Pearl Jam procuram a sua paz com ‘Yield’

por Daniel Dias,    13 Julho, 2018
Pearl Jam procuram a sua paz com ‘Yield’
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A rapidez com que os Pearl Jam ascenderam ao estatuto de super-estrelas foi desde sempre encarada pela banda com uma certa dose de incómodo. O seu álbum de estreia saiu apenas breves semanas antes de Nevermind irromper e alterar profundamente o panorama geral de Seattle. O cinzento estado inesperadamente acabaria por se tornar alvo de tremendo escrutínio mediático devido ao fenómeno Nirvana. Muito se escreveu sobre este novo epicentro musical e o seu movimento: a música agressiva e por vezes deprimente que os seus grandes talentos tocavam divergia consideravelmente do rock demasiado polido e teatral que se popularizara nos anos 80. Mark Arm, dos influentes Mudhoney, anedoticamente baptizou a cena de grunge. O nome colou. E os Pearl Jam foram colocados bem no meio dele.

Pearl Jam, Los Angeles, em 1993 / Fotografia de Neal Preston

Muitas das principais figuras da cidade – nomeadamente os próprios Nirvana e Pearl Jam – olhavam para o mundo das celebridades como algo tóxico e exaustivo. E a verdade é que a segunda metade dos anos 90 revelou-se um período de mudanças nesse sentido para várias bandas associadas ao termo. Os Screaming Trees saíram-se com Dust em 1996, mas esse disco (até hoje reverenciado e tido por muitos fãs como o melhor do grupo) seria essencialmente o canto do cisne para a banda de Mark Lanegan. A distância que separava as silhuetas dos membros dos Soundgarden na capa de Down on the Upside quase aludia subtilmente às tensões internas que se manifestaram no seio do grupo durante a sua produção: o álbum no qual continuaram a exploração de novos territórios musicais que tinham iniciado com o icónico Superunknown seria também o último antes de uma separação que duraria mais de uma década. E o brilhante disco homónimo dos Alice in Chains (1995) era o som de uma banda em processo de desintegração. É a atmosfera claustrofóbica e emocionalmente pesada do mesmo que o torna num dos mais preciosos registos de toda aquela era… mas ela também causava desgosto por brutalmente dar conta da saúde cada vez mais frágil de Layne Staley.

Os Pearl Jam continuaram nesse tempo a disparar activamente contra a sua própria fama, mas conseguiram manter-se juntos e continuar a inovar. Vitalogy (1994) foi o seu primeiro acto desafiante: a produção menos polida e os vários interlúdios que se demarcavam do seu registo habitual fizeram deste um trabalho intencionalmente menos acessível do que os seus antecessores. O álbum mostrava uma banda disposta a fazer o que fosse preciso para ter liberdade criativa e fazer as coisas à sua maneira – independentemente de expectativas externas que pudessem existir a seu respeito. Se era difícil controlar o que o fim repentino da privacidade trazia ou aquilo que era provocado por exigências das editoras… era possível exercer um controlo maior sobre a música. As incontornáveis “Not For You” e “Corduroy” ou a metafórica “Bugs” servem apenas como alguns exemplos de temas a tocar precisamente nestes tópicos.

Pearl Jam em Amesterdão, Holanda, em 1992 / Fotografia de Paul Bergen

Vitalogy trouxe uma dose de experimentalismo à sonoridade dos Pearl Jam que até à altura tinha tido uma expressão mais reduzida. Foi esse experimentalismo que os permitiu fazer No Code em 1996. Este apropriou-se das bases lançadas pelo primeiro e continuou a trajectória libertadora do grupo. Eles cresciam e redefiniam-se sucessivamente enquanto o mundo inteiro analisava os seus passos: a banda explorava novos processos criativos como um antídoto para fugir de rótulos, mas partia em busca de si própria também. O disco confundiu quem apenas os conhecia por “Alive” ou quem preferia que a banda repetisse a fórmula de Ten vezes sem conta. Mas os Pearl Jam em 1996 eram já uma banda muito diferente dos Pearl Jam de 1991. O Eddie Vedder de 1996 era um indivíduo mais maduro: um homem fustigado pelas pressões de ser um contrariado símbolo de uma geração, mas determinado em encontrar o seu refúgio e um sítio para deixar os holofotes. O grupo reflectia sobre o que de pior tinha a fama nalgumas das suas músicas mais ferozes (“Habit” e “Lukin” são os principais exemplos) mas as narrativas de “In My Tree” ou ainda da arrebatadora “I’m Open” simultaneamente registavam uma fase de plena metamorfose e escapatória.

