Pedro Azevedo: “O Aleste é um anti-festival e nasce para ser um dia de praia, uma residência artística e uma noite de clubbing”

por João Rosa,    21 Maio, 2019
Pedro Azevedo: “O Aleste é um anti-festival e nasce para ser um dia de praia, uma residência artística e uma noite de clubbing”
Aleste 2018 / Fotografia de Ana Viotti
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A menos de uma semana do arranque do Aleste em modo arraial-praia, que decorre de 24 26 de Maio, falámos com Pedro Azevedo, figura-proa e programador do festival nas suas várias vertentes. Pedro, natural do Funchal, é também programador do Musicbox e do Festival MIL, bem como responsável por incendiar pistas sob a identidade de La Flama Blanca. E é pela sua voz que descortinamos o que torna o Aleste tão especial.

O Aleste é um festival ainda jovem, apesar de já ter seis anos. Como é que vês a evolução do festival deste a primeira edição até à actual?
A evolução é muito simples: não existe. E não existe porque nós não consideramos o Aleste um festival. Apesar de muitas vezes, na forma corriqueira como falamos, o mencionarmos como festival, ele para nós não nasce com o objectivo de ser um festival; mas sim com o objectivo de ser um anti-festival. Há seis anos atrás eu e dois amigos queríamos fazer um festival…isto pode parecer um pouco confuso, mas eu fiquei bastante cansado do habitual formato de três dias, com imenso investimento e grandes dimensões. Ainda para mais numa realidade como a da Madeira naquela altura, não fazia sentido nenhum concentrarmos as coisas dessa forma e ficarmos presos ao formato habitual. Então o Aleste nasce para ser um dia de praia, uma residência artística e uma noite de clubbing — três actividades que se estendem ao longo do ano. Portanto a evolução, do ponto de vista do Aleste “Arraial”; ou seja, aquele que nós consideramos como o “Arraial de Maio”, não existe. O formato é o mesmo, são seis a sete bandas num sítio incrível, em que a ideia é dar uns mergulhos com uma música brutal. Onde temos uma evolução é na Carta Branca, uma residência onde tivemos, por exemplo, o Moullinex com a Discotexas Band onde criaram a primeira música juntos; demos também guarida ao Filho da Mãe para criar o seu primeiro disco, onde os Paus também estiveram a criar o Madeira connosco, onde o Tigerman está a terminar agora de filmar uma curta metragem, e onde o Norberto Lobo começou hoje mesmo a sua residência — portanto o Aleste evolui nas suas ramificações e na sua actividade ao longo do ano. Aquilo que acontece no final de Maio, é, pura e simplesmente, uma granda festa. Sem querer criar expectativas, podia estar aqui a dizer que estamos a crescer, a subir, tudo isso acaba por ser verdade. Mas a verdade é que continua a ser uma grande festa — e queremos que se mantenha assim: um evento pequeno, para mil pessoas, quase locals only; para criar um sentido de comunidade muito grande. Dizer isto pode ser um cliché, mas as pessoas que lá estão, estão juntas a curtir um dia de praia que começa às 3 da tarde e acaba à meia noite.

Aleste 2018 / Fotografia de Ana Viotti

Acerca das várias vertentes do Aleste que falas: como programador, como é que descreverias os vários eventos? Qual é o conceito de programação de cada uma das festas?
No caso de Dezembro [Aleste Ilhatrónica] pretendemos trazer um tipo de clubbing diferente daquilo que existe e se ouve na Madeira. Temos uma cultura clubbing muito forte e muito diversificada, mas também dentro de um género mais comercial: pop e bastante techno. E aquilo que nós tentamos fazer com o Ilhatrónica é levar coisas…um bocado fora. Por acaso este ano não vamos ser assim tão fora quanto isso: vamos ter o DJ Vibe e o Moullinex; mas no ano passado, por exemplo, foi o Conan Osiris — novíssimo na Madeira. Já trouxemos o Elijah Wood [Wooden Wisdom] bem como Nightmares on Wax, que fizeram a primeira warehouse rave da Madeira. No caso do Carta Branca, na verdade, é um desafio muito interessante — não partimos de um Carta Branca com uma ideia para um próximo. Acaba por vir de conversas com muitos músicos e da partilha de muitas ideias do que eles gostavam de fazer. Eu acabo por ser o gajo que está lá no meio e que diz: “E se nós fizéssemos isso?”…e fazemos! [risos]

