Quarentena. Amália nos carrinhos de choque

por Rui Cruz,    28 Abril, 2020
Quarentena. Amália nos carrinhos de choque
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Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.

Hoje foi o dia em que o Marcelo veio confirmar o fim do estado de emergência a 2 de Maio e, logicamente, isto veio dividir os portugueses. Portugueses esses que já estavam divididos quando foi decretado o estado de emergência. E quando foi celebrado o 25 de Abril. E quando soltaram os presos. E quando saiu a convocatória da Seleção. E quando votaram nas 7 maravilhas da gastronomia. E quando se partiu para a expansão ultramarina. E quando se fundou o país. Aliás, não o consigo provar, mas tenho quase a certeza de que, mesmo antes de existir Portugal, houve portugueses divididos quando o primeiro anfíbio quis ver como é que era isto de viver fora de água e a reclamar das horas a que marcaram o Big Bang.

Neste momento portugal divide-se em 2 grandes grupos: aqueles broncos que, mesmo que nunca tenham ido a uma feira, notas perfeitamente que dominariam os carrinhos de choque e que quando o Marcelo disse que não ia renovar o estado de emergência gritaram “uh uh! Festa! Bora reservar já um privado no Lust! Tinder Gold a bombar! Bro… broooo! Vão estar 27 graus dia 3, diz à Sofia para trazer as babes e tudo para a Costa! Uh uh! Festa!” e as Amálias fatalistas que gritam por cima de uma guitarra portuguesa que “isto é cedo de mais! Vamos morrer todos! Ninguém no governo e na saúde sabe o que faz! Os portugueses são todos irresponsáveis menos eu! Vou vender tudo o que tenho e construir um bunker! Isto assim vai criar mais uma vaga! Vamos todos morreeeeeer!”. Ambos estão errados, ambos não perceberam nada disto e ambos estão a ser idiotas.

Vamos por partes. Caríssimo grupo grunhos, quando o presidente disse que não ia renovar o estado de emergência, não disse que o COVID acabou. Nós não estamos confinados em casa para os militares andarem na rua a matar o vírus com tiros de G3 e flexões e essas coisas que os tropas fazem. O vírus continua aí, continuam a poder apanhar corona e a passar corona, não há vacina e vamos continuar a ter restrições, como o distanciamento físico, o uso obrigatório de material de protecção e limites de lotação de espaços. Vamos continuar a ter circulação limitada e precisamos, mais do que nunca, de ser responsáveis e solidários. Não vão haver noites de discoteca e one night stands com desconhecidos e, por muito que queiras, vais continuar a não poder pedir umas passas do petardo que aquele freak está a fumar, ok? Isto não é o fim, é apenas um intervalo, nenhum jogador pode tirar o equipamento e abalar de férias porque ainda há o resto para jogar. Pronto.

Já vocês, caríssimo grupo de fatalistas, não precisam de fazer esse escândalo todo. Ao contrário do que pensam, vocês não são as únicas pessoas inteligentes no mundo, parece que há outros e muitos até são mais sapientes do que vós. Eu sei… surpreendente, não é? Não precisam de se meter num bunker, não vamos todos morrer e, não querendo parecer um daqueles malucos das teorias da conspiração, sou capaz de apostar que há gente no governo e na saúde com mais conhecimento sobre o assunto e com acesso a mais dados sobre a pandemia do que tu, pequeno aluno de 2º ano de Design e Multimédia. Nós não estamos fechados em casa para o vírus morrer com fome de corpos, nós não estamos fechados em casa porque o vírus mata toda a gente, nós estamos fechados em casa para ganharmos tempo.

É que é isso que acho que passou ao lado de quase toda a gente, o motivo desta quarentena. Nós estamos presos porque era necessário ganhar tempo para dotar o país dos meios necessários para aguentar com os picos de contágio. Porque adivinhem: não vai haver uma só vaga, vão haver várias! Há inclusivamente estudos/ensaios/previsões que apontam para 70% da população mundial acabar infectada. O que não pode acontecer é estar 70% da população infectada ao mesmo tempo porque os sistemas de saúde não iam aguentar e, em vez de morrerem 2% ou 6% dos pacientes, morriam 60%. Daí o lockdown. Vão haver mais infectados depois do fim do estado de emergência, sim. E é normal que haja e até positivo (a tal imunidade de grupo que se quer atingir), sendo que temos capacidade, em Portugal, para aguentar até um certo número de internamentos (4000). quando atingirmos este número (ou se o passarmos), volta-se a quarentena até baixar. E é provável que isto (quarentena seguida de abertura de portas seguida de nova quarentena) aconteça várias vezes até existir uma vacina e até se atingir imunidade de grupo.

Posto isto, quanto tempo é que vamos estar sem necessitar de um novo estado de emergência só depende de nós, por isso…. tu larga lá o telefone que não vais marcar nenhum churrasco com a malta do ginásio e tu sai debaixo da cama que não te vão cuspir COVID para os olhos. Sejam adultos e, se possível, um bocadinho menos portugueses. Mas não muito, que também não quero acabar com a carreira da Ivete Sangalo.

E aqui ficam as sugestões do dia:

Comédia:

The Comedy Central Roast of Charlie Sheen

Música:

Nine Inch Nails – Downward Spiral

Cinema:

Jason Reitman – Thank You For Smoking

Literatura:

Enid Blyton – Colecção Mistério

 

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