O génio intermitente de Marlon Brando

por Lucas Brandão,    2 Abril, 2017
O génio intermitente de Marlon Brando
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Marlon Brando Jr. nasceu a 3 de abril de 1924 em Omaha, no estado de Nebraska, que se situa nos Estados Unidos da América. Filho de Marlon Brando Sr. e de Dorothy Julia, desde cedo que Brando conquistou a paixão pela representação, escola essa onde estudavam as suas irmãs e com quem seguiu, vivendo na metrópole Nova Iorque em 1940, com 16 anos. Já aí o ator denotava uma forte personalização nas suas interpretações, apostando na exploração dos seus sentimentos e na retoma de experiências previamente vividas pelo mesmo, caraterísticas essas advindas de lições apreendidas de Stella Adler.

A sua notoriedade surgiu primeiramente no teatro, graças à peça A Streetcar Named Desire, em 1947,  de Tennessee Williams, desempenhando o papel de Stanley Kowalski, um engenheiro na II Guerra Mundial que possuía um temperamento irascível e que mostrava rasgos de violência doméstica, desencadeados pela relação litigiosa com a sua mulher.

Na sequência da bem sucedida representação do supramencionado, Marlon Brando arrecadou uma nomeação para o Óscar de Melhor Ator em 1951, aquando da adaptação cinematográfica da peça. Após um vasto número de outras nomeações ao mesmo galardão (em Viva Zapata!, de 1952; Julius Caesar, de 1953; e Sayonara, de 1957), foi também em The Wild One, de 1953, que Marlon Brando interpretou uma personagem que ficaria marcada na cultura do seu país, representando o líder de um gang de motards denominado Johnny Strabler e abrindo portas para a geração Rock n’ Roll, onde Elvis Presley e James Dean se demarcaram.

Seguidamente, o norte-americano representou um papel marcante na sua carreira no filme On The Waterfront, realizado por Elia Kazan, que desnudava os podres da sociedade sindicalista e da corrupção inerente a esta. Representando Terry Malloy, um dos trabalhadores na indústria naval que é especificada no mesmo filme, Brando exibiu uma multivalência peculiar na interpretação das mais diversas situações apresentadas, estimulando a surpresa e a imprevisibilidade, e desempenhou de forma surpreendentemente irreverente o papel, encantando os críticos de então e conquistando o Óscar de Melhor Ator em 1954.

“Representar é a expressão de um impulso neurótico. É uma vida vagabunda. O principal benefício que atuar tem me oferecido é o dinheiro para pagar o meu psiquiatra.”

Marlon Brando quanto à representação, 1985.

Após uma década de afirmação e sendo já uma estrela consolidada, o ator não foi bem sucedido na de 60, onde não conseguiu manter a senda de desempenhos arrebatadores e onde passou por várias oscilações tanto pessoais como profissionais. Chegado à década de 70, Marlon Brando ressurgiu em grande. Com 48 anos, protagonizou The Godfather, realizado por Francis Ford Coppola. Representando o chefe da família Corleone, “Don” Vito, o líder de uma fação mafiosa, Brando voltou a incutir uma personalização única, inesquecível e já caraterística do seu ser como ator na sua interpretação, fundamentando as imensas apreciações positivas recebidas nos anos 50 e ganhando mais um Óscar na categoria de Melhor Ator em 1973. Óscar esse que recusou, justificando-se com o tratamento desfavorável dos americanos na indústria cinematográfica.

Consubstanciado o seu legado na Sétima Arte e inspirando as gerações emergentes de atores, Marlon Brando tornou-se um dos que produzia mais lucro de bilheteiras, aliando ao sucesso de The Godfather o associado ao filme Last Tango in Paris, de Bernardo Bertolucci, onde representava um viúvo chamado Paul que estabeleceu uma relação anónima, íntima e lasciva com uma jovem denominada Jeanne. À sua imagem e num rasgo caraterístico que marcou a sua carreira, Brando recusou-se a decorar as suas falas e redigiu outras que substituíram as predefinidas, deixando o seu cunho no argumento do filme e acabando por colher a sétima e última nomeação quanto ao Óscar para Melhor Ator.

O seu último grande papel foi protagonizado em 1979 em Apocalypse Now, realizado também por Francis Ford Coppola. A personagem interpretada era a de um Coronel que, apesar de condecorado por méritos na Força Aérea Americana, havia desertado e constituído a sua própria milícia armada no Camboja. A forte dimensão psicológica exercida pela personagem e a intimidação gerada através de um discurso visceral e sinistro são algumas das particularidades de um papel que permitiu a Brando um encaixe financeiro avultado.

Daqui em diante, Marlon Brando representou poucos papéis de vulto na visão dos críticos e deixou o caminho trilhado para servir de exemplo aos novos atores, como Robert De Niro (que representou Vito Corleone na sua juventude no The Godfather II) ou Al Pacino (que interpretou em toda a trilogia Michael Corleone, o filho de Vito). Brando, com uma dimensão pessoal bastante atribulada e instável durante todo o trajeto da sua vida, partiu a 1 de julho de 2004, por via de uma dificuldade respiratória, despoletada pela diabetes. Deixou dezasseis filhos e um legado incontornável, fortemente vincado por um estilo personalizado de representação, por um trajeto marcado por altos e baixos e por um talento indubitável, exemplificando pela diversidade de papéis representados, chegando tanto ao ousado herói pelo qual o público vibra como ao mais intricado e calculista vilão que é questionado e vilipendiado. Eis um ator que marcou uma geração, um ator que tornou o impossível no possível, o sinistro no fascinante, o universo em si. Eis Marlon Brando.

“Suponho que a história da minha vida é uma procura de amor, mas mais do que isso, fui à procura de um caminho próprio para a reparação dos danos que sofri desde o início, bem como definir a minha obrigação, se eu tivesse alguma, para mim e para a minha espécie.”

Marlon Brando ao New York Times, 2004.

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