O muralismo mexicano e os seus “tres grandes”: Rivera, Orozco e Siqueros

por Lucas Brandão,    11 Novembro, 2020
O muralismo mexicano e os seus “tres grandes”: Rivera, Orozco e Siqueros
David Alfaro Siqueros, José Clemente Orozco e Diego Rivera. Fotografia de Faustino Mayo
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Na década de 1920, o mural foi o grande suporte para a pintura mexicana. Como impulso, o desejo de unificar o país após a Revolução Mexicana, que havia sido profundamente conturbada. Como grandes canais, três pintores, os “los tres grandes”: Diego Rivera, José Clemente Orozco e David Alfaro Siqueros. Durante quase cinquenta anos, deram forma e cor em edifícios e em outras superfícies onde o mural se impôs, conferindo um sentido político e social à sua arte. A importância de afirmar a identidade mexicana tornou-se, assim uma prioridade e uma certeza nos anos que se seguiram, ecoando os seus antepassados com o sentido de um futuro mais mexicano.

Uma breve introdução aos “los tres grandes”

Em primeiro lugar, as figuras. Diego Maria de la Concepción Juan Nepomuceno de la Rivera y Barrientos Acosta y Rodríguez. O nome é amplo mas pode ser bem encurtado: Diego Rivera nasceu a 8 de dezembro de 1886 e faleceu a 24 de novembro de 1957, aos 70 anos. Para além de ser o grande amado da sua pupila, a pintora Frida Kahlo, foi um dos principais pintores mexicanos, nomeadamente desde a sua fase criativa entre 1920 e 1950. Aí, pintou morais um pouco por todo o México, mas também nos Estados Unidos, desde Nova Iorque (onde teve uma exposição retrospetiva em 1931, no seu Museum of Modern Art), mas também em Detroit, tendo feito um conjunto de 27 frescos sobre a sua indústria e sobre a Ford e o seu complexo de trabalho.

José Clemente Orozco nasceu três anos antes, a 23 de novembro de 1883, e faleceu oito anos antes, a 7 setembro de 1949, aos 65 anos. Caricaturista, destacou-se pelos seus murais políticos, em muito influenciado pela corrente do simbolismo, alimentado pelo tema do sofrimento humano, pelas causas dos trabalhadores e das comunidades desfavorecidas e pela evolução da maquinaria no dia-a-dia. Também ele pintou no seu país e nos Estados Unidos, desde Nova Iorque e no estado da Califórnia. Muito do seu trabalho, que inclui litografia e pintura em tela, está exposto, atualmente, no Museu Carrillo Gil, na cidade do México, e no Museu Orozco, em Guadalajara. Já David Alfaro Siqueros nasceu uma década mais tarde, a 29 de dezembro de 1896, tendo falecido a 6 de janeiro de 1974, com 77 anos. Também ele em muito preocupado com as questões sociais, envolveu-se politicamente de forma mais ativa, sendo membro do Partido Comunista Mexicano e da sua linha estalinista, sendo um apoiante do assassinato de Leon Trotsky, que se encontrava no seu país em 1940.

O percurso do muralismo mexicano

A tradição da pintura de murais no México iniciou-se antes da própria colonização do seu território por parte dos espanhóis, na civilização olmeca. Após a colonização, a sua temática transformou-se e começou a denotar intenções de evangelização cristã. Somente no século XIX é que as questões políticas e sociais começaram a ganhar algum protagonismo. Juan Cordero, porém, era um dos muralistas que permanecia numa escola clássica, com maior vocação filosófica, fazendo pinturas para igrejas. Porém, e no final do século XIX, o general Porfirio Díaz assumiu o poder governativo do México e abriu portas a um maior desenvolvimento cultural do país. Os seus estudantes passaram a viajar pelo mundo, especialmente pela Europa, modelo de sociedade que pretendia que vingasse no país. Porém, seriam discriminados os elementos das culturas indígenas. Gerardo Murillo seria o primeiro a fazer murais que, realmente, refletissem o modo de vida do país, fazendo pressão junto do governo para que deixassem, a ele e aos seus colegas de profissão, pintar nas paredes. Era uma forma de romper com os formalismos académicos, que não eram mais do que uma imitação do que se fazia na Europa.

