Quarentena. Dias cheios…

por Rui Cruz,    30 Março, 2020
Quarentena. Dias cheios…
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Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.

Se durante esta quarentena há dias que parecem iguais, chatos e macilentos, outros há que decidem ter animação suficiente para entreter uma criança hiperactiva que comeu 3 quilos de açúcar e descobriu a cocaína do pai. E hoje foi um destes dias.

Começamos com a Hungria, onde Orbán, conhecido por estar ligado a casos de corrupção, de desrespeito de direitos humanos e de ter roubado o corte de cabelo ao Paulo Bento, aproveitou o COVID-19 para aprovar o parlamento uma lei que lhe dá poderes ilimitados, lhe permite governar sem ter de consultar ninguém e até estar aborrecido ou ter mais que fazer, o que é um eufemismo para “conseguiu implementar uma ditadura”. Na realidade, a forma como o fez não é nova. Por exemplo, foi assim que o Senador Palpatine chegou a Imperador no Star Wars, o problema é que os rebeldes tinham um Luke Skywalker e uma Rey, já nós vamos à luta no parlamento europeu com um Nuno Melo e um Pedro Marques. Se a UE já estava em risco com a saída do UK e com a polémica dos coronabonds, com a confirmação de uma ditadura num dos estados membros cheira-me que a coisa fica com a mesma consistência de uma pedreira em Borba.

Não contente com isto, e ainda na toada de coisas que acontecem naquele lugar místico que designamos por “lá fora”, o dia de hoje trouxe-nos também a hipótese de ter morrido mais gente infectada com corona em Wuhan do que aquela que o governo chinês divulgou. E porquê? Porque só hoje foram libertados os restos mortais das vítimas para as famílias poderem ir buscar. O problema é que os números oficiais diziam que tinham falecido 2532 pessoas, mas segundo consta já foram recolhidas/distribuídas cerca de 45 mil urnas funerárias. Parecendo que não, a diferença não é pequena. É que, caso seja verdade, isto deixa o governo Chinês numa posição muito delicada no que toca a responsabilidade na propagação do vírus e no que toca à preparação do resto do mundo para o combate ao mesmo, o que acaba por ser chato porque depois disto não me sinto com moral para criticar o candidato-ninja-cantor-rambo Noray e a sua missão de combater sozinho a “Fóking Chayna”.

Outra das coisas que abalou o mundo, hoje, foi o facto de terem hackeado a aplicação Houseparty. Quer dizer, há quem diga que sim, a empresa diz que não, já eu digo “quem é que se importa?”. Se tu foste um dos que foi hackeado e a quem roubaram guito e as contas do facebook e do spotify é bem feito porque há 15 dias que me andas a foder a cabeça para instalar a aplicação porque “ai que é tão giro! Ai que dá para fazer desenhos! Ai que tu também não queres fazer nada divertido!”. Karma. Agora sou eu que estou aqui divertido a ver-te a sofrer e nem sequer preciso de instalar nada, só de gelo no copo. Se não foste, nem tu nem ninguém, hackeado e isto for só um boato para mandar abaixo a app, pouco me chateia também. É uma das vantagens de ser praticamente infoexcluído e só fazer desenhos no Paint ou na cara dos meus amigos que desmaiem bêbedos no sofá.

Mas em Portugal também aconteceram coisas muito giras, hoje. Primeiro o meu gato tentou beber água da sanita e caiu lá para dentro, depois vimos os presos a gravarem vídeos nas celas, com telemóveis que são proibidos, e a exigirem ser soltos por causa do COVID-19. A verdade é que as cadeias são perfeitas para criar o vírus em cativeiro, nisso eles têm razão. Mas ver prisioneiros a dizerem que “estão a dizer que vão soltar velhos com mais de 60 anos, mas nós também queremos. Nós não matámos ninguém! Não violámos ninguém! Esses com mais de 60 é que mataram e violaram!” faz-me pensar que há ali muita malta que está mais preocupada em ir ver como está o tempo num país sem acordo de extradição do que com o vírus. No entanto, concordo que presos que façam parte de grupos de risco e que são culpados de crimes não violentos possam cumprir a pena, neste período de emergência, em prisão domiciliária. Já os outros… Pronto, ficam com mais espaço nas celas e menos dores no rabo.

Por fim, temos o Rui Moreira a rejeitar a autoridade da DGS porque esta pôs a hipótese de se fazer um cerca sanitária no Porto. Giro. Tanto as declarações do Rui Moreira, como o facto deste saber desta intenção pela TV e não em reunião com a Graça Freitas. É incrível como até nesta altura em que devíamos estar todos a remar para o mesmo lado consegue haver problemas de Norte vs Sul. Do sul levamos com a arrogância do “nós sabemos e mandamos e a província cumpre”, do norte com o complexo do “Lisboa quer é ver o Porto a definhar”. No fim, quem se lixa é o resto do país que leva com a birra dos dois e tem de se safar sozinho enquanto estes amuam.

Resumindo, o que tenho a dizer é: que se lixem dias destes, venham mais daqueles aborrecidos que, mal por mal, sempre me deixam estar no sofá a ver quantos nachos com queijo consigo comer até ficar a odiar-me.

Aqui ficam as sugestões do dia.

Comédia:

Joan Rivers – Before Melissa Pulls The Plug

Música:

Nancy Knox – Pit of Depair EP

Cinema:

Jim Henson – Labyrinth

Literatura:

Woody Allen – Prosa Completa

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