Obrigado, Dead Combo

por João Miguel Fernandes,    7 Março, 2020
Obrigado, Dead Combo
Dead Combo. Fotografia de Rita Carmo
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Foram anos e anos de carreira, de concertos, de colaborações, de momentos especiais. Os Dead Combo despedem-se este ano dos palcos e dos discos, mas nunca da sua carreira; essa ficará para sempre marcada na memória de cada um de nós que, voluntariamente ou não, teve o privilégio de experienciar uma das melhores bandas da história da música portuguesa.

Há uma característica muito especial nos Dead Combo que os torna únicos: a mistura entre o antigo e o novo, que lhes dá um perfume muito especial, muito português, mas ao mesmo tempo parte de todo mundo, até porque Portugal está presente no mundo. Esse conhecimento histórico transposto para música dá-lhes uma identidade única, algo que poucos projectos conseguem alcançar. Esse neo-western coloca-os nos dois mundos: o antigo e o novo.

A guitarra de Tó Trips remete-nos para o mundo sombrio da perda e da saudade característica do fado, mas ao mesmo tempo para o universo dos blues. Por outro lado, Pedro Gonçalves vai buscar o contrabaixo, fundindo o fado com uma folk americana, mais de um universo do jazz do que propriamente da música clássica portuguesa. A sua guitarra eléctrica e os seus teclados reencaminham-nos também para os blues, mas é a forma como ambos usam os instrumentos como se fossem vozes que torna todo o conjunto especial. Cada faixa de Dead Combo é como uma pequena lição de história onde o passado se cruza com o presente, o clássico com o moderno; muito graças à combinação de dois músicos incríveis, mas também a todas as colaborações que fizeram parte do universo da banda nestes quase 20 anos.

Em todas as músicas dos Dead Combo há uma componente narrativa bastante forte. Sim, é raro haver letra, mas os elementos instrumentais conseguem por si só criar todo um ambiente visual, quase ao estilo de um filme mudo dos anos 20. Há sem dúvida uma ligação muito forte ao cinema, ao teatro e às artes visuais. Há também muito de África, da América Latina e de todos os ramos musicais que de alguma forma estiveram ligados à música portuguesa. Há muita história em cada nota de uma música de Dead Combo — por vezes mais história do que muitos livros de história!

Quase se pode dizer que os Dead Combo começaram a tocar a música do antigamente e acabaram no presente. Acompanharam a evolução de uma Lisboa perdida, entregue agora aos seus visitantes e não aos seus habitantes. Talvez tenha sido esta uma das razões para o término da banda: terem chegado ao ponto actual da evolução social lisboeta, tal e qual como a capital portuguesa.

E não foi só Portugal a deslumbrar-se com os Dead Combo. De França aos EUA, com Mark Lanegan (Screaming Trees, Queens of the Stone Age) a descrevê-los como uma das melhores bandas de sempre, a carreira internacional dos Dead Combo poderia ter atingido um nível igual à que atingiu em Portugal, mas a vida é feita de “ses” e de caminhos que não seguimos. Uma coisa é certa, nunca foi por falta de qualidade que os Dead Combo não conseguiram uma carreira internacional gigante. Talvez tenha faltado um maior apoio nacional nessa internacionalização, um empurrão maior, mas a verdade é que a carreira dos Dead Combo se fez bastante a pulso e com uma simplicidade enorme, sem nunca serem estrelas ou quererem dar um grande salto à custa de exposição mediática. Poucas bandas se podem dar ao luxo de construir uma carreira apenas pela sua arte, mas os Dead Combo são um desses exemplos.

Ninguém nos prepara para o adeus, seja ele a uma pessoa de quem gostamos ou a uma banda que nos acompanhou durante grande parte das nossas vidas, que criou em nós emoções nunca antes sentidas, ligadas fortemente a momentos especiais das nossas vidas. Ao contrário da maioria dos casos em que alguém morre, aqui há uma oportunidade para dizermos adeus aos Dead Combo, para agradecermos por todos os momentos. Tal como um ser humano, os Dead Combo nunca irão realmente partir, irão sim viver para sempre nas nossas memórias e gravações. Os Dead Combo fazem há vários anos parte da história da música portuguesa, mas agora, mais do que nunca, quando falarmos de Portugal, seja o que for, teremos que falar também nos Dead Combo, pois fazem parte da história do país de uma forma que poucas bandas, artistas ou pessoas irão alguma vez fazer.

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