de várias qualidades e de qualidade superior e que tem uma oferta diversificada e diferente do que é comum encontrar no Fundão).

Muitas histórias há para contar desta rua. Nos anos 80, conta-nos Pedro que foi feito um bolo que percorria toda a rua, o maior bolo alguma vez feito no Fundão e que foi depois oferecido à comunidade num dia histórico que todos lembram. “Era uma loucura imensa, uma rua cheia de movimento”, refere. Havia ainda o chapeleiro, uma loja que já fechou mas que era histórica na rua e que se quer que faça de alguma forma uma homenagem à mesma no edifício novo (ou na sua fachada) onde estará uma nova empresa que vai instalar-se na rua em breve. Também o Museu Arqueológico do Fundão recolheu vários documentos gráficos da chapelaria para manter a sua história preservada. O museu é mais um exemplo da importância que há em concertar estratégias comuns, já que se localiza numa rua transversal à Rua da Cale e que colabora estreitamente com estas iniciativas para que se possa “trazer pessoas da rua para o museu e também trazer o museu e as suas atividades para a rua”.

Histórias que se pretendem preservar e que sirvam de exemplo para voltar a dar à rua a importância que já teve outrora e fazer jus à sua história. Este dinamismo crescente tem-se notado e tem feito “o preço das causas aumentar, o que demonstra uma valorização crescente da rua”. Pedro Mendonça sente-se satisfeito pelo que já foi conseguido e refere que já existem momentos em que se sente a rua mais perto daquilo que já foi, nomeadamente com as crianças que vão aparecendo na rua a correr pela rua fora a rir, algo que faz lembrar outros tempos e que traz até muita nostalgia. Para além da dinamização da rua, há ainda outro grande objetivo por concretizar: “trazer uma identidade própria à Rua da Cale, que a diferencie”. Pedro conta-nos que já pediram para desenhar um vaso especial e único para a Rua da Cale para que as pessoas o possam começar a utilizar pela rua fora, criando uma identidade visual única e autêntica da rua, que a represente. Por último, há ainda a vontade de que fosse instalado “um serviço de atendimento municipal ao público na rua”, vontade que já foi até demonstrada ao município.

A Rua da Cale é definitivamente uma rua com vida. Com vida passada, que já passou e que mesmo assim ainda está tão presente na vida das pessoas que nesses tempos por lá estiveram. Mas com uma vida presente e futura, com novos objetivos e projetos, novas ideias e pessoas que não desistem de a manter como um elemento fundamental da cidade do Fundão. A Cale é uma rua com vida.

Um artigo de Fernando Gil Teixeira, jornalista do Jornal Fórum Covilhã e técnico de comunicação ambiental

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