Procuramos demais enquanto nos encontramos de menos

por Cronista convidado,    24 Setembro, 2020
Procuramos demais enquanto nos encontramos de menos
Fotografia de Priscilla Du Preez / Unsplash
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Temos vindo a procurar, a questionar e a ambicionar cada vez mais, enquanto nos encontramos e conhecemos cada vez menos. Talvez procuramos nos lugares mais prováveis, questionamos as coisas erradas e ambicionamos materiais em vez de sentimentos.

Não me interpretem mal, é certo, que houve avanços úteis na ciência, descobertas importantes para a humanidade e ultrapassámos vários limites da condição humana e das leis da física. Contudo, eu refiro-me à molécula mais importante neste universo infinito de possibilidades, o “Eu”!

Traçamos a nossa estatística de felicidade baseada em comparações com as vidas dos demais, pressões sociais que levam muitos de nós a escolher pelo que parece bem ao invés do que faz bem. Sim, escolher, porque todos os passos são escolhas nossas. Logo, quando me refiro ao “Eu”, é na sua plenitude. Os erros e arrependimentos partem de ti, das escolhas que fazes. Se algo ou alguém te desilude, és tu que escolhes colocar expectativas nisso. Nos momentos em que sentes que algo injusto te acontece, é justo que assim o sintas, mas a vida continua a não te dever absolutamente nada. Somos apenas convidados debaixo desta biosfera. É frio talvez, ver as coisas desta forma, mas a aceitação sempre é menos agridoce que a frustração.

Encontrarmo-nos é também esquecer, nem que seja por momentos, o tempo e o espaço. Nós somos o aqui e o agora, precisamos de parar de regressar tanto a um passado inalterável e deixar de adivinhar um futuro que não controlamos. Os horários laborais diluíram alguns dos nossos relógios biológicos, no que toca a nutrir e a alimentar a mente, o corpo e a alma.

Falo por experiência própria. Tenho 30 anos, tive uma infância feliz, mas atravessei uma fase na adolescência que, agora adulto, consigo entender que se deveu a alguma falta de amor próprio e confiança. Quando questionava a minha personalidade, naquelas conversas que temos sozinhos, jamais ponderava que faria algo para agradar os outros, mas hoje entendo que nunca foi por uma questão de provar seja o que for. Sempre fui criativo e original, mas queria ser aceite. E é aí que está de novo e directamente ligado o “Eu”. Ficou claro na minha consciência que precisava de ser mais Eu, absorver menos e atrair mais. Rodear-me de pessoas que se sintam confortáveis com os meus defeitos e não apenas admiradas com as minhas qualidades. Isso fez-me ser mais vulnerável e orgânico nas relações, o que por consequência tornou as comunicações mais claras e talvez aqueles desabafos circunstanciais muito mais produtivos.

Claro que há toda uma panóplia de condicionantes externas nesta selva de betão que tornam todo este processo menos fácil. Talvez a falta de tempo devido às responsabilidades pessoais e profissionais, mas o maior dever de todos é o teu bem estar. Não adianta ires ao ginásio, vestires a roupa mais cara ou aplicares cremes anti-idade. Todos temos conhecimento de que temos de estar bem connosco para estar bem com o resto do mundo. Mas quantos de nós o praticam na realidade?

Sim, vivemos numa sociedade contemporânea, onde talvez fazer actividades sociais sozinho tem sempre a conotação de alguém solteiro à procura de sexo ou romance. Ainda assim, desafio-te a ires à praia sozinho, atreve-te a entrar num restaurante e pedir mesa para um no melhor lugar da sala. Vai conhecer Lisboa por ti sem teres que dividir a meia dúzia de pastéis de Belém ou então percorre o Gerês sem avisar quando voltas.

De vez em quando, deixa de ouvir os problemas dos outros, encara os teus próprios problemas que adias há tanto tempo por te ocupares com uma vida demasiado social. Ri sozinho, fala com os teus botões e dança sem par. Já existias antes do teu trabalho, do teu casamento ou dos teus filhos. Nem por um segundo confundas esta ideia com isolamento, as nossas relações e experiências sociais são também cruciais no processo de construção do nosso ser, do Eu. Mas citando uma frase do livro ‘Auto Retrato’ de Paulo José Miranda: “a solidão é algo que acontece quando não estás sozinho”. Sugiro que tires um tempo para ti, que aprendas a divertir-te sozinho, a chorar sem ombro e a escalares os buracos pelas tuas próprias mãos. Vai, atreve-te, vive para e por ti, não de um jeito egocêntrico, nem necessariamente de forma excessiva ou radical, mas de modo consciente e pleno. Não ser maior que ninguém, mas sim melhor que tu próprio. Melhor do que ser compreendido, só mesmo estar esclarecido.. Não procures tanto dar um sentido às coisas, encontra-te mais a senti-las. E se te perderes por um bocado? Mais vale perdido do que preso. 

Crónica de João Grilo

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