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O sono enquanto resistência, em “24/7: O Capitalismo Tardio e os Fins do Sono”

por Miguel Fernandes Duarte
6 Maio, 2020
em Críticas, Livros
O sono enquanto resistência, em “24/7: O Capitalismo Tardio e os Fins do Sono”

Antes da revolução industrial, o ser humano suspendia o seu trabalho ao cair da noite, a ausência de luz solar impedia o trabalho no campo, a principal fonte de subsistência da gigantesca maioria da população. No entanto, com a introdução da luz eléctrica (e da respectiva iluminação pública) e das linhas de produção em fábricas que se mantinham em funcionamento durante a noite, ocorreu “uma reconceptualização radical da relação entre trabalho e tempo: a ideia de operações produtivas que não param, de trabalho que gera lucro e que pode funcionar 24/7.”

Apesar destas alterações se virem a alastrar desde o século XIX, “só recentemente a construção, a modelação da identidade pessoal e social do indivíduo se reorganizou para se adequar ao funcionamento ininterrupto de mercados, de redes de informação e de outros sistemas.” Quem o afirma é Jonathan Crary, crítico cultural americano, no seu mais recente 24/7: O Capitalismo Tardio e os Fins do Sono, acabado de editar em português pela Antígona. Para ele, este mundo 24/7, iluminado, sem sombras, “é a derradeira miragem capitalista da pós-história, de um exorcismo do Outro que é motor da mudança histórica.”

Ora, num planeta “reimaginado como lugar de trabalho ininterrupto ou centro comercial sempre aberto”, o sono afirma-se como a única barreira que resta, a única condição natural que o capitalismo é incapaz de eliminar. Mas há planos para o fazer. Há vários anos que o Departamento de Defesa dos EUA se dedica a diversos estudos com vista à eliminação desta nossa necessidade natural que faz ao mercado desperdiçar diversas horas de produtividade individual. Para o Departamento de Defesa, acabar com o sono seria dotar os seus soldados e operacionais de funcionalidade em missões a decorrer em dias consecutivos, mas, se a liberação das amarras do sono nos poderia parecer algo bom com vista a dotar-nos de mais tempo para nós próprios, nas mãos do capitalismo, todo o tempo livre tem rédea curta. Dentro do capitalismo, onde vigoram os valores da produtividade, eficiência, funcionalidade e velocidade, libertar-nos do nosso sono seria, portanto, mais um passo na aproximação do ser humano às máquinas.

Numa sociedade 24/7 onde tudo é cada vez mais financeirizado, onde “a docilidade e a separação não são derivados indirectos, mas (…) objectivos primeiros”, onde é cada vez mais evidente, como vaticinou Marx, “a incompatibilidade intrínseca do capitalismo com formas sociais estáveis ou duradouras”, dormir, sonhar ou devanear são tudo actividades mal-vistas, marginalizadas pela sua ausência de valor intrínseco. Do sono, nada se pode extrair.

Jonathan Crary / DR

No entanto, dado não existir hoje nenhum momento, lugar ou situação nos quais não possamos fazer compras, consumir ou explorar os recursos em rede, “há uma incursão imparável do não-tempo do 24/7 em toda e qualquer vertente da vida social ou pessoal.” A maior parte das relações sociais transfere-se para formas monetizadas e quantificáveis, e a financeirização e mercantilização expandem-se a um número cada vez maior de áreas da vida social e individual, e com a quantidade quase infinita de conteúdo por comercializar, não é de estranhar a intensidade da competição pelo acesso às horas de vigília, numa “gigantesca desproporção entre os limites humanos e temporais.”

Num capitalismo que assume a produção de novidade enquanto projecto central através do empreendedorismo, e onde a inovação assume a forma “de uma contínua simulação do novo” mesmo quando “as relações existentes de poder e controlo continuam as mesmas”, o eu é, então, “reagrupado num novo híbrido de consumidor e objecto de consumo” porque, segundo Crary, contrariando o que afirmou Guy Debord na sua teoria da sociedade do espetáculo:

“A ideia de longos blocos de tempo passados exclusivamente enquanto espectador está ultrapassada. Este tempo é demasiado precioso para não ser potenciado com fontes plurais de solicitação e escolhas que maximizam as possibilidades de monetização e que permitem o acumular contínuo de informação do utilizador.”

