Política, a competição das virtudes e o marketing vazio

por João Estróia Vieira,    4 Setembro, 2019
Política, a competição das virtudes e o marketing vazio
Marta Saraiva (@annehail) / CCA
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Joacine Katar Moreira tem sido notícia por o seu partido LIVRE querer eleger a primeira mulher negra à Assembleia da República. Além da possível discussão sobre se se trata de facto da primeira mulher negra eleita (Sinclética Soares Santos Torres foi a primeira deputada negra na Assembleia da República – se eleita de forma livre e democrática será outra questão), e não nos esquecendo nós de todos os deputados negros que há anos são eleitos, inclusive por partidos tendencialmente mais à “direita” que o LIVRE, este chavão trata-se de conteúdo político? Devíamos estar a falar de cor ou de ideias? Deveria ser o próprio LIVRE e a Joacine a afastarem-se dessa discussão vazia e sem conteúdo, é certo.

Não deveriam os jornais tentar que o pouco tempo de antena que infelizmente é dado a partidos como o LIVRE fosse aproveitado para nos serem demonstradas as suas ideias, políticas e conhecer o seu programa político (já disponível) e não para tornar as legislativas numa qualquer redutora  competição policromática, como ambas as partes querem tornar esta questão?

Mas não parece ser vontade dos agentes políticos falar de… política. Em Julho os Fumaça agendaram uma entrevista com Tiago Brandão Rodrigues, Ministro da Educação, para analisar a sua acção enquanto Ministro e as políticas de educação durante o seu mandato. A entrevista, que deveria ter decorrido durante o Festival Paredes de Coura foi, infelizmente, cancelada. De férias na zona, o político não se demonstrou disponível para analisar as suas decisões políticas nestes quatro anos, mas mostrou-se, no entanto, disponível para falar sobre o seu percurso profissional e extra-político.

Fica difícil levar a política (ou alguns políticos) a sério quando são os seus próprios agentes a fugir a um debate sobre a mesma, preferindo a sua autopromoção e as páginas dos seus currículos são muitas delas enganadoras, onde a maior parte das funções por si desempenhadas ao longo da vida foram provisionadas por carreirismo político, onde se vai subindo na “estrutura”. Uma verdadeira e enganadora competição pelo bingo dos pontos de virtude.

Comentei há tempos, entre amigos, que à semelhança de um voto que é decidido por um qualquer facto extra conteúdo político ser um indício de uma péssima decisão, outro indício será também ver a política como um canal de televendas. Devemos mesmo aplaudir os cartazes da Iniciativa Liberal? Criada em 2017, a IL tem sobretudo ficado conhecida pela sua “originalidade” nos cartazes. Um partido repleto de criativos, sim, mas cujas intenções políticas se desconhecem e ziguezagueiam ao ponto de adoptar a globetrotter ideológica Zita Seabra como sua mandatária de campanha.

Depois da ideia “Três Cartazes à Beira da Estrada” tivemos direito ao cartaz #Com Primos, colocado ao lado de um do PS com o seu slogan #Cumprimos. Original, mas a Iniciativa Liberal não é – até ver – uma agência de comunicação. Não é um produto que passe no canal QVC. Porque não usar a criatividade para demonstrar ideias, ou ir um pouco mais além e mostrar o que faria na situação contrária, se fosse poder.

A Política como forma de Marketing ou o Marketing como forma de Política? Os dois rios, separados por uma linha ténue, unem-se finalmente, impossibilitando uma necessária diferenciação. A IL teve a infeliz capacidade de, querendo ironizar, descredibilizar não só o Governo mas também qualquer conteúdo sério que queira mostrar daqui para a frente.

É importante reter que o Marketing não é (ou não deve ser) inconciliável com a Política. Pelo contrário. Ambos sempre estiveram de mão dada, e tudo isto já levou a que se elegesse tantos políticos capazes como incapazes. Será sempre assim. Mas não se terá já desequilibrado a balança em demasia a favor do Marketing? Tanto, ao ponto dos próprios políticos serem o principal produto? O grande problema aparece quando são eles a potenciar esse comportamento. Dizem o que queremos, como queremos, em vez de dizerem aquilo que querem e o que irão fazer.

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