Os Slowdive amoleceram e iluminaram o Hard Club

por Lucas Brandão,    11 Março, 2018
Os Slowdive amoleceram e iluminaram o Hard Club
© Jessica Ferrerons / BINAURAL, no concerto em Barcelona, 6/Março/2018
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Depois de uma ida bem conseguida a Lisboa, no seu regresso a Portugal, os Slowdive também se deslocaram ao Porto, na noite chuvosa de 9 de março de 2018, sexta-feira. O vento não dava tréguas fora das imediações do recinto, e aqueles que ali entravam procuravam o conforto e o enlevo. Foi assim que se depararam, antes da banda inglesa, com os Dead Sea, de origem francesa. Foi a abertura ideal, colorida com a robustez instrumental e um vocal feminino que antecipou da melhor forma a voz de Rachel Goswell. Uma banda jovem, descomprometida com os pretéritos e os cânones, dedicada apenas a fluir a bom fluir pelos interstícios de experimentar e de arrasar, enquanto se sintonizava com a incandescência que pintava o público.

O aquecimento estava feito, e bem feito, quando a badalada e retornada banda de Reading, Inglaterra, foi recebida sob uma forte ovação do público portuense, de hábitos hospitaleiros, que tinham abraçado a música dos Dead Sea com emoção e entusiasmo. Neil Halstead carregou a guitarra, assim como o foi fazendo Rachel Goswell, para além da pandeireta e do teclado, com os dois a entoarem as letras das suas composições. Christian Savill acompanhou na sua delicada guitarra, assim como o irredutível baixista Nick Chaplin e o imponente baterista Simon Scott.

Os efeitos visuais cruzaram-se com as dinâmicas de cada membro da banda, em movimentos diferenciados, mas que se uniam na essência deste grupo. De meias e botas vermelhas, Rachel dançava com subtileza e suavidade, mesmo nos riffs mais pronunciados do poderio introspetivo de Chaplin e da despreocupação talentosa de Neil. Cada música soava a uma experiência diferente, denunciada para lá do mero reconhecimento da faixa. Quem era fã e não conhecia, passava a embrenhar-se nesta como uma experiência completa, onde todos os sentidos eram convidados a alinhar e a fazer parte de uma articulação que poucos conseguem conferir.

© Jessica Ferrerons / BINAURAL, no concerto em Barcelona, 6/Março/2018

O experimentalismo dos Slowdive nunca se viu dissociado das suas origens de rock, como ilustram os instrumentos. O início contou com algumas partes do seu mais recente álbum, Slowdive, lançado no ano passado. O público mostrava-se, grosso modo, familiarizado com as boas novas que chegavam aos palcos portugueses pela segunda vez, e que iam envolvendo aqueles que enchiam o Hard Club. A mística nunca se esmoreceu, construída e sustentada pelos que iam emprestando palmas a meio das canções, quando os solos de bateria e de guitarra a isso convidavam. Os finais das músicas foram, todos eles, acompanhados por uma calorosa receção, de quem esperava ser maravilhado e conquistado pelo presentear musical dos britânicos.

Os clássicos não foram esquecidos, enriquecidos por essa carga de efeitos, que mostrou a identidade de cada canção. “Alison”, “40 Days”, e, em especial, “When the Sun Hits” foram interpretadas memoravelmente, como faixas que ecoam desde essa rica década de 90, em que Souvlaki (1993), álbum que alberga estas faixas, conheceu as lojas. Entre outras das músicas que fizeram dos Slowdive um dos grupos que marca mais o shoegaze como género musical, foram ouvidas “Sugar for the Pill”, “No Longer Making Time”, “Golden Hair” e “Don’t Know Why”, para além de uma emotiva cover de Syd Barrett, uma das influências do grupo, à música “Dagger”, que impactaram esta sessão experimental e sensorial.

Em suma, o regresso dos Slowdive à cidade Invicta, dois anos depois do Primavera Sound de 2014, veio amadurecido, acompanhado pelas novas experiências conferidas pelo novo álbum. Foram estas que tão bem caíram no sentimento e na energia do público que preencheu o Hard Club com uma busca por um intimismo que não se prendesse na inércia melancólica. Inércia está longe de ser uma premissa da música dos Slowdive, assim como daquela que foi mostrada pelos Dead Sea (nome a reter nos próximos lançamentos e momentos musicais). Apesar de historicamente avessos, os franceses e os ingleses trouxeram um pouco do mesmo, daquilo que faz do Porto ser a cidade que é: personalidade, identidade, vontade, vitalidade. Garra, determinação e poderio foi tudo aquilo que se sentiu e que coloriu o espírito de quem viu e que se deixou ir mais além, na experiência da luz musical que soube amolecer e iluminar a dureza do Hard Club.

Fotografias tiradas por Jessica Ferrerons, da revista online Binaural, no concerto de Barcelona (6 Março 2018)

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