Da mesma maneira, a tal “mesmidade generalizada” que é resultado inevitável da escala global dos mercados e da sua dependência das acções consistentes ou previsíveis de grandes populações, dá-se não através da constituição de indivíduos similares, como afirmavam as teorias da sociedade de massas, “mas pela redução ou eliminação das diferenças, pelo restringir da amplitude de comportamentos que podem funcionar de forma eficaz ou conseguida na maioria dos contextos institucionais contemporâneos”, fruto da cada vez maior globalização de comportamentos através dos media sociais e de toda a panóplia de interfaces digitais.

Mas se muitos afirmam a esperançosa crença nos desenvolvimentos desta dita nova época tecnológica como forma de ultrapassar muitos dos problemas que assolam a nossa sociedade actual, Crary encontra-se, sem dúvida, entre o conjunto de cépticos. Como diz:

“Se as redes não servem as relações já existentes que nasceram da experiência mútua e da proximidade, vão sempre reproduzir e reforçar as separações, a opacidade, as dissimulações e o interesse próprio que são inerentes à sua utilização. Qualquer turbulência social que tenha como origem o uso dos media sociais será, como é inevitável, historicamente efémera e inconsequente.”

Além disso, a própria crença nestes adventos tecnológicos enquanto nova época é parte do problema:

“Uma das consequências de representar a contemporaneidade global com a forma de uma nova época tecnológica é a sensação de inevitabilidade histórica que se atribui a transformações em desenvolvimentos económicos de grande escala e a microfenómenos do quotidiano. A ideia de transformação tecnológica como quase autónoma (…) faz aceitar muitos aspectos da realidade social contemporânea como circunstâncias necessárias, inalteráveis, como se fossem factos da natureza.”

Nesse sentido, também o “golpe do sono é inseparável do desmantelamento de outras das protecções sociais noutras esferas”, com vista à cada vez maior erosão da comunidade. O sono é “uma libertação periódica da individuação” porque “quem dorme vive num mundo em comum.” Fruto da nossa incapacidade de nos defendermos de possíveis perigos enquanto dormimos, acreditamos que nos será dada não apenas protecção física ou corporal, mas também aos nossos bens e propriedades. Confiamos nos outros para nos assegurar o que temos. Ora, se o sono é um confiar do nosso destino às mãos dos outros, a insónia corresponde a uma “necessidade de vigilância”, sintoma de um desacreditar no que nos rodeia e no Estado que nos protege.

Isto porque a sociedade 24/7 “apresenta a ilusão de um tempo sem espera, de uma instantaneidade a pedido, de estar isolado e de se ter isolado da presença dos outros. A responsabilidade que a proximidade acarreta para outras pessoas pode hoje contornar-se facilmente na gestão electrónica de rotinas e contactos diários.” A paciência e a deferência do indivíduo, características essências da vida em sociedade e da democracia, ficam atrofiadas, perde-se a paciência de ouvir os outros, de esperar pela vez de falar, e o acto de esperar é essencial para a experiência de comunidade. A fila, por exemplo, é uma das instâncias banais onde é mais facilmente verificável o conflito entre indivíduo e organização social, “aos incómodos e frustrações [da espera] alia-se a [sua] tosca e humilde dignidade, de se ser paciente por deferência aos outros, aceitação tácita do tempo partilhado em comum.” Mas, com a desigualdade existente, o que fica é o desejo de emular os ricos, que têm o privilégio particular das elites de nunca ter de esperar.

Nas esperas e nas pausas do nosso quotidiano resta o sono, que nos afirma “a necessidade de adiar e o resgate ou recomeço diferido do que quer que tenha sido adiado, assegurando a presença no mundo “dos padrões faseados e cíclicos essências à vida e incompatíveis com o capitalismo.” Resta a inércia restauradora do sono para contrariar “a mortalidade de toda a acumulação, financeirização e desperdício que arrasou tudo aquilo que se tinha por comum.” Nunca o sono pareceu tão revolucionário e um acto de resistência tão poderoso como ao ler 24/7: O Capitalismo Tardio e os Fins do Sono.

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Tags: 24/7: O Capitalismo Tardio e os Fins do SonoAntígonacapitalismoDormirJonathan CrarymercadoRevolução Tecnológica

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