‘Paterson’, quando o dia-a-dia de uma pessoa comum dá um filme poético

por João Estróia Vieira,    3 Julho, 2017
‘Paterson’, quando o dia-a-dia de uma pessoa comum dá um filme poético
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Dado a conhecer no último Lisbon & Estoril Film Festival, Paterson estreia agora oficialmente nas salas de cinema portuguesas. Obra última de Jim Jarmusch, e com um Adam Driver diametralmente diferente do seu Kylo Ren, Paterson chega para nos mostrar que os sonhos, a gentileza e a banalidade do dia-a-dia resultam (e de que forma) num filme poético, lindíssimo.

Paterson (Adam Driver) é um condutor de autocarros com o nome da localidade onde habita. Mas é também um poeta; um poeta silencioso, um poeta anónimo e um poeta que escreve para si, para o seu bem-estar, para a sua alma, e que escreve sobre as coisas simples da vida, sobre as coisas que vê, seja pela janela do autocarro, seja nas suas pausas para comer durante o dia – também ele perfeita e harmoniosamente banal – de trabalho. Fã de William Carlos Williams, escreve a sua poesia em cadernos que guarda religiosamente e que não tem como objectivo mostrar a outros: é para si que ele escreve.

Neste filme de Jim Jarmusch, Adam Driver consegue transmitir no seu rosto toda a gentileza e paz de espírito do Mundo enquanto no interior lhe vemos alguma luta (e para a qual, como pista, nos é mostrado o passado de Paterson no exército). Há uma ideia de serenidade constante no filme por parte de Paterson, seja através das suas idas ao café, à noite, onde bebe tranquilamente uma cerveja ao balcão depois de passear o seu bulldog inglês, Marvin, ou através da forma como apoia todos os sonhos fugazes da sua companheira, Laura (a bela Golshifteh Farahani, estrela de About Elly, de Asghar Farhadi) que ora quer ser pasteleira ora sonha ser cantora. Invariavelmente, Paterson apoia-a nessa autodescoberta, acordando todos os dias amando-a como o fez no dia anterior e beijando-a antes de ir para o trabalho. Afinal é só mais um dia, tão igual e diferente como os outros também o são.

Mas em toda essa suposta “banalidade” de acontecimentos, Jarmusch, como mestre que é, guia-nos até à sua beleza, mostrando-nos que tudo é objecto de apreciação, ensina-nos a observar a beleza que tantas vezes nos passa despercebida no dia-a-dia; coisas de quem passa tantas vezes por um sítio que já não se abstrai nem tão pouco repara já nos pormenores. Através dos olhos de Paterson, que vêem o que já pouca gente vê, passamos também nós a reparar nesses discriminados pormenores, à medida que acompanhamos intimamente a escrita e leitura dos poemas de Paterson que nos aparecem em ecrã.

Esta nova obra de Jim Jarmusch é um filme que nos faz ver a beleza onde geralmente a ignoramos. Visualmente rico e meticuloso, resulta também num sem número de planos perfeitamente orquestrados e filmados por Frederick Elmes, o mesmo de Blue Velvet, Night on Earth ou Broken Flowers, a quem deverá ser creditada grande parte da poesia visual que temos o prazer de ver ao longo da obra.

Paterson tem o condão quase mágico de nos trazer de volta ao Cinema que convive em perfeita comunhão com a sua assumida simplicidade. Em tempos de efeitos especiais ou vilões, Paterson volta a recordar-nos que um bom filme não precisa obrigatoriamente de nada disso para nos conquistar. Jim Jarmusch dá-nos aqui um saudoso regalo para a mente naquele que é um dos acontecimentos cinematográficos do ano e que nos dá uma tremenda lição: havendo limites para o que podemos fazer na vida, não os há para a nossa mente, nem para a nossa criatividade.

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