Olhar o Menino

por Frederico Lourenço,    21 Dezembro, 2018
Olhar o Menino
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São bem conhecidas as palavras de São Paulo: «todos nós, que fomos baptizados para Cristo Jesus, para a morte dele fomos baptizados» (Romanos 6:3).

E se, em vez de sermos baptizados para a morte de Jesus, fôssemos baptizados para o seu nascimento? Que cristianismo seria então esse – um cristianismo do presépio, e não um cristianismo da cruz?

Num texto escrito há uns anos para o Expresso, chamei ao Natal «a verdade de uma ficção», apostando conscientemente no oximoro para exprimir a ideia de que as histórias em torno do Menino nascido de uma virgem em Belém podem ser ficção, mas encerram uma verdade que é preciosa para a espécie humana.

Aquilo de que não precisamos no Natal é do consumismo e do patético «Papai Noel»; mas do Menino, que vem trazer luz e esperança ao mundo, precisamos – cada vez mais.

Ao celebrarmos o nascimento de Jesus, estamos a festejar a entrada no mundo de uma mensagem nunca antes veiculada: «amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos amaldiçoam, rezai pelos que vos caluniam. A quem te bater numa das faces, oferece-lhe também a outra; e a quem te levar a capa, não impeças <de levar> também a túnica» (Lucas 6:28-29).

O Menino vem trazer-nos uma mensagem passível de extirpar a raiz dupla da maldade humana, que é o materialismo ordinário e o auto-convencimento da importância própria. O Menino vem ensinar-me a não pagar na mesma moeda: a responder com mansidão à agressividade alheia. Vem ensinar-me a não dar valor a objectos materiais. Vem ensinar-me esta coisa contra-intuitiva: tenho de gostar das pessoas que não gostam de mim; e tenho de fazer bem a quem me faz mal – e isto «sem nada esperar em troca» (Lucas 6:35).

Todos nós que somos ou já fomos cristãos temos de reconhecer, no nosso íntimo, como esta mensagem está, por um lado, ferida de gigantesca inexequibilidade, ao mesmo tempo que não negamos, por outro lado, o seu potencial como meio para resolver, de uma só penada, todos os problemas da humanidade – caso fosse posta em prática por cada ser humano à face da terra.

Tenho muitas razões para não ser aderente do cristianismo (a religião nascida, no fundo, da ideologia de São Paulo), mas continuo a aderir incondicionalmente a Jesus.

E vejo, no presépio de Belém onde ele provavelmente não nasceu, uma imagem mais forte da sua mensagem do que a cruz em que ele, de facto, morreu.

(na imagem: a Adoração dos Pastores de Matthias Stomer)

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