No caso do Tigerman, ele esteve a fazer um filme com base no Fauno da Montanha: deu ali uma volta e reinterpretou o texto de uma forma incrível usando instrumentos regionais enquanto filmava com o Pedro Maia. No caso dos Discotexas, estavam bloqueados e queixavam-se que não conseguiam compôr nada juntos…então pusémo-los uma semana num sítio paradisíaco isolados de tudo e saíram de lá com três malhas novas. Ou seja, acaba por partir muito da circunstância — não te posso dizer, por exemplo, que a minha Carta Branca para o próximo ano já esteja definida; acaba por depender muito de falar com os músicos, discutir ideias, explicar o projecto, criar awareness: dar-lhes a liberdade de chutarem ideias, por mais estúpidas que sejam; off-projects, algumas coisas assim um bocado mais fora que não consigam fazer com os recursos normais…pensem em nós. Tem sido um bocado esse o nosso percurso…feito de muito boa onda essencialmente.

Ao ter esse tipo de actividades na ilha durante todo o ano, desde o início do Aleste, sentes que isso contribuiu para a cultura da Madeira no geral?
Sem ser presunçoso, acho que temos um contributo bastante positivo para o panorama cultural regional. Até porque, apesar de termos alguns apoios da Câmara Municipal e de algumas marcas, somos independentes na nossa forma de trabalhar e de programar. Portanto não deixamos que esses apoios afectem a nossa programação, nem temos dores de crescimento: já tivemos várias propostas para mudar para sítios maiores, para ter uma lotação maior…e a verdade é que esse não é bem o nosso interesse. Até porque hoje em dia, tu consegues chegar um milhão de pessoas tendo um evento só para mil. Este ano sofremos um bocadinho uma alteração de formato e acrescentámos mais dois dias, que acabam por ser extra ao Arraial e de entrada livre. Enfim, todos os anos acabamos por adicionar mais qualquer coisa ao festival e endividarmo-nos ainda mais. [risos]

Aleste 2018 / Fotografia de Ana Viotti

Aproveitando o tema dos espaços: o ano passado tiveram de mudar de sítio, para o Complexo Balnear da Ponta Gorda, mas este ano regressam à Barreirinha, local emblemático desde a primeira edição do festival. Podes falar-nos um pouco da escolha deste local?
A Praia da Barreirinha é um sítio emblemático: é a primeira praia pública no Funchal. É um sítio mágico, com uma vista absolutamente deslumbrante. É muito difícil de explicar sem lá estares: é um complexo balnear muito anos 80 mas também com uma vista brutal e muito, muito próxima do mar. Esse, aliás, é um dos problemas; porque o Aleste calha sempre na altura de mudança de marés e o mar acaba por engolir parte do espaço. O que é…divertido. [risos] E propicia coisas incríveis…eu lembro-me do Tigerman atirar a guitarra ao mar e há uma miúda que salta e vai buscá-la!

O ano passado não fizemos o evento na Barreirinha precisamente porque o mar galgou a praia e estragou o local, que ficou em obras. Tivemos, portanto, que ir para um segundo complexo balnear — muito maior — e, nesta edição, decidimos não continuar lá. Não por não gostarmos do espaço, que é absolutamente incrível e ideal para um futuro crescimento…mas a verdade é que não são essas as nossas dimensões. Voltámos para a Barreirinha porque o Aleste é isso. No dia em que quisermos fazer alguma coisa maior vamos escolher um local adequado, mas já não será o Aleste, será outra coisa qualquer. Há uma proximidade muito cozy no nosso formato, muito terra-mar, e não queremos que o evento se torne em alguma coisa para o qual não foi pensado inicialmente. Podemos acrescentar mais actividades, mas queremos que o espírito e que o ambiente do festival se mantenha. E indo para um espaço maior perdemos isso.

Chegaste a mencionar noutra entrevista há algum tempo que o Aleste era feito ainda principalmente para a população local, ao invés de um público nacional ou internacional. Achas que é necessário de alguma forma acomodar o público que acaba por viajar para a Madeira de modo a fazer férias no Aleste?
Sabes, este ano vamos bater o record de pessoas que vão do Continente para lá…maioritariamente amigos, mas, lá está, é um festival para mil pessoas. A população jovem da Madeira anda à volta dos 70-80.000, num universo de 250.000 pessoas. Ou seja, acaba por fazer todo o sentido trabalhar primeiro para aquelas pessoas. Como é óbvio, toda a gente é bem vinda! Eu quero muito que as pessoas do continente descubram o Aleste, mas quero que o descubram de forma orgânica e natural — prefiro que seja porque vens cá e contas aos teus amigos que descobriste um sítio brutal na Madeira do que por algum tipo de comunicação massiva a chamar o pessoal para vir passar férias ao Aleste. Até porque, muito honestamente, as férias acabam por ser três dias a beber poncha! [risos] Afinal, temos seis anos de experiência com pessoal que vai, e é basicamente isso. Mas continuam a ir. E apesar de no festival em si não teres muitas vistas além do percurso até à Barreirinha, o pessoal percebe que a Madeira é um sítio incrível para estar e acaba por voltar em turismo.

