Por que razão André Ventura desarma os jornalistas

por Cronista convidado,    18 Dezembro, 2020
Por que razão André Ventura desarma os jornalistas
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Não é fácil entrevistar André Ventura. O exercício do Jornalismo pressupõe a existência de alguns consensos na sociedade, do senso comum.

Estávamos mal habituados. Pensávamos que havia conquistas mentais irreversíveis em Portugal. Pensávamos que eram verdades auto-evidentes, por exemplo, que o racismo, o discurso de ódio são coisas más, a solidariedade social, uma coisa boa. Estávamos convencidos de que isto eram dados adquiridos, que já não careciam de demonstração.

Quando André Ventura subverte estes valores básicos, um jornalista fica desarmado. É como entrevistar um assassino inteligente. Se ele afirmar que mata para aliviar a pressão demográfica, qual deve ser a pergunta seguinte? Chamar-lhe assassino não vai desmontar o seu argumento. Mas o irónico é que já não nos lembramos por que razão não se deve matar (não está na ponta da língua, pelo menos).

Há coisas que, nas sociedades evoluídas, desaprendemos. Pois teremos de as re-aprender. É preciso voltar atrás. É preciso voltar à Filosofia, à História, à Cultura. Recordar os fundamentos do racismo e da xenofobia, a evolução do pensamento político, os discursos que promoveram os nazis, provocaram guerras e ditaduras com milhões de mortos às costas.

É preciso ter paciência com André Ventura. Não adianta levantar a voz. É preciso colocar-lhe, com muita calma, as perguntas certas, cultas, racionais, inteligentes, decentes. Deixá-lo a balbuciar os seus arrazoados toscos e infantis. E esperar (pois não é a esperança a última a morrer?) que ele se espalhe ao comprido. É claro que ele fugirá às perguntas, vomitará ódio e ranço até lhe apodrecerem as goelas. Mas aí só cai quem quer.

Crónica de Paulo Moura
Paulo Moura é escritor e repórter freelance. Tem feito reportagens em zonas de crise por todo o mundo. Fez a cobertura jornalística de conflitos no Kosovo, Afeganistão, Iraque, Chechénia, Argélia, Angola, Caxemira, Mauritânia, Israel, Haiti, Turquia, Ucrânia, China, Sudão, Egipto, Líbia, muitas outras regiões e ganhou vários prémios de jornalismo (Gazeta, AMI, ACIDI, Clube Português de Imprensa, FLAD, Comissão Europeia, UNESCO, Lettre Ulisses, Lorenzo Natali, etc.). É autor de 10 livros de não-ficção. Em 2018, vence a primeira edição do Grande Prémio de Literatura de Viagens Maria Ondina Braga, com o livro Extremo Ocidental: Uma Viagem de Moto pela Costa Portuguesa, de Caminha a Monte Gordo. Escreveu também recentemente Hipnose, o seu primeiro romance.

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