Exemplos de murais olmecas no sítio arqueológico de Cacaxtla

Preocupado em zelar pela manutenção dos elementos indígenas e nativos do México, organizou uma exposição independente, reunindo uma série de artistas dessas proveniências. Daqui, muitos foram aqueles que abordaram temas relativos a essas comunidades do país, utilizando esquemas de cor que se tornariam notabilizados nos murais que se seguiriam. Uma das inspirações dos artistas futuros seria José Guadalupe Posada, um litógrafo que fez muitas ilustrações populares e várias críticas sociais com o uso de cartoons com caveiras e outros tipos de ossadas. Procurava-se, desde logo, fazer uma cisão em relação às influências europeias, preocupando-se, sim, com uma pintura verdadeiramente nacional.

A contestação a Porfírio Díaz subiria de tom e, com a Revolução Mexicana (1910-1920), um duo de intelectuais acabaria por influenciar profundamente os futuros muralistas: eram eles o escritor Alfonso Reyes, nomeado por cinco ocasiões ao Nobel da Literatura, e o também autor José Vasconcelos, conhecido por ser o líder da grande revolução cultural operada neste chegada ao século XX, ao assumir a pasta da Educação Pública no final da Revolução. Seria providencial para que os muralistas pudessem pintar nas paredes interiores de grandes edifícios do país, como o próprio Palácio Nacional, na Cidade do México. Díaz cairia cedo, logo no primeiro ano dessa Revolução, mas isso não impediu que as turbulências se prolongassem até 1920, ano em que o poder político seria centralizado num só partido: o Partido Revolucionário Institucional. Gerardo Murillo, também conhecido como Dr. Atl, aproveitara este longo período para pintar murais e para dar aulas às futuras gerações de pintores e muralistas.

Voltando à figura de Vasconcelos e à sua posição na Secretaria da Educação Pública, o seu desafio, nessa altura, era tremendo: grande parte da população era analfabeta e as intenções eram as de promover os ideais da Revolução, que defendia uma autêntica renovação dos valores do país, sublinhando o caráter mestiço da sua identidade. Vasconcelos decidiu, a partir da pintura de murais, apelar a uma promoção desses ideais sociais, com um sentido estético apurado. Assim, o próprio governo decidiu contratar vários artistas, entre eles, para além de Siqueros, Orozco e Rivera, Ramón Alva de la Canal, Roberto Montenegro e Federico Cantú Garza, também eles destacados muralistas, embora sem a recorrência do trio. Estes três últimos artistas acabariam por ser menos considerados, embora concordassem com o sentido que o governo pretendia que os murais incutissem: o sentido da educação e do melhoramento individual e coletivo.

Pouco tempo depois, seria até criado o Sindicato dos Trabalhadores Técnicos, Pintores e Escultores, no qual fariam um manifesto em que enumeravam a educação, a arte como utilidade pública e a beleza para todos como os grandes objetivos sociais dos seus trabalhos artísticos. Era uma resposta às críticas que Vasconcelos, embora promotor da “raza cosmica” (a ideologia da quinta raça, que defendia, na aglomeração de todas as raças mundiais numa nova civilização, deixou-o por escrito num ensaio com esse título em 1925), procurava que os murais tivessem o estilo europeu, mais clássico. Porém, as transformações das figuras e das proporções levou a que houvesse alguma discordância entre os objetivos do governo e dos artistas.

Todavia, o primeiro grande projeto muralista apoiado pelo governo seria no interior do velho colégio jesuíta de San Ildefonso, então usado pela Escuela Nacional Preparatoria. Este seria o grande palco de nascença do muralismo mexicano, dado que o projeto decorreu em três pisos, funcionando agora como Museu, Orozco seria o responsável por grande parte dos murais, com um sentido sempre de apresentar a mestiçagem do país, para além de reforçar a renovação da Revolução, sem esquecer as suas calamidades. Destaca-se “La Trincheira”, em que o dinamismo das linhas e a diluição das cores personifica a sua atitude pouco afável em relação à Revolução. Para além dos já mencionados, outros também colaboraram neste arrojado trabalho: Jean Charlot, um franco-americano que se tornaria mais famoso nos Estados Unidos, sendo um convidado de Fernando Leal, conhecido pelos seus ensaios em pequena escala das pinturas monumentais que fez e que pintara “Los Danzantes de Chalma”, representando uma série de rituais católicos e indígenas.

