O jornalismo como fast food

por Cronista convidado,    15 Agosto, 2020
O jornalismo como fast food
Fotografia de Miguel Andrade / Unsplash
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Quem, como eu, estudou jornalismo sabe que a visão utópica da profissão não corresponde à realidade em que vivemos. Helder Bastos no artigo “a diluição do jornalismo no ciberjornalismo” refere que com o aparecimento da internet surgiram narrativas inovadoras e práticas inéditas. Géneros como o hipertexto, a multimédia, a interatividade e a instantaneidade passaram a fazer parte do nosso dia a dia (Helder Bastos, 2013). Os meios de comunicação transformaram-se de modo a responder às exigências dos novos tempos e, consequentemente, os jornalistas também. Mas o que é feito da ética e do código deontológico do jornalista? Ficou refém do novo modelo de negócio que gere a profissão.

Como sabemos, o drama tem prazo de validade e tem de ser servido quente e na hora. São estas as exigências que têm vindo a alimentar o público, em grande parte, devido ao surgimento do jornalismo online e das redes sociais. A maior parte dos jornalistas, recém-formados, recebem o ordenado mínimo e encontram-se dentro de um sistema que os pressiona a darem a notícia em primeiro lugar, sem rigor e sem confirmarem a veracidade da mesma. A cópia é o prato do dia. Com todos os problemas que o imediato trouxe, trabalhos como as reportagens de investigação deixaram praticamente de existir. Quem diria que os jornalistas iriam deixar de sair para o terreno, que não iriam para a rua investigar a fundo e produzir reportagens. Helder Bastos (2013) defende que a maior parte do trabalho de recolha de dados e também de contacto com as fontes é feito à secretária e acompanhado do computador. Acrescento que o google tradutor é também uma ferramenta indispensável nas redações do online. É triste encarar este cenário, aceite pela maioria. Quem já estagiou, ou começou a trabalhar, numa redação digital com certeza teve de lidar com a experiência de adaptar para a internet notícias produzidas por outros jornalistas, seja do português, do inglês e até do espanhol, mas também pelas agências de comunicação, embelezando os tão famosos press releases.

Qual é então a grande consequência? Tornou-se quase impossível o cumprimento de alguns papéis consagrados no jornalismo. Onde é que ficou a relação dos jornalistas com o público? E a busca pela verdade? Perdeu-se nos cliques? Parece-me que o papel social do jornalista se deteriorou com o tempo, aquele que outrora era apelidado de watchdog, em muitos casos, deixou de o ser. O rigor, a objetividade e imparcialidade foram substituídos pelo instantâneo. É como uma ida a um restaurante de fast food, onde se paga pouco, para se ser servido na hora e com uma qualidade questionável. E tal como acontece nas cadeias de fast food, os jornais também sentem a pressão de não ficar atrás com a concorrência. É dada preferência aos números, às audiências e ao sensacionalismo, em detrimento da verdade e da objetividade.

O futuro da profissão não me parece positivo. Para alguns talvez seja possível a via do trabalho como freelancer, dar a volta a este modelo de negócio vigente, criar algo livre e que se aproxime do verdadeiro jornalismo de investigação. Ou aceitar este modelo, desempenhar tarefas triviais e tentar escalar na área, será que compensa? Será que é possível ser minimamente livre e produzir bom jornalismo a longo prazo? Não sei, na era do online não existem certezas e as dúvidas não param de crescer. Como afirmou o escritor Luís Fernando Veríssimo: “vivemos num tempo maluco em que a informação é tão rápida que exige explicação instantânea e tão superficial que qualquer explicação serve”.

Crónica de Paulo Rodrigues Primaz

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