O verdadeiro sentido do Natal

por Lucas Brandão,    21 Dezembro, 2016
O verdadeiro sentido do Natal
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Chegou a época do Natal. Enfeites propagados pelas ruas das cidades e das vilas de todo o mundo, celebrando uma época com diferentes fundamentos. Até aqui, tudo bem. Emerge mais um argumento que sustenta que aquilo que nos une é mais do que aquilo que nos separa. Por mais destrinçados que sejamos, mesmo no campo da religião, há sempre um ritual que se segue na época natalícia. De um vértice ao outro de um ironicamente circular planeta, seguem-se diferentes tradições, podendo variar o nome daquilo que se clama.

Na fusão das sociedades ocidentais e orientais, apresenta-se uma fase em que se guardam todas as expectativas para o novo ano aí a caminho. Acompanhando os horóscopos e alinhando todos os astros para os cometas que irão irromper no ano seguinte, é com uma sensação de gratificação que se preparam as habituais oferendas de Natal. A cultura da troca de presentes encontra-se bem enraizada. Aliás, para uns, é esta a dinâmica da temporada. Uma superficial troca de galardões enfeitados e subtilmente camuflados por um embrulho de ocasião, um embrulho que se envolta de todo o suspense possível e imaginado. As crianças deliram, rejubilando com esta altura de receber as coisas que mais desejaram e ambicionando tocar nas barbas daquele que lhes satisfaz os desejos mais fantásticos.

Tudo um mar de rosas. No entanto, eis o reverso da medalha. Onde está o valor do material se não existe o amor, o fulcro da relação humana? Uma mera troca de um utensílio finito e tangível é a evidência de um sentimento? Será isto o significado do Natal? Diminuir o conceito e os valores a si associados é despojar o Natal da sua mais bela essência. Não vale de muito comprar um excelente material para melhorar a condição da alma. São coisas que se acumulam e que se usam mas que não marcam o íntimo ou o estimulam. Consome-se e destrói-se a dimensão de união e de agregação que a época proporciona. Ficamos por aqui, por esta decoração de ocasião e por esta concessão de ostentação? Sinto que é curto, sinto que valemos mais.

Que tal ofertar algo que não se traduza por números, por estatísticas, por valores convertíveis em ativos financeiros? Vejamos, um afago, um carinho, um riso, uma conversa, um sorriso, um mimo. Coisas que remontam às origens de tudo, em que o incenso, a mirra e o ouro serviram apenas como reconhecimentos do nascimento da criança prendada pela estrela guia. O Natal é tempo de extrair aquilo que de melhor existe na esperança humana. Garantir que o seu contacto não se esquece nos escombros dos embrulhos arruinados pela ânsia do presente a ser recebido. A troca consumista quase que cega aquele que acolhe em si mais um móvel que, de quando em quando, se torna imóvel. Bastará atribuir ao consumo esse valor de troca e de partilha? Não ficará mais na retina do coração que vê essa ação que se perpetua numa memória viva e carinhosa, um impulso que adorna e acarinha esse palpitador.

É muito fácil esquecermo-nos dos valores que a temporada natalícia incorpora na sua génese. Essa atenção em relação ao outro, atendendo ao mais necessitado e à mais valiosa alma. No fim, por muito que seja consumido, relembramos aquilo que se vive e aquilo que se troca com fundo de emoção e com o aval da razão. Vale de muito expressar toda a generosidade através de um par de notas e de um núcleo duro de instrumentos embrulhados e sustentados nesses costumes que se foram formando através da sociedade em olho mundano.

Por isso, eis as sugestões natalícias com garantias de uso e de reúso vitalício. A qualquer hora, uma mão pode ser dada, um abraço oferecido, um mimo efetivado, um carinho cultivado. É isso que reserva a sementeira do que decide que o Natal é quando alguém quer. A sabedoria popular não se deixa mandar ao ar por acaso. São premissas sábias as que se popularizam e se contextualizam com precisão. São as tais que, por muito que sejam reiteradas, saltam à vista perante a tradição já mecanizada pelo sistema em que estamos envolvidos. As crianças empolgam-se perante a aparição do Pai Natal e pela satisfação dos seus maiores sonhos. É a sua felicidade todo o esplendor natalício e o grande catalisador que move miúdos e graúdos. É o sentimento e não a prenda. Enquanto o objeto se deteriora, o sentimento renova-se. Enquanto o presente é objeto de momento, a relação é extensão de dias a fio de atenção, de carinho e de vinculação. Enquanto o Natal fala por si, o ser humano deixa-se consumir. Como o Natal é quando alguém quer, assiste-se a um paralelismo assustador que se deixa pautar por uma troca de objetos e menos por uma de gestos e de atenções. É gratificar e está feito.

O toque perdeu-se e com ele foi a sensibilidade. Ao (querido) Pai Natal, peço um mapa imaginado mas animado que me situe este par sem par. Depois disto, claro, venha daí aquele abraço.

Imagem de artigo: Frame do filme ‘Her’, de Spike Jonze

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