‘Reflections – Mojave Desert’, a experiência única de Floating Points

por Bernardo Crastes,    17 Julho, 2017
‘Reflections – Mojave Desert’, a experiência única de Floating Points
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Sam Shepherd, o artista por detrás de Floating Points, é um dos nomes mais promissores do mundo da música electrónica. Após ter ganho tracção com DJ setssingles mais dançáveis, o final de 2015 viu o lançamento do seu primeiro álbum, ‘Elaenia. Considerado por muitos – incluindo por este que vos escreve – como um dos melhores álbuns desse ano, é uma obra que leva a electrónica para os terrenos do jazzpost-rock. Outros projectos o fazem, mas a meticulosidade de Shepherd é admirável. É um artista que sabe usar bem o som nas suas composições minimalistas, sobrepondo camadas, das quais o silêncio também faz parte. Somado a isso, os sintetizadores analógicos dão um sentido intemporal ao álbum.

Por estes motivos, e mais alguns, o lançamento de ‘Reflections – Mojave Desert deixou muito boa gente entusiasmada. Ao vivo, Shepherd faz-se geralmente acompanhar de um conjunto de músicos, que o ajudam a complementar as suas canções com guitarra, baixo e bateria. Para este EP, o ensemble de Floating Points rumou ao deserto de Mojave, no sudoeste dos EUA, para fazer música nesse ambiente árido. Uma experiência única, por vários motivos. Na sua passagem pelo Nos Alive, tive a oportunidade de privar com o Sam; garantiu-me que não a repetirá, devido a todos os problemas que surgem quando se tenta gravar um álbum no deserto, como podemos certamente imaginar.

Esta ideia surgiu com o intuito de usar o ambiente natural a favor das canções, aproveitando a reverberação das rochas, o som do vento quente e o silêncio do espaço tão amplo. Isso foi conseguido através da montagem do aparato musical numa espécie de anfiteatro rochoso natural, no qual as cinco canções foram gravadas.

O EP abre e fecha com duas faixas ambiente, e tem um interlúdio puramente electrónico a meio; sendo que estas três não apresentam percussão. Estas músicas são intercaladas com os dois picos sónicos, as complexas canções rock Silurian Blue e Kelso Dunes, criando uma imagem conceptual de uma estrutura montanhosa. Este tipo de evocações são constantes na música de Floating Points, pelo que é pertinente descrevê-las. Cada um acaba por conceber as suas próprias imagens e sensações, ao escutar estas canções.

Curiosamente, a faixa mais interessante é o interlúdio, de nome Kites. Na primeira metade, um loop de sintetizador em arpeggio é gravado por microfones a três diferentes distâncias dos altifalantes. O som vai sendo reflectido nas rochas e, logicamente, a maiores distâncias, a quantidade de reverberação captada pelos microfones é maior. Na segunda metade, Sam pega num microfone em forma de parabólica – chamado Telinga –  para captar sons concentrados a elevadas distâncias. Apontando a diferentes direcções, o som captado vai variando, de uma forma alucinante. Usando simples princípios físicos, “Kites” é uma experiência sónica que vai para lá dos pormenores técnicos, nunca se tornando estéril.

O sintetizador de “Kites” desemboca em “Kelso Dunes“, em que a banda por detrás de Shepherd embarca numa viagem de rock progressivo de uma constância que atesta a sua capacidade, aumentando a intensidade sonora sem perda de detalhes. No entanto, o melhor momento do conjunto é em “Silurian Blue“, uma canção estratificada em que a fantástica bateria segura a experimentação da guitarra num padrão rítmico que é o equivalente musical a estar-se à beira de um precipício. Esta canção, lançada como single,  já havia reforçado comparações com os Pink Floyd. O facto de estarem a gravar um EP num sítio assim apenas ajuda às comparações, se bem que o deserto do Mojave é mais inóspito que Pompeia.

A experiência da gravação deste EP foi captada pela realizadora espanhola Anna Diaz Ortuño, num documentário que vale a pena ver, dado que complementa bem a audição da música, com o azul siluriano do céu e os tons secos da areia.

Depois do set a solo no NOS Alive, que fez muitas cabeças girar em estupefacção, estou convicto de que este EP é apenas um desvio necessário e que Sam Shepherd voltará ao seu jazz rock cósmico infundido de electrónica minimalista, num estado mais puro. Apesar disso, este trabalho é essencial para os seguidores de música electrónica, pois expande os seus horizontes, levando-a para lá da pista de dança e dos ambientes urbanos, deixando a natureza austera entrar. A consolidação de Floating Points como um génio da electrónica está em curso.

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