“On My Ones” personaliza as notas do piano de Alfa Mist

por Lucas Brandão,    6 Março, 2020
“On My Ones” personaliza as notas do piano de Alfa Mist
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O piano de Alfa Mist já é ouvido desde 2015, quando o londrino lançou o seu primeiro EP. A Nocturne, seguiu-se o álbum Antiphon (2017) e Structuralism (2019). No entanto, a sua carreira é marcada por muito mais que um caminho a solo, pautando por uma colaboração constante com outros artistas da nova vaga do jazz britânico. Numa clara mescla com o R&B e com o hip-hop, Mist já colaborou com os cantores e compositores Tom Misch, Jordan Rakei ou Barney Artist, assim como com os instrumentistas Yussef Dayes ou Mansur Brown.

Porém, On My Ones é um EP que chega sem contar com a colaboração de qualquer outro artista com quem, regularmente, vem atuando. Ao todo, são seis faixas que compõem este novo trabalho, que é pautado por um discurso menos ‘jazzístico’, embora sem nunca o abandonar. São, todas elas, improvisações que se reúnem numa clara inspiração na música de Miles Davis e do pianista Thelonious Monk, mesclada com os cânones da música erudita e com os seus vanguardismos, e aos quais se junta a composição de Hans Zimmer, trazendo assim uma nova dinâmica à música de Alfa Mist, desde cedo empenhado na inspiração trazida pelo jazz. As vibrações transmitidas são, em muito, similares às que Kamasi Washington traz na sua música. O EP começa com “High Risk”, que traz um ritmo muito caraterístico de Mist, articulando a intensidade do jazz que já domina com alguns traços do minimalismo da composição musical francesa, como de Erik Satie ou Claude Debussy. “Sorry” segue-se, marcado por um ritmo relativamente rápido e compassado, embora sem deixar de captar uma certa nostalgia, um pouco similar às sensações de “High Risk”.

“L4” dá seguimento a um percurso que, embora não se possa dizer que é feito daquele jazz puro e duro, não deixa de ter as suas vibrações e de ser uma forma mais íntima e identitária de o produzir. Não se faz sentir a necessidade de voz, que muitos dos trabalhos anteriores trouxeram, sendo que a música vale por si mesma. Mist vai em busca das suas origens académicas em “Newham Village”, onde esteve e onde começou a criar as suas primeiras músicas, ainda adolescente. É uma faixa um pouco mais densa, embora sempre devidamente harmoniosa e marcada por uma consistência musical notável, sem nunca procurar o ruído ou a distensão.

“Amigo” é, possivelmente, a música com maior densidade, mais encaminhada a partir de um ritmo mais grave e profundo. Talvez se possa efetuar o paralelismo com a profundidade que uma amizade tem, na medida em que tão bem consegue descodificar o que de mais íntimo existe e que, nem sempre, as palavras conseguem exprimir. Desta feita, a música é a grande amiga de Alfa Mist. Acaba de forma límpida e magnífica, sentindo-se uma intermitência tonal que encontra a sua estabilidade no final. Por fim, “Withered”, lançada como single pouco antes deste EP, é a protagonista deste mesmo trabalho, consolada por um ritmo que já cheira mais a jazz, embora sem nunca abandonar aquela veia introspetiva que tanto carateriza o percurso do artista. Quase soa a despedida deste pequeno enredo em que se pôde vislumbrar a intimidade musical de Alfa Mist, que se concretiza com tal ternura e harmonia como se faz valer de uma composição de encher o ouvido e o coração. É uma trepidação leve mas necessária, de não fazer esquecer que, afinal, o jazz é o que mais marca a sua identidade artística.

Alfa Mist revela, assim, uma faceta bem mais íntima da sua música, colocando o piano como uma espécie de confessionário das emoções traduzidas em notas. É um achado, este músico, embora já tenha carreira feita há mais de cinco anos. De igual modo, é um dos bons valores do jazz que vem crescendo e efervescendo no ambiente suburbano londrino, no qual são muitos e bons aqueles que se vêm juntando a Mist. O futuro é radioso para um género musical que tão bem sabe cozinhar com os ingredientes deixados pelo hip-hop — onde se denota a influência do produtor J Dilla — pelo R&B e pelo soul — nas vozes de Sam Cooke, D’Angelo ou de George Benson — mas também do jazz tradicional — com a inovação de Miles Davis ou de Herbie Hancock. Mesmo quando o caminho é outro, nomeadamente o da música mais erudita, também não fica mal o risco. Alfa Mist é a prova disso, afiançando tão ternurenta e reconfortante pegada musical.

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