Aleste 2018 / Fotografia de Ana Viotti

Já que falamos da poncha: uma das inovações deste ano é o Poncha Puxa Poncha, um circuito pela cidade bem regado pela bebida local. Como é que este evento se enquadra com o resto da festa?
É simples, e é precisamente a pensar no pessoal que começa a vir do continente para a Madeira. Nós sempre fizemos um pequeno warm-up na Barreirinha, mas sempre foi uma coisa não oficial. Este ano decidimos oficializar a festa e demos-lhe um contexto, que foi fazer um roteiro por ponchas…até para o pessoal acabar por conhecer mais sítios sem ser o habitual percurso Hotel-Barreirinha. Felizmente temos a Merrell, que é um grande parceiro e que nos ajudou a produzir e a idealizar este evento…e no fundo vamos esperar que no final do circuito o pessoal ainda esteja com sanidade suficiente para ver Conjunto Corona. Vai ser interessante no mínimo.

O Aleste tem uma programação relativamente eclética. Como reage o público das ilhas? Sendo tu também programador do Musicbox, em Lisboa, qual a diferença que vês entre os dois meios?
A população reage como qualquer outra. Acho que o segredo do Aleste está na forma e sequência das coisas acontecerem. Ou seja, não é estranho tu apanhares uma banda como ZA! entre Bateu Matou e a Selma Uamusse. Se fossem só eles sozinhos talvez o pessoal estranhasse e achasse esquisito, mas — puxando a brasa à minha sardinha, o flow do próprio dia é decisivo para que as pessoas não estranhem e para que a programação faça sentido. Em relação ao exemplo de Lisboa e do Funchal, acho que as pessoas acabam por ter a mesma receptividade. A população, hoje em dia, com a internet, acaba por ter o mesmo acesso à informação quer esteja na capital ou numa região periférica — regiões onde, até há pouco mais de uma década era de facto difícil teres acesso a música nova. É interessante, porque eu programo o Aleste e o Musicbox exactamente da mesma forma: apontando para o mesmo feeling e acreditando que as pessoas vão reagir como pretendo. E até agora tem sido uma experiência muito interessante, porque verifico que não há efectivamente qualquer tipo de diferença. Uma das coisas que nos fez definitivamente continuar com este projecto foi, precisamente, ter arriscado tanto no primeiro ano e a reação ter sido incrível, como tem sido todos os anos. Há ainda uma energia extra em relação a teres estes concertos de pessoas que segues e gostas na tua casa; trazemos pessoal que toca pela primeira vez na Madeira. Por outro lado, começas também a ter mais eventos: está a decorrer neste momento no Funchal outra festa onde tocam os Dead Combo, por exemplo. Já não somos assim tão periféricos, apesar das viagens ainda continuarem a ser chatas. Hoje em dia só está longe quem quer.

Aleste 2018 / Fotografia de Ana Viotti

Actuas ainda no último dia como La Flama Blanca, com o Kelman Duran. Estando envolvido no festival a tantos níveis, o que podemos esperar para a festa de encerramento?
É a única pergunta à qual não te sei responder [risos]. Acaba por ter muito a ver com o que se estiver a passar no momento. Sou mega fã do Kelman Duran e é um verdadeiro guilty pleasure estar a programá-lo. Vai ser um domingo em que provavelmente todos vão estar de ressaca no local com a melhor vista sobre o Funchal…vai acontecer no terraço [do Castanheiro Boutique Hotel], e pelo menos pelos cocktails e pela vista, já ganhou.

Para terminar: para quem viaja para o Aleste na sexta-feira, qual é o roteiro e a bagagem recomendada?
A bagagem é Guronsan…e o roteiro é deixar as malas no hotel e seguir para a Barreirinha. Até porque para lá só há uma estrada, não tem como enganar.

O Aleste, na sua vertente mais marítima, ocorre de 24 a 26 de Maio na Madeira, no Complexo Balnear da Barreirinha, contando com as actuações de Selma Uamusse, Lena d’Água com Primeira Dama, ZA!, Norberto Lobo, Conjunto Corona, Bateu Matou, Maria, Black, La Flama Blanca e Kelman Duran.

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