A este seu êxito, seguiram-se mais um conjunto de iniciativas: no Palácio Nacional, Diego Rivera desenhou “Epopeya del Pueblo Mexicano”, que reuniu a cosmologia e a mitologia azteca, em especial o deus Quetzalcóatl, cuja vida representa a transformação que a Revolução Mexicana encetou. São representadas, de igual modo, as invasões francesas e espanholas, assim como a defesa dos indígenas, que são objeto de dor e de sofrimento. O último painel contém, também, uma utopia marxista, reunindo diferentes rostos de várias personalidades, incluindo a do próprio Karl Marx. Já no Palacio de Bellas Artes, volta-se a percecionar a presença de Rivera (com o proeminente “El Hombre Controlador del Mundo”, com uma série de temáticas sociais e tecnológicas, para além da própria presença de Vladimir Lenine), para além da de Orozco, Siqueros, Montenegro e de outros três nomes: Rufino Tamayo, Jorge Gonzalez Camarena, que se focou, essencialmente, na ancestralidade e na arqueologia, e Manuel Rodriguez Lorenzo, o mais melancólico de todos os muralistas.

Painel de “El Hombre Controlador del Mundo” (1934), de Diego Rivera

Já na Universidade Autónoma de Chapingo, Rivera volta a ser o protagonista, em especial na Capela da Universidade, onde pinta sobre as dificuldades dos trabalhadores mexicanos e sobre a fertilidade e os ciclos da Natureza, com a personificação dos elementos da Natureza e do crescimento e fruição natural. Assinalava a vitória de uma energia da vida e da Natureza em relação aos obstáculos e aos impasses que havia representado nesse painel. Nos próprios escritórios do Secretariado da Educação Pública, para além dos murais de Montenegro, estão os primeiros grandes trabalhos muralistas de Rivera, que os fez entre 1923 e 1928. Novamente, a glorificação de tudo que é mexicano e dos seus trabalhadores é o tema proeminente no seu trabalho. O artista da Guatemala Carlos Mérida também trabalhou neste edifício, ele que, como Tuyano, era, preferencialmente, um pintor de tela, embora já pintasse sobre motivos indígenas antes de Rivera o fazer.

Este trabalho acompanhou o progresso civilizacional do país, tornando-se cada vez mais instruído e industrializado. O sentido da sua arte era mesmo algo provocatório e revolucionário, já que deselitizava a arte e a permitia estar acessível a toda a gente. Sem a presença de grande mecenato, a liberdade criativa e expressiva era assegurada pelo apoio do Estado. Porém, era notório o cariz marxista das suas pinturas, dando muita importância às vicissitudes sentidas pela classe trabalhadora contra a oposição do patronato. É uma fase profundamente ideológica, assente em ideais socialistas, e que, embora esteticamente irrepreensível, não pode ser negado. É uma fase que é conhecida como heróica, que é sucedida pela estatista, já depois da saída de Vasconcelos da pasta, em 1924. Compreendiam-se as críticas que, para além do alinhamento do muralismo com o Estado, também poderia servir como meio de propaganda do governo.

No entanto, os anos subsequentes traria um México cada vez mais alinhado com o capitalismo, o que motivou uma paulatina separação daquilo que eram as intenções para os temas dos murais. Rivera, Orozco e Siqueros eram o rosto de uma pintura que ganhava ares de uma maior crítica, aspirando a um futuro melhor e à recuperação da voz que tinham perdido perante um Estado cada vez mais conservador e distanciado da criação de murais. A privatização desses mesmos murais começou a crescer exponencialmente, e, como tal, os pintores começaram a ser requisitados pelos bancos, pelos hotéis e pelos teatros para, lá, efetuarem trabalhos. Assim, o Estado havia deixado de ser aquele que, quase por exclusivo, requisitava este tipo de pinturas, tendo-se fragmentado pela diversidade de instituições singulares.

Painel de “Omniscencia” (1925), de José Clemente Orozco, na Casa de los Azulejos, na Cidade do México

A identidade artística e a influência futura

Nesta fase, a produção artística mexicana passou a estar rotulada com a expressão “Escuela Mexicana de Pintura y Escultura”. Embora agregando diferentes outras formas de criação artística, a sua vertente muralista tinha uma identidade assente na combinação de ideais políticos e estéticos que faziam dela uma voz na esfera pública. Eram três as suas formas de discurso artístico: uma participação direta na publicidade e no discurso oficial; uma integração recíproca do discurso visual do mural num conjunto de práticas de comunicação que participavam na definição daquilo que era o discurso público, assim como outras formas de publicidade oficial; e o desenvolvimento de uma estética realista-social, a que consideravam ser o registo visual do senso comum do mural artístico, assim como os limites para a disputa pública sobre o espaço de representação do mural. A participação política, quando não existia em algum dos seus intérpretes, era mais exceção do que habitual, dado o cuidado e o interesse sobre a história e a identidade do país. Não havia, em suma, um sentido comercial, mas sim a importância de difundir o México para dentro e para fora de portas. Porém, muitos deles mantinham uma educação artística formal, nomeadamente na Europa ou na Academia de San Carlos, em plena Cidade do México.