Isto tudo levaria a Yield, mas o caminho para chegar a esses estados foi um de alguns tumultos. As lógicas de hierarquia interna na banda alteraram-se na altura em que estava a ser terminado Vitalogy. O protagonismo criativo que pertenceu a Stone Gossard e Jeff Ament nos tempos iniciais – particularmente quando escreveram os temas basilares de Ten – passaria a ser de Eddie Vedder a partir do terceiro disco de estúdio. A sua necessidade quase obsessiva de se expressar artisticamente sem barreiras acabaria por eclipsar ligeiramente algumas das ideias dos seus companheiros nesses anos, mas a verdade é que em 1998, o vocalista sentiu o peso de fazer tanta coisa sozinho. Foi por isso que quis que Yield fosse diferente e traduzisse um esforço colaborativo por parte de toda a banda. E é por isso que esse mesmo disco marca um momento de tremenda importância na história dos Pearl Jam.

Mike Mcready, Chris Cornell e Eddie Vedder em 1992 / Fotografia de Lance Mercer

Yield mostrou a banda com uma serenidade colectiva que havia sido incapaz de demonstrar durante anos. Os tópicos sombrios com que desde sempre lidaram continuavam a estar presentes, mas a forma de os abordar era diferente. Ten e Vs. foram discos em que reinaram a agressividade e a incansável energia. Identidades fracturadas e inacessibilidades tiveram um impacto profundo no conceito de Vitalogy e No Code. Yield foi um álbum em que os Pearl Jam puderam finalmente respirar fundo e renascer. É certo que algumas das suas grandes ansiedades ainda se manifestavam… mas encontrar um caminho para as superar importava agora mais do que apenas gritar contra elas.

É essa atitude positiva que inspira o tom calmo e ondulante de algumas das passagens mais marcantes do disco. A intensidade que faz parte do ADN dos Pearl Jam está presente num grande número das suas melhores músicas, e Yield certamente tem isso em conta: as incisivas “Brain of J.” e “Do the Evolution” assumem-se como momentos altos num álbum cheio deles. Mas a magia parece ser ainda maior quando o ambiente é mais introspectivo. “Low Light” vagueia com um tom que é emocionado mas também esperançoso, e atrai por causa de toda a sua subtileza. A extraordinária vulnerabilidade com que Vedder canta os versos de “Wishlist” faz do tema um dos mais impactantes dos Pearl Jam, e a sua poesia em “Faithful” absolutamente encanta do início ao fim, sendo acompanhada de forma perfeita pelo ritmo estabelecido por Jack Irons e a melodia cristalina das guitarras.

Pearl Jam em 1992 / Fotografia de Lance Mercer

Talvez por causa do bom ambiente vivido no estúdio, Yield parece ser o álbum em que os Pearl Jam se mostram mais confortáveis com eles mesmos e a sua identidade musical. A natureza livre e por vezes quase animadora de “MFC” ou “Pilate” mostra uma banda em sintonia e a tentar superar as adversidades de uma forma menos conturbada que no passado. Isso também se verifica em “All Those Yesterdays”: a faixa de encerramento vai crescendo gradualmente a partir do riff de Stone Gossard até culminar num forte golpe final bem ao estilo do grupo. A frase “it’s no crime to escape” é repetida algumas vezes, e de certo modo resume várias das ideias recorrentes expressadas ao longo do disco. As pérolas maiores de Yield também se ligam a essas ideias: “In Hiding” e “Given to Fly” atribuem um grande enfoque a essa busca pela tranquilidade. Elas sobem e descem de tom com mestria, e a catarse é poderosíssima quando atingem os seus maiores voos.

Yield é um daqueles discos que merece um cantinho especial na história dos Pearl Jam. Ele surgiu numa fase da carreira em que a banda começava a acusar o stress da constante correria. Foi com o quinto disco que aprenderam a ter paz com o seu próprio som, e pode dizer-se que aprenderam a ter alguma paz nas suas vidas pessoais também. Lidar com a popularidade foi um mistério indecifrável para o grupo durante os seus primeiros anos, e algumas respostas erradas ou confusas foram dadas enquanto tentavam descobrir o que fazer. A sua música (nomeadamente em No Code) funcionou em períodos como um veículo para o caminho certo ser mais facilmente encontrado, mas foi com este álbum que uma ideia de descanso se instalou. As temáticas por detrás de muitas das letras que podem ser aqui encontradas e ouvidas têm muito que ver com as vivências do grupo e o modo como o tempo os ensinou a agir com mais calma. Yield representa uma procura pela paz e também a era em que banda aprendeu a realmente trabalhar em conjunto: sabendo hoje como ela funcionaria e traçaria o seu percurso depois deste disco, percebe-se em que medida constituiu um importante ponto de viragem. Há no disco uma tristeza mas também uma tentativa humilde de a contornar. É por isso que tantos fãs dedicados da banda se relacionam com ele a um nível profundo. E merece esse estatuto por completo.

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