Quarentena. O prisioneiro de Almada

por Rui Cruz,    17 Março, 2020
Quarentena. O prisioneiro de Almada
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Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.

Pois é, então e este 2020? Isto é que vai para aqui uma coisa gira… Já tivemos incêndios, uma ameaça de uma Terceira Guerra Mundial e agora uma pandemia. E ainda só estamos em Março! Vai-se a ver e os Maias só falharam por 8 anos. A civilização, não a família. Eça (humor de homófonos) falhou por ADN. Mas sim, isto anda esquisito. Aliás, ninguém me tira da cabeça que até ao final do ano ainda vamos levar com mais catástrofes, tipo sismos sem Chicão a fazer cosplay de suricata, dilúvios ou os Divinus lançarem outro álbum (se não se lembram dos Divinus, não procurem. Estou a avisar-vos, é para o vosso bem… Aquela versão do “Anel de Rubi” em canto gregoriano demora mais a desaparecer da cabeça do que COVID-19 num lar da terceira idade).

Mas pronto, de repente e sem estarmos à espera, cá estamos todos em isolamento social. Por um lado, é chato estar preso dentro de quatro paredes, por outro… começo a pensar que a depressão que tive foi um treino de preparação para aguentar esta quarentena sem sair de casa. Quem é que se ri agora, seus saudavéizinhos da piça? Quem é? O pessoal que tem a dispensa cheia de atum e papel higiénico, que eu não sou. E riem-se porque os idiotas têm sempre muita facilidade em rir. “Ah, mas estás a dizer que a malta que comprou atum e papel higiénico é idiota, Cruz? Então a malta precaver-se não é bom?”. É, mas uma coisa é comprar 10 latas de atum, outra coisa é ter tanto atum em casa como todo o Oceano Atlântico e açambarcar mais papéis do que a comissão de inquérito ao BES. Esta é a mesma malta que quando se falou em falta de combustível até os preservativos levou para as bombas para encher com mais meio litro.

Mas se há coisa que esta pandemia mostrou foi que, apesar da existência de alguns burgessos, estamos unidos enquanto povo. Unidos em torno do Rodrigo Guedes de Carvalho. Sim, porque de repente o Rodrigo Guedes de Carvalho é o novo herói nacional porque falou grosso e repreendeu a malta, mas quando é o vosso pai a fazer o mesmo já é “odeio-te! Não me compreendes! Eu já não sou uma criança! Quando fizer 18 anos vou sair de casa e fazer a tatuagem! Boomer!”. Estou no gozo, de facto estamos mesmo unidos de uma maneira quase comovente. Pelo menos eu chorei quando bati com a canela no sofá por vir a correr feito maluco para tirar a roupa do estendal assim que ouvi chuva e depois chorei outra vez quando percebi que afinal não estava a chover e aquele barulho era a malta do meu prédio a bater palmas à janela. No entanto, antes palmas do que música! Cantar à janela para distrair o pessoal durante a quarentena é muito bonito, sim senhor… mas em Itália! Eu vivo no Feijó, não quero levar com marmanjos a berrar à janela “vai só de sacanagem, vem na fuleragenzinha… vai bunda pra baixo, vai bunda pra cima, vai bunda pra baixo…”

Contudo, mais do que ficar preso em casa ou ver a maralha a comprar mantimentos para três gerações, mais do que ter uma nódoa negra desnecessária na canela ou a obrigatoriedade de encomendar uma pintura a óleo em moldura de talha dourada do Rodrigo Guedes de Carvalho, o pior desta pandemia tem sido a desinformação. A quantidade de áudios que já me mandaram, meu Deus… “Ah, há falta de médicos em Portugal!”. Pudera! Estão todos no whatsapp a mandar áudios a betos e a ignorantes! E desde quando é que toda a gente conhece um médico? Quer dizer, quando eu preciso de receitas para comprar opiáceos e passar um bom bocado ninguém conhece ninguém, quando é para assustar um tio com a quarta classe, toda a gente é BFF de um doutor!

Enfim… Mas como vamos estar nisto ainda uns tempos e todos juntos e como eu já dei por mim a limpar as escovas com que limpei os armários para matar o tédio, cá estou de novo a fazer-vos companhia e a entreter-me a mim. E já agora, a mandar aí recomendações culturais para passarmos o tempo, mesmo à pseudo. Portanto… vemo-nos amanhã.

Sugestões para passar o tempo:

Comédia:
Rui Cruz – Como Todos Fazem

Nota: Se quiserem contribuir com doações, ficamos muito agradecidos. Até porque ele também tem um gato para alimentar (mais info no Youtube).

Música
George Harrison – All Things Must Pass

Cinema:
João César Monteiro – Recordações da Casa Amarela

Literatura:
Voltaire – “Cândido, ou o Optimismo”.

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