Quarentena. Hei, YouTubers, leave those kids alone!

por Rui Cruz,    17 Abril, 2020
Quarentena. Hei, YouTubers, leave those kids alone!
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Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.

Então o assunto do dia é a invasão das tele-aulas por um grupo de putos, putos estes que têm um canal de youtube onde posteriormente foram postadas todas as divertidas tropelias que fizeram e que levaram ao desespero não só os professores, como também os alunos que queriam, de facto, aprender alguma coisa para os exames, não é? Bem giro. Especialmente porque tinha a ideia de que os youtubers só entram em algo semelhante a uma escola quando as listas para as associações de estudantes lhes acenam com dinheiro.

Não é por nada, não estou armado em Maria Helena ou Zé Gomes Ferreira (duas pessoas que, apesar de não parecer, têm muito em comum: ambas sabem tudo por magia, ambas aparecem muito na SIC e ambas têm a credibilidade daquelas sardinhas em escabeche que há nas tascas e que lá estão desde mil nove e oitenta e seis), mas eu já sabia que isto das aulas pela net ia dar confusão. Primeiro porque, infelizmente, ainda há milhares de putos sem acesso à internet ou computadores, o que é difícil de imaginar, bem sei, até porque uma adolescência sem Pornhub devia contar como atropelo dos direitos humanos. Segundo… porque já antecipava que algo assim pudesse acontecer. Numa altura em que há malta a ficar viral na net a lamber tampos de sanita porque “fuck covid” ou a esfregar saliva de propósito em corrimões porque “bitch, ninguém manda em mim”, numa altura em que ter views numa qualquer rede social ou plataforma online é mais importante do que ter dignidade ou inteligência, é claro que ia aparecer alguém a fazer alguma coisa nas tele-aulas e a capitalizar isso em likes.

“Ai, mas ó Cruz, mas sempre houve engraçadinhos nas turmas, sempre houve gente a dar cabo da cabeça aos professores, não é de agora”, dizem vocês que tiraram o 12º ano à noite. Sim, sempre houve, a diferença é que, antes das redes sociais, esta malta fazia isso por pura e simples desobediência civil e/ou estupidez natural e aí não tenho nada contra, muito pelo contrário. Sou muito apologista de uma certa anarquia e idiotice punk rock natural, estilo “Tu Metes Nojo”, já a parvoíce com objectivo de chamar atenção ou ficar famoso tem em mim o mesmo efeito que um concerto de Mafalda Veiga: aborrece-me.

No entanto, o que mais me irritou nesta brincadeira da invasão das aulas, para além do timing e do desrespeito por professores que mesmo nesta altura complicada não abandonam a sua vocação e muitos até se esforçaram para aprenderem a trabalhar com tecnologias que não dominam, foi o facto de ver alunos a serem “castigados” sem qualquer razão. Vários professores acabaram a transmissão a dizerem coisas como “não volto a dar mais aulas a esta turma” ou “vocês vão todos levar um processo disciplinar”, isto a miúdos que, contra todas as adversidades, estão interessados em aprender. E nisto é que estes engraçadinhos dos likes não pensam. Na quantidade de gente que estão a magoar e a prejudicar em troca de meio dia de fama na net e 3 gargalhadas. Porque uma coisa era o meu saudoso amigo Zé Paiva entrar na sala de aula, bater com a pila no livro de ponto do professor, ser expulso e pronto, continuava-se a aula, outra coisa são estes gajos do youtube que, para além de não saberes quem são, nem sequer podes mandar para a rua porque estamos de quarentena.

Resumindo, espero, sinceramente, que o governo consiga, de alguma maneira, dar a volta a este método de ensino via internet, tanto no que toca ao acesso a ferramentas (net, computadores, etc.) como no que toca a este tipo de “hackeamento”. É que a acreditar nos rodapés da TVI, um povo bem educado apanha menos vírus.

Aqui ficam as sugestões do dia:

Comédia:

Brett Butler – The Child Ain’t Right

Música:

Tu Metes Nojo – (Ao vivo na Latada)

https://www.youtube.com/watch?v=vrE07BGHebU&list=RDvrE07BGHebU&start_radio=1

Cinema:

Guel Arraes – O Auto da Compadecida

Literatura:

H. G. Wells – A Ilha do Doutor Moreau

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