O falso conforto da mentira choca com o horror da realidade em “Yakusoku no Neverland”

por João Miguel Fernandes,    19 Dezembro, 2019
O falso conforto da mentira choca com o horror da realidade em “Yakusoku no Neverland”
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Grande parte dos desenhos animados no Ocidente são para crianças, ou para crianças e adultos. Excluindo alguns de teor mais sexual, existem poucos exemplos de desenhos animados cujo público alvo seja exclusivamente adulto. “Ren & Stimpy” poderia ser um exemplo, assim como “South Park”, mas a verdade é que ambos foram exibidos em vários canais para crianças.

No Oriente, a conversa é outra. É frequente existirem desenhos animados apenas para adultos, isto porque o anime obedece a várias categorizações, algo que não é muito comum no ocidente. É frequente encontrarmos anime de horror, temas psicológicos fortes, muita violência e profanidade. “Yakusoku no Neverland” é um desses exemplos.

“Yakusoku no Neverland”

À primeira vista, parece que estamos perante um anime meio infantil, onde crianças órfãs vivem em grande felicidade numa enorme casa no campo, rodeadas por uma floresta e uma enorme muralha. Todas elas estão ao cuidado da sua tutora, Isabella, uma adorável senhora que tanto amor tem por cada um dos órfãos. As crianças passam os seus dias a estudar, fazer testes, exercícