Quarentena. O fim

por Rui Cruz,    2 Maio, 2020
Quarentena. O fim
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Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.

Bom, acabei de ver agora, em directo, a entrevista na SIC à Ministra da Saúde e tenho a dizer que estou boquiaberto. Não estava à espera disto. As perguntas do Rodrigo Guedes de Carvalho à Marta Temido conseguiram ser mais incómodas do que as que a minha ex namorada me fez quando descobriu que havia uma pasta de mensagens arquivadas no Facebook.

Não vou mentir, o Guigui apanhou ali a Ministra com uma ou duas questões, mas o Ego apanhou o Guigui nas outras todas. É o que acontece quando confundes fazer jornalismo com o ritual de acasalamento dos pavões. No entanto, gostei do tom da entrevista. Gostei porque sou um nostálgico por defeito e a postura do Guedes fez-me recordar a altura em que vivia em Alfama, principalmente a tasca onde ia beber ginja e ver taxistas a espingardarem enquanto mamavam minis antes de pegarem ao serviço.

Se calhar estou a ser demasiado duro com Rodrigo, até porque a verdade é que aprendi algumas coisas com este novo método de interrogatório. Por exemplo, a partir de agora vou começar a usar a táctica do Rodri sempre que alguém me calar com argumentos: “bom, vamos avançar que senão não temos tempo para mais nada. Senhora Ministra, qual é a raiz quadrada de x elevado ao cubo e porque é que os portugueses não voam?”. Vão ver… Até quem matou o Sá Carneiro eu descubro!

Mas mais do que à entrevista em si, confesso que achei muita piada, novamente, à incongruência da malta durante e após o fim da mesma. É adorável observar como as opiniões das claques políticas viram ao sabor do vento por cá. O pessoal da direita, que passou semanas a dizer que o Guigui era uma avençado da esquerda e estava a usar o Jornal da Noite para fazer propaganda ao governo, foi hoje a correr para o twitter dar loas à isenção do grande jornalista que encostou a incompetente e irritante Ministra da Saúde às cordas. Já o pessoal de esquerda, que nos últimos tempos elegeu o Rodri como a voz dos portugueses, o tipo que metia os idiotas no lugar e que era o braço armado da sensatez canhota contra os Lords Sith da direita, mal acabou a entrevista foi a correr para o mesmo twitter berrar que não só era uma vergonha um jornalista ir disseminar assim ideias de direita com esta leviandade, mas também que estava a atentar contra liberdade de imprensa (?) porque estava a ir contra o dia do trabalhador. Enfim… Esta malta consegue ter a coluna em pior estado do que o Cherbakov.

Com isto espero é que tenha finalmente rebentado a bolha em que o Guicas andava a viver e que foi criada pela maioria da população, porque nós adoramos uma voz grossa e banhos quentes em piscinas de superioridade moral, não é? Sabem tão bem… Até podemos dizer “este é dos meus” e sentir que só com isto já fizemos a nossa parte. E se a bolha tiver mesmo rebentado, não se esqueçam de colocar a máscara para não apanharem com os salpicos. É o nosso dever cívico.

Por falar em fazer a nossa parte, esta noite, às 00h00m, termina o primeiro estado de emergência e inicia-se um novo período desta vida em tempos de pandemia. Com isto termina também a promessa que fiz: escrever crónicas diárias para me e nos entreter. E foram mais de 40. Esta será a última, pelo menos até termos de voltar à quarentena. Sendo assim, não consigo pensar noutra maneira de acabar este ciclo que não seja citar aquele que é um dos meus heróis da infância e que também lutou contra várias pragas, nomeadamente a do míldio. Meus amigos, “despeço-me com amizade.”

Aqui ficam as sugestões do dia:

Comédia:

Richard Pryor – Live In Concert

https://www.youtube.com/watch?v=j_ySYM4mXFg

Música:

Iggy Pop – Lust For Life

Cinema:

John G. Avildsen – Rocky

Literatura:

Herman Melville – Moby Dick

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