Porque sou contra a eutanásia

por Luís Osório,    12 Fevereiro, 2020
Porque sou contra a eutanásia
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As minhas razões não são ortodoxas. E respeito os argumentos dos que defendem a despenalização da morte medicamente assistida, até porque a larga maioria das pessoas que me estão próximas (política e pessoalmente) defendem a eutanásia como a única via possível para quem é progressista, a via do respeito pela liberdade individual.

Não é o espaço para defender ou atacar os argumentos de uns e de outros. Ou para escrever sobre o referendo ou a esperada votação parlamentar. Muito haveria a dizer. E muito haveria também a escrever sobre argumentos dos dois lados da barricada – muita gente que combate a eutanásia fá-lo com argumentos pouco sérios e que nada têm a ver com o espírito da proposta de lei que será apresentada. O que estamos a discutir não é a possibilidade de qualquer pessoa que esteja doente poder requerer a morte assistida, a proposta de lei consagrará esse direito (se for aprovada) em condições excecionais e comprovadas por uma junta médica de especialistas.

Mas ainda assim.
Ainda assim, sou contra qualquer forma de eutanásia. Por três motivos essenciais.
Em primeiro lugar, por um motivo pessoal. Em segundo lugar, por um motivo transcendental. Em terceiro lugar, por um motivo político.

O motivo pessoal é fácil de explicar. Cresci numa família comunista. Cresci a ouvir histórias de grande coragem, histórias de sacrifício e abnegação. Conheci pessoas extraordinárias, tive o privilégio de privar na minha adolescência com Dias Lourenço e de conhecer Álvaro Cunhal. E tive o meu pai, claro. Comunista e que foi até ao fim da sua vida, sobretudo na forma como encarou a doença, um homem extraordinariamente corajoso. Foi-lhe diagnosticada SIDA em meados da década de 1980. Esteve quatro vezes em coma. Resistiu a toxoplasmoses e tuberculoses. Foi internado dezenas de vezes, aceitou ser cobaia de medicamentos que pudessem ajudar outros doentes no futuro.

Lembro-me de lhe ouvir os gritos de dor, as alucinações, as quase duas horas que levava a subir três andares do seu prédio, o dia em que arrancou todos os dentes por serem um foco de infeções. E lembro-me também do seu funeral, a bandeira do Partido Comunista no seu caixão e dezenas dos seus camaradas presentes para o aplaudir como um dos seus. Percebi tudo. Percebi finalmente o que ele me dissera entre gritos no Hospital Egas Moniz: “Sabes Miguel, desistir não é coisa que uma pessoa possa fazer quando por aqui passa. Só passamos uma vez e cada um tem de ir até ao fim e fazer o melhor possível. Desistir não é uma opção, lutar é a única opção”. Julgo que quem acredita na transcendência humana não pode defender a eutanásia.

O motivo transcendental é o óbvio. Acredito convictamente em Deus. E acredito que cada um de nós tem um caminho e deve percorrê-lo. É difícil perceber o sentido da vida, é complicado entender tantas iniquidades e injustiças. Gente que tanto sofre, que tanto terá vontade de uma vez por todas poder acabar com tudo. Porém, parece-me que desistir (como diria o meu pai que era ateu) não é uma opção. Cada um de nós deve jogar o seu jogo e viver o que a vida lhe propõe. Beber até ao fim do seu cálice de vida, o cálice que lhe pertence. Julgo que quem acredita em Deus não pode defender a eutanásia.

O motivo político é talvez o mais importante para a discussão que importa. Acredito que o Estado não deveria abrir este precedente e não se pode substituir ao que na vida é natural. Da mesma maneira que o Estado aboliu (e muito bem) a pena de morte, não pode (mesmo que por razões aparentemente benignas) decretar a possibilidade de poder tirar a vida a alguém. Ao Estado cabe ser o regulador do que é coletivo, do que é humano. Ao Estado cabe encontrar as formas mais justas de minorar o sofrimento, de encontrar as melhores soluções dentro de uma lógica de vida, não de morte. Abrir o precedente é concorrer para uma amoralidade que, infelizmente, tem sido crescente. E é abrir uma caixa de Pandora que abrirá o mundo (quando for necessário combater o excesso de população, o envelhecimento ou a escassez de recursos) a novas formas de morte assistida.

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