Q Anon much?

por Cronista convidado,    28 Fevereiro, 2021
Q Anon much?
Fotografia de Jon Parry / Unsplash
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Em quase 3 anos, a ideologia extremista do Q Anon, capturou as mentes de milhões de americanos. Mas afinal, o que é, e o que defende o movimento Q Anon?

Acreditam na existência de uma “cabala” a nível mundial, de democratas e republicanos, envolvidos no “deep state”, que domina e monitoriza o mundo e as nossas vidas. Segundo os mais aficionados, esta “organização oculta” é responsável por atrocidades como a pedofilia e o canibalismo, males do mundo que só serão impedidos pelo seu “messias” enviado por Deus. Esse “messias”? Donald Trump, que o fará no dia do apocalipse, conhecido por “The Storm”.

Este movimento teve como embrião uma personagem nas redes sociais, conhecida por “Q”, que através de fóruns próprios, publicava mensagens de índole racista, xenófobo e conspiratória, que serviam de combustível para alimentar indivíduos facilmente extremados, absorvendo estes soundbytes como se da realidade se tratassem. 

O fluxo da mensagem do Q Anon, escalou com a pandemia da covid-19 e durante os primeiros confinamentos, culminando no ataque ao Capitólio dos Estados Unidos da América em janeiro passado. 

Aos olhos do departamento de Segurança Interna da antiga Administração Trump, o movimento não se tratava de um perigo iminente, nem num sinónimo de terrorismo doméstico, nem de violência. A meu ver, esta narrativa cai por terra na invasão à casa da democracia americana, algo que se previa como certo. 

O sentimento reivindicativo deste grupo de indivíduos é característico de quem entende que lhes foi retirada e negada (objetivamente, através do voto) a possibilidade de verem cumprida a profecia de salvação da pátria pelo seu messias.

Se, atentamente, refletirmos sobre quem foram os protestantes que marcharam, embebidos na narrativa de insurreição, pela Pennsylvania Avenue em janeiro, nada nos espanta quando encontramos aficionados do Q Anon na manifestação. Desde o conhecido homem de cara pintada com um chapéu de pele e chifres, passando por funcionários públicos e empresários (com um mural alusivo ao movimento na fachada do seu negócio) e até uma agente imobiliária que chegou aos protestos de jato privado; entre os gritos de freedom e a sua convicção pura nas teorias de conspiração, estes indivíduos tão díspares assemelham-se pela facilidade com que se radicalizaram. 

Mas já lá vamos.

Com o seu “messias” Donald Trump fora de cena (pelo menos por agora) e a profecia da Storm a não se realizar, os seguidores do Q Anon, saltam fora do seu mundo paralelo e confrontam-se com a dura realidade: a verdade nua e crua.

A verdade e o desfecho das eleições, levou a que muita gente das fileiras do movimento o abandonasse. Porém, e mais problemático, foram os indivíduos que não compreenderam os acontecimentos naturais que se seguiram à contagem das urnas, pois foi-lhes incutida uma mensagem dada como certa, que não corresponde à realidade. Vivem no limbo entre o que é verdade e o que não é.  

Este é o perigo iminente da desinformação e do bombardeamento diário de notícias falaciosas, que têm um público alvo bem definido: os indivíduos confusos que facilmente se vão desacreditando da democracia como a conhecemos. Posto isto, existe também um culpado que escolhe deliberadamente não tomar medidas mais perentórias em relação às fake news: O Facebook, que difunde, através de memes, imagens e vídeos manipulados, as mensagens conspiratórias que visam causar a dúvida, o abandono e a confusão.

Ora, e onde há confusão, geralmente há uma janela de oportunidade para, neste caso, grupos neo-nazis e de supremacistas brancos, enriquecerem e incrementarem as suas fileiras, chegando a estas pessoas, extremando-as, utilizando uma linguagem e uma aproximação amigável e cautelosa, omitindo os verdadeiros interesses racistas, xenófobos e de desordem pública, pelo qual de caracterizam estes movimentos. 

A centralidade da narrativa do Q Anon assenta na distorção e difusão dos ideais cristãos e de profecias, como a da Storm

Um estudo da Conservative American Enterprise Institute, revela que ¼ dos evangelistas protestantes brancos e quase 1 em cada 5 cristãos brancos acredita nas conspirações do Q Anon

A utilização da imagem de Cristo para propaganda da insurreição é tão chocante como expectável quando escolhemos fechar os olhos ao perigo deste tipo de radicalismo, que se refugia nos inalcançáveis e incontroláveis fóruns de discussão, corroendo, aos poucos, o nosso sistema democrático. Se formos espectadores, corremos o sério risco, através da indiferença, de contribuir para a erosão do bom senso e da discussão pública e consequentemente da democracia como a conhecemos. 

Veio para ficar a cultura de esperança e certeza total que se deposita em coincidências ou mecanismos de legitimação de teorias conspiratórias, através de sucessivas tentativas de interpretação falaciosa de discursos, mensagens ou ações. 

É um jogo de uma realidade alternativa que muitos indivíduos estão a querer jogar. 

O passo seguinte na problemática do Q Anon prende-se com o facto de expressões como Q Army ( “Exército Q”) surgirem e implicarem a intenção de militarização e adesão a ideais revolucionários de revolta politica, que, aos poucos, ganham terreno dentro destes movimentos, como se viu a 6 de janeiro de 2021.

Hoje assistimos a uma mudança do foco na mensagem: a luta contra as vacinas da covid-19 e do uso de máscaras. No seio da crise sanitária, as teorias conspiratórias adquirem centralidade nas redes sociais, causando dúvida e incerteza. 

Estes movimentos precisam disto. É o seu oxigénio. Assim vencerão, a menos que continuemos, aqueles que querem a estabilidade e a perseverança da democracia, na linha da frente, impedindo a sua erosão e desaparecimento.

Crónica de Tomás Costa
O Tomás frequenta a licenciatura de Ciência Politica no ISCTE-IUL e tem um prazer enorme pela escrita.

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