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O trauma de Édouard Louis em “História da Violência”

por Miguel Fernandes Duarte
7 Fevereiro, 2020
em Críticas, Livros
O trauma de Édouard Louis em “História da Violência”

Capa do livro

Quase sempre os momentos que acabam por nos traumatizar começam casuais e indolores. Momentos inofensivos da nossa vida quotidiana que se transfiguram para rapidamente assumirem os contornos com os quais mais tarde os associaremos. Como pudemos não ver que aquele momento se transformaria em algo completamente diferente? Teríamos conseguido pará-lo? Teríamos conseguido estancar as suas consequências?

Mais subtil e incisivo que Acabar com Eddy Bellegueule – o primeiro livro de Édouard Louis, sobre crescer gay no seio de uma família operária no norte de França -, História da Violência, editado em Portugal pela Elsinore, explora a violação sofrida pelo autor na véspera de Natal de 2012 às mãos de um homem cabila de origem argelina, Reda, que levara para casa num inofensivo one night stand do qual foi progressivamente perdendo o controlo.

Contrapondo durante praticamente todo o livro a narração de Édouard com a da sua irmã, quando esta conta ao seu marido o que acontecera ao seu irmão (enquanto o próprio Edouard ouve a partir da divisão ao lado num acto claramente teatral), História da Violência expõe como tanto a forma quanto o significado de uma mesma história traumática vão mudando consoante quem conta e o contexto em que o faz.

Capa do livro

No entanto, não é só a versão da irmã que conhecemos, vamos acedendo à história dessa noite também por outros. A cada nova pessoa que encontra, sejam estes polícias, médicos, ou os seus amigos Didier e Geoffrey (que são, claramente, Didier Eribon, o aclamado sociólogo autor de Regresso a Reims, e Geoffroy de Lagasnerie, filósofo e também sociólogo, a quem o livro é dedicado), Édouard é obrigado a repetir-se. Só se quer distanciar do acontecimento, mas não consegue deixar de falar dele a qualquer pessoa que esteja a ouvir, questionando todo e qualquer aspecto do seu comportamento e do comportamento do seu agressor.

Quando é interrogado pela polícia sobre o que se passara, torna-se evidente tanto a homofobia como o racismo subjacente às perguntas dos polícias, que não só parecem divertir-se com a etnia do violador, como, ao se referirem sempre a Reda como áraba, revelam o seu desconhecimento da diferença entre ser árabe e cabila.

“Já não reconhecia o que dizia. Já não reconhecia as minhas próprias recordações quando as contava: os dois polícias faziam-me perguntas que me obrigavam a expor a noite com Reda de uma maneira diferente da que eu queria, e eu já não reconhecia o que tinha vivido na forma que eles impunham à minha narrativa, perdia-me, consciente de que, ao continuar a contar segundo o que eles me perguntavam ou nas direções que obrigavam a tomar, já era tarde para voltar atrás, o que eu queria dizer perdera-se […]”

O que se transfere para o relatório policial acaba, portanto, por não traduzir o que se passava na cabeça de Édouard, e parte do vigor que levou o autor a escrever este livro prende-se, precisamente, com a vontade de reclamar a sua história, pôr o que aconteceu consigo nas palavras que queria e não na linguagem homofóbica e racista filtrada pela polícia. Porque o trauma que isso lhe causara tornara-o, a certa altura, precisamente na pessoa que ele não queria ser.

“Tinha-me tornado racista […]. Tornava-me aquilo que precisamente sempre tinha rejeitado ser […]. Uma segunda pessoa instalara-se no meu corpo; pensava em meu lugar, falava em meu lugar, tremia em meu lugar, tinha medo por mim, impunha-me o seu medo, impunha-me que tremesse com o seu tremor. No autocarro ou no metro, baixava os olhos sempre que um homem negro ou árabe, ou potencialmente cabila, se aproximava de mim – mas eram só os homens e essa característica era igualmente absurda; na ilusão racista que me colonizava, o perigo tinha sempre o rosto de um homem […]. Eu fora traumatizado duas vezes: pelo medo e pelo meu medo.”

A verdade é que, depois do seu período de ódio, Édouard procura perceber o que levou Reda a fazer o que fizera, questionando a natureza geral da violência e as dinâmicas que causam a sua escalada. O que fez com que uma noite de sexo casual descambasse em asfixia e ameaças com armas de fogo?

Édouard Louis por Arnaud Delrue

Tendo crescido, tal como Reda, num meio operário onde a violência marcava constantemente presença, Édouard não consegue deixar de ver nele alguém com um profundo ódio ao seu próprio desejo, ódio inseparável de ter crescido num meio e num país homofóbico como a França. Quem sabe se, caso não tivesse conseguido sair desse meio, não seria ele próprio a odiar quem era. Para o bem e para o mal, a omnipresença dessa violência na sua juventude permite-lhe estabelecer um grau de empatia que, tivesse ele crescido na burguesia parisiense, dificilmente alcançaria.

Grande parte da valia de Édouard Louis parte precisamente dessa presença interclassista que revela. Ascende do meio pobre e operário à burguesia parisiense sem nunca se tornar num traidor de classe. Claro que a sua família, permanecendo no mesmo meio, vê nele alguém que os deixou para trás, que raramente os vê e que deles se afastou. Mas a verdade é que, na sua obra e enquanto figura pública, Édouard Louis fez da luta pelos direitos dessa classe uma das suas principais reivindicações. É, juntamente com os seus amigos Didier Eribon e Geoffroy de Lagasnerie, referidos acima, uma das maiores vozes da nova esquerda francesa, parte integrante das recentes lutas que têm varrido a política francesa, dos gilets jaune (coletes amarelos) ao comité Adama, que reivindica justiça pela morte de um jovem negro às mãos da polícia francesa. Os seus livros serão sempre parte integrante desses combate.

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Tags: Coletes AmarelosÉdouard LouisElsinoreGilets JaunesHistória da Violência

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