Miguel Mendonça: ‘O herói que mais esbocei na adolescência foi provavelmente o Super-Homem’

por Gabriel Margarido Pais,    11 Março, 2018
Miguel Mendonça: ‘O herói que mais esbocei na adolescência foi provavelmente o Super-Homem’
Fotografia: Daniel Pina / algarveinformativo
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Licenciado pela Faculdade do Algarve, Miguel Mendonça, natural de Olhão, tornou-se recentemente e aos 33 anos no primeiro português a assinar não uma, mas duas edições consecutivas da saga ‘Detective Comics’, da DC Comics.
A saga ‘Detective Comic’ é uma das mais antigas da gigante americana (Miguel cunhou os volumes 971 e 972) e é dentro do seio da empresa a saga que nos presenteia com as aventuras de Batman, possivelmente e discutivelmente o herói mais reconhecido de todo o mundo. Para marcar este feito, estivamos à conversa com o Miguel.

Tornaste-te recentemente no primeiro artista português a desenhar o Batman para a série de 
bandas desenhadas ‘Detective Comics’, da DC, sendo este possivelmente o ponto mais alto da tua carreira até agora como artista. Como é que todo este percurso começou?

É difícil definir com precisão o ponto exacto onde o percurso começou, uma vez que desenho desde que me lembro e acho que não seguiria este caminho se não tivesse cultivado o gosto pelo desenho ao longo de toda a minha infância e adolescência.
Mas a escolher um ponto de viragem crucial para estar a fazer o trabalho que faço hoje, destacava talvez uma decisão minha em 2012. Nessa altura estava ainda a apostar numa carreira em design gráfico e multimédia, mas qualquer coisa em mim me compelia a tentar o caminho da banda desenhada. E assim foi, comecei a frequentar, com maior frequência, festivais da área, a angariar contactos pela internet e a desenvolver portfólio para apresentar a editoras. Nessa altura foquei-me no objetivo que estava adormecido, perseguir o sonho da banda desenhada a 100%, e isso fez toda a diferença.

Como começou o teu contacto e parceria com a DC Comics?

Em 2013 comecei a trabalhar com uma pequena editora de comics americana chamada Zenescope. Desenvolvi trabalho com eles ao longo de dois anos. Nesse período tive a oportunidade de trabalhar, entre outros autores, com a Meredith Finch, que estava ao mesmo tempo a desenvolver um projecto, junto do marido, o desenhador/estrela dos comics David Finch, com a DC Comics, mais precisamente a trabalhar na série «Wonder Woman». Surgiu entretanto a oportunidade de colocar um novo artista nesse livro, e a própria Meredith fez-me esse convite. A coisa correu bem, e tenho estado a trabalhar com a DC Comics desde então.

De todos os teus trabalhos até agora, de qual te orgulhas mais? Há algum volume em específico que te
salte à cabeça? O que o torna especial?

O primeiro número que fiz, «Wonder Woman» #47, será sempre especial por razões obvias. Depois escolheria estes primeiros «Detective Comics» que fiz (#971 e #972). Considero que correu especialmente bem e que a equipa estava em sintonia no decorrer do projecto, o que nem sempre acontece. É especial por ser uma das publicações mais conceituadas da DC Comics mas também por ter ficado especialmente contente com o resultado final. Ah, e claro, por ser o Batman!

De todos os heróis e heroínas que desenhaste, e que o público certamente reconhecerá, qual o teu favorito de interpretar? E porquê?

O herói que mais esbocei na adolescência foi provavelmente o Super-Homem, há qualquer coisa na pureza da personagem que me atrai. Tem sido mais ou menos popular ao longo dos anos, mas para mim representa o grande ícone dos super heróis, aquele que os outros aspiram ser.

Tens um estilo muito próprio que se nota em todo o teu trabalho, que com certeza tem-se vindo a alterar e melhorar ao longo dos anos. Quem foram as tuas grandes inspirações?

Um dos artistas que mais me influenciou na altura em que comecei a levar o desenho mais a sério, vem do Japão. Akira Toriyama, com a série ‘Dragon Ball’, levou-me a querer desenvolver a minha técnica, até conseguir imitar o estilo que via na série de televisão e posteriormente nos seus mangás. Dentro dos comics, fui influenciado por muitos artistas mas destaco 3: Jim Lee, Steve McNiven e Francis Leinil Yu.
O que sentes que aprendeste com cada uma delas?
Com o Toriyama, penso que a sua forma apelativa e relativamente simples de contar as histórias, tipos de plano, expressões e as grandes intensidade das suas sequências de acção.
Com os outros 3 estudei a estética americana dos comics: Jim Lee é um dos maiores autores de comics de sempre, tem um currículo invejável mas continua a desenhar e a reinventar-se, faz a mistura perfeita entre estilização e realismo que caracteriza tanto os comics. Com Steve McNiven tentei absorver as suas composições cinematográficas com as quais me identifiquei. Finalmente Francis Leinil Yu tem um estilo e expressividade únicos que me agarraram da primeira vez que os vi.

Como é o teu processo criativo quando te sentas para ilustrar algo? E visto que maior parte do teu trabalho deve ser à encomenda, quão grande é o teu grau de liberdade criativa?

O meu processo varia muito de trabalho para trabalho. No início de um novo livro recebo o guião, começo então por ler e delinear as miniaturas das páginas, já com o esboço de tudo o que vai ser  a composição e estrofes. Submeto depois à aprovação dos editores. Se houver algo para alterar deverá ser apontado nesta fase. Após ter o layout aprovado, começo a trabalhar na página final, em formato maior (semelhante ao A3). Normalmente tenho o objetivo de finalizar uma página por dia.
Quanto à liberdade criativa, tenho que seguir as directrizes em relação ao aspecto geral das personagens, uniformes, símbolos, gadgets, obedecer ao guião, mas não me sinto preso. Dentro do exercício que me é proposto, tenho liberdade de contar a história à minha maneira, escolho os ângulos, o tipo de painéis e onde devo dar maior enfoque. Além de que não tenho que imitar estilos, posso usar o que ache mais adequado ao trabalho e que me sinta confortável. Os editores normalmente já conhecem o meu traço e, à partida, é disso que estão à espera.

Preferes desenhar em papel ou em suportes digitais? O que é que a banda desenhada pode ganhar com cada um deles?

Durante muitos anos estive a trabalhar em suportes digitais, quando estava a trabalhar em design. Talvez por isso, quando fiz a transição para banda desenhada resolvi voltar ao formato tradicional. Hoje em dia trabalho quase sempre em papel. Na realidade acho que são apenas instrumentos e formas de trabalhar, não vejo que se ganhe ou perca. Digital e papel têm cada um as suas vantagens e desvantagens, é uma questão de cada artista escolher o que mais lhe convém. Talvez a grande vantagem do tradicional seja mesmo o facto de se poder ficar com o trabalho original físico no fim.
O Batman é discutivelmente o herói mais conhecido e com mais seguidores no mundo inteiro. Chegar aqui é quase como escalar o Evereste da ilustração. O que podemos esperar de ti daqui para a frente?

Diria que é mais ou menos isso, com a diferença de que chegas ao topo da montanha e começa outra grande luta, que é, em condições meteorológicas adversas, manteres-te nesse mesmo topo, com muitos alpinistas por lá e muitos outros a chegar. Embora já o tenha sentido antes de chegar ao Batman, senti-o logo no primeiro livro, Wonder Woman, e a coisa persistiu com os restantes, Teen Titans, Green Lanterns, Trinity, Nightwing, JLA…

O que tens a dizer sobre o panorama da banda desenhada em Portugal?

Considero que estamos a passar um boa fase, os artistas influenciam-se e motivam-se uns aos outros, talento gera mais talento, e nesse departamento penso que estamos muito bem. Temos grandes artistas a despontar, alguns reconhecidos internacionalmente. Depois temos autores a publicar livros todos os anos, e pessoas dentro da área com iniciativa e vontade de gerar novos projectos. Ainda não dá propriamente para viver disso apenas com o mercado nacional mas vemos alguma coisa a acontecer. Agora só falta o grande público prestar um pouco mais de atenção aos autores nacionais.

Entretanto, Miguel prepara-se para ver nas bancas mais um trabalho de enorme escala com a sua assinatura. Miguel desenhou o mais recente volume de ‘Justice League of America’ (o volume 26) e podes ver uma amostra do seu trabalho aqui.

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