Como já referido, os temas orbitavam entre a Revolução Mexicana, a nova identidade mestiça mexicana e sobre a história cultural das civilizações mesoamericanas (principalmente a azteca). Era um discurso alinhado entre os participantes deste autêntico movimento muralista, com um sentido nacionalista mas também político, que glorificava a estabilidade trazida pelo governo pós-Revolução. A firmeza com que se falava do passado do México era essencial para poder louvar o presente, em especial as origens indígenas do seu povo. Por outro lado, o marxismo acompanhava o discurso artístico de alguns deles, nomeadamente do trio Rivera, Orozco e Siqueros. Embora, com o tempo, as mensagens veiculadas pelas pinturas se tornassem refreadas no seu conteúdo revolucionário, nunca deixaram de perder o seu cunho associado às causas da esquerda política. Tanto que o acesso livre e público sempre foi uma tónica que nunca se desvinculou do seu discurso artístico.

Era um grupo capaz de comunicar entre si nos seus trabalhos, mantendo-se abertos e disponíveis para sugestões e para a entreajuda. Muitos dos seus objetos de criação seriam antigos monumentos da era colonial, efetuando trabalhos ajustados à sua realidade passada. Os processos de produção eram, em muito, diversificados, dado que a primazia dos frescos em paredes de gesso e o uso de pigmentos misturados com cera quente (a pintura encáustica) não impediam que se arriscasse no uso de mosaicos e de cerâmicas, assim como de metal e de cimento. Aquele que se destacava de todos eles, nesta dimensão, era mesmo Siqueros, que pintava com o recurso a piroxenas, pequenos minerais, resinas, amianto, produtos de pintura automóvel e peças de velhas máquinas, para além de usar ar comprimido em forma de spray para a pintura. Era um modo de pintar pouco convencional, que ultrapassava as barreiras convencionais do pincel e que o tornaram o mais inovador de todos no processo da pintura.

“Apoteosis de Cuauhtemoc” (1951), de David Alfaros Siqueros, no Museo de Bellas Artes, na Cidade do México

Não era por acaso que era um dos “los tres grandes”, ao lado de Rivera e de Orozco. Não se destacavam só nas suas proezas artísticas, mas também na convicção profunda de que a arte era a maior forma de expressão humana, para além de ser uma força determinante em qualquer revolução social. Os seus trabalhos serviam como uma catarse em relação às agruras sentidas durante a guerra da Revolução, embora desdobrando-se em três linhas um pouco distintas entre si: Rivera era o utopista e idealista, tendo viajado pela Europa e convivido com os horrores das Guerras Mundiais. Orozco era o crítico e o pessimista e Siqueros era o mais radical e o mais empenhando no futuro da ciência. Estes dois últimos tinham estado na guerra da Revolução, pelo que separaram do percurso de Rivera, mais viajado e experienciado, também ele mais tradicional na sua pintura, ao absorver muito do modernismo europeu, assim como aspetos do cubismo.

Não obstante, os três tiveram nos Estados Unidos, tendo Rivera (viveu lá por quatro anos) e Orozco conhecido um maior sucesso, muito por via da Works Progress Administration, criada na fase do New Deal, que empregou milhões de trabalhadores na realização de obras públicas. Como o seu trabalho se tornou mais requisitado e prestigiado, as portas abriram-se para que outros mexicanos pudessem fazê-lo, não só na arte, mas também em todas as restantes áreas. Por sua vez, Siqueros teve uma passagem mais discreta, da qual só resta um painel: “América Tropical: Oprimida y Destrozada por los Imperalismos”, um mural muito controverso que fez em Los Angeles na condição de refugiado político, em que usou as divindades antigas da Mesoamérica e a arquitetura desses tempos para transmitir uma mensagem de opressão.

Inicialmente, Rivera era um pintor mais colorido, abrangendo o estilo europeu na forma como representava cenas do quotidiano mexicano, tal como elementos da ancestralidade mexicana. Porém, procurou imitar os murais indígenas ao dar-lhe tons mais telúricos e ao procurar desvendar as formas como os residentes mexicanos e os estrangeiros viam a realidade indígena do passado do México. Orozco, por sua vez, também tinha tido uma formação europeia, mas, após os conflitos bélicos no seu país, tornou-se mais abúlico em relação à opressão das classes maléficas e ferozes. Tornou-se cada vez mais seco e sombrio, mostrando o seu receio em relação ao progresso do futuro e ao sofrimento humano e sendo crítico dos espanhóis, por serem os responsáveis pela destruição da cultura indígena. Usava a cor com uma amplitude expressionista, desenhando distorções e linhas destoantes, que transformaram o figurino do ser humano. Por não glorificar a Revolução Mexicana, era, por vezes, criticado pela forma derrotista como pintava sobre ela.

Siqueros, o mais radical deles, havia experienciado a Revolução na linha da frente, estando ao lado do futuro presidente do México, Venustiano Carranza. Dedicava-se profundamente ao desenho das massas proletárias, fazendo-o com linhas bem grossas e velozes, com o recurso ao esmalte, apoiando-se com o uso de maquinaria e de tecnologia para acompanhar a passada da sua pintura. A fotografia e o filme, para além de outros meios de comunicação em massa, eram usados como forma de exprimir a sua arte, sempre com uma vocação da luta de classes. Por ser tão radical, tornou-se mesmo visto de lado no México e nos Estados Unidos, apesar do seu sucesso na capital do seu país com “La Marcha de la Humanidad”, feito nos anos 1960 para o Polifórum Cultural Siqueros. Foi um painel que dedicou aos desafios da humanidade e às suas contrariedades pela História, sem esquecer a importância de ir em busca de uma sociedade melhor. Antes, havia desenhado o “Retrato de la Burguesia” (1939), para o edifício do Sindicato Mexicano de Eletricistas, onde exibe os danos da guerra, assim como a postura contrária ao capitalismo, num crescente menosprezo em relação aos proletários por parte da burguesia. Porém, reserva um ideal de esperança num homem armado, que aponta a arma para esses líderes burgueses, apontando o caminho para a aceitação da tecnologia no futuro.

Muitos desses murais continuam dispersos por diferentes lugares do território mexicano, desde igrejas e escolas a outros edifícios institucionais. O sentido de preservação das raízes indígenas continua, ainda hoje, bem vivo, movendo muita da criação de murais artísticos um pouco por todo o mundo, dada a influência deste movimento artístico. Foi o seu contributo que possibilitou que se entendesse os murais como uma forma bem robusta de comunicar ideias de cariz político e social, sem deixar o figurativismo de parte, ao contrário das abstrações que o modernismo trazia, no século XX, na Europa. Porém, o seu grande intuito nunca foi ser influente fora do seu país, embora acabasse por influenciar outros artistas sul-americanos, desde o já mencionado Carlos Mérida, até ao brasileiro Candido Portinari. De igual modo, serviria como fonte de inspiração para o futuro movimento muralista chicano, usado pelos mexicano-americanos entre os anos 1960 e 1970 de forma a asseverar a sua identidade contra os preconceitos racistas e colonialistas que subsistiam.

Diego Rivera, José Clemente Orozco e David Alfaro Siqueros foram os três grandes nomes do movimento muralista mexicano, que conheceu uma série de expressões por todo o país, para além de ter chegado a subir aos Estados Unidos. Foram os primeiros a usar as paredes como montras de crítica social e de expressão de uma identidade que se procurava e se descobria. As origens ancestrais ajudaram a criar uma linguagem muito própria, que permitia reivindicar esse ser mexicano, que se encontrava ainda muito maculado pelas invasões coloniais e pelos constantes conflitos bélicos. Desta forma, abriram novas perspetivas de presente e de futuro no entendimento da arte como um discurso concreto, capaz de transmitir mensagens perfeitamente articuladas sobre as suas preocupações e ambições, sobre os seus ideais e princípios, sobre a pujança que o seu país ia conhecendo. Apesar de ideologicamente envolvidos por uma manta de ideais socialistas e comunistas, é indiscutível a relevância destes três (e de tantos outros) que, ainda hoje, desenham o caminho para que as identidades não se percam e permaneçam num diálogo de constante construção.

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