Quarentena. Ó António… custa

por Rui Cruz,    29 Abril, 2020
Quarentena. Ó António… custa
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Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.

Acabei agora mesmo de ver a entrevista do António Costa na RTP e estou incrédulo. Apesar de ter votado António Costa aquando da sua primeira candidatura a primeiro ministro, posso dizer que, e parafraseando a minha avó, nunca foi “gato do meu armário”. Sempre o achei um político que tende a colar-se aos bons momentos para a sua imagem ser associada a vitórias, não sou fã do nepotismo que se foi descobrindo no seu governo e não me esqueço que foi ele que assinou o decreto-lei que acabou com os Guardas Florestais, o que para quem vive ou vem do interior teve consequências nefastas ao longo dos tempos, como o provam os incêndios que há todos os anos. Portanto, para mim, o Costa era aquela amiga meio parva que todas as namoradas têm: tolera-se porque, olhando à volta, ainda é a melhor hipótese para aquele ménage maroto de aniversário. E é por isso que fiquei tão incrédulo. Então agora gosto e, de certa forma, até admiro o António? Isto é mais surpreendente do que perceber que tenho mais saudades de ir ao ginásio do que ao Cais à noite!

Apesar de ainda não se ter conseguido o acordo que seria desejável, já tinha ficado com muita boa impressão do rapaz quando a Holanda se disfarçou de Angélica do “Rugrats”, mas agora fiquei com a certeza de que, na situação em que estamos, dificilmente poderíamos ter melhor pessoa à frente dos destinos da nação neste momento e olhando para os líderes partidários que temos à nossa disposição (talvez Rio, que me parece semelhante, mas mais “militar”). Das explicações dadas de forma simples e coloquial, à honestidade de assumir erros e de não querer para si louros que não lhe pertencem (admitir que os portugueses se adiantaram ao governo, por exemplo), da maneira como mostrou compreender os comportamentos e cultura do povo português (pode ver-se quando é confrontado com o modelo sueco de combate ao COVID), à forma como recusou entrar em assuntos que não domina (estás a ver, Trump?), da facilidade com que se disponibilizou para dar um passo atrás caso a política de abertura progressiva de portas corra mal, ao modo como, contrariando a sua própria natureza, não entrou em optimismos desnecessários e enganosos, Costa esteve francamente bem, mesmo quando decidiu citar um ídolo da nação, Paulo Futre, ao dizer que o mundo tinha mudado 360º. Quão bem? O suficiente para me apetecer mandar fazer uma t-shirt com a sua cara e com a frase “Vamo l’ábêr…” em letras garrafais. E isto para mim, seja enquanto comediante, seja enquanto cidadão, é novo. Elogiar políticos? Ó António, custa… E é estranho, especialmente porque nem sequer estou numa Jota. O que me espera a seguir, começar a defender a malta que diz que gosta muito de música porque ouve “a música dá na rádio”? Não pode.

O que vale é que isto de elogiar não cola muito tempo porque há sempre alguma parvoíce que leio ou que vejo e que me volta a trazer o fel à ponta dos dedos. E hoje a parvoíce que me fez sair deste transe de algodão doce e unicórnios político foi a Igreja. É que afinal parece que Deus não é brasileiro nem vive em Bruxelas, é sim português e deve ter casa na Comporta ou no Restelo. Digo isto porque, depois de ler as notícias, é impossível não o perceber. Não paga impostos, é CEO de uma de uma instituição milionária, criou um cargo de chefia para o filho que só queria era vadiar com os amigos e agora que as coisas estão apertadas vai entrar em lay-off e pedir ajuda ao estado. Ora, se isto não é liberal português não sei o que é.

E aqui ficam as sugestões do dia:

Comédia:

Russell Brand – Shame

Música:

Kate Bush – Hounds of Love

Cinema:

Michael Patrick Jann – Drop Dead Gorgeous

Literatura:

David Foster Wallace – Piada Infinita

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