O papel do crítico é de gerar expectativas, influenciar ou de criar o mito?

por João Gomes Esteves,    6 Março, 2017
O papel do crítico é de gerar expectativas, influenciar ou de criar o mito?
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Há determinadas ocupações que nós designamos por profissões, ou seja, que implicam o pagamento de determinado montante pelo serviço prestado, porque lidamos com misteres que só os profissionais da área estão habilitados. Por isso, delegamos nos outros essas tarefas que nós ignoramos.

Se vamos a um sapateiro, é porque o problema dos sapatos nos ultrapassa, não temos tempo, ou ultrapassa-nos mesmo que tivéssemos tempo. Se contratamos um electricista, é porque não percebemos de electricidade, ou na melhor das hipóteses, percebendo de electricidade, há uma possibilidade remota de morrermos electrocutados, pelo que incumbimos alguém dessa nobre missão.

O conhecido «faça você mesmo» das lojas de bricolage e construção, às vezes, produz alguma clientela para os hospitais, por mais jeitoso que aquele casado de fresco, que tem umas boas mãos, se arrisque nessa matéria.

Nesse sentido, em matéria matrimonial, as mãos são importantes, mas o bom-senso também: sem ele, fica-se sem mãos, sem nada. Quanto mais sabemos sobre diversas coisas, menos temos que contratar terceiros: não gasto dinheiro num canalizador, porque sou jeitoso de mãos; não pago serviços de transporte, porque tenho carta de condução.

Claro que nem todos os assuntos são assim tão pacíficos. Há aqueles que dão lugar à discussão e à polémica. Assuntos como a religião, a política ou o futebol (e as artes). No fundo, todos os temas que remetem para a nossa capacidade inventiva, nós somos bons, porque, enfim, não há como saber se se é bom ou mau. É pois tão legítima a defesa de um teólogo como a de um não crente, porque, na verdade, não se sabe se Ele existe; é tão legítimo o ponto de vista de um analista político como de um leigo, porque, tal como Deus, ainda não se provou (ou já?) se a corrupção existe em Portugal; há comentadores desportivos na televisão, como desportivos de tasco, que passam o serão a discutir «mão na bola ou bola na mão»: nunca se saberá. São temas para os quais há mais perguntas do que respostas.

Também, na arte, há críticos de cinema que já deram mais estrelinhas do que aquelas que existem na constelação Orion. Faz parte do seu mister. Influenciar a comunidade a criar expectativas em relação a filmes ou a mudar de opinião em relação a outros. Munidos por um determinado prestígio que lhes fora conferido, criam mitos e destroem factos.
Se toda a gente escrevesse nos jornais as suas opiniões sobre filmes e sobre doenças, é certo que mais gente morreria, mas não veríamos tantas estrelinhas nos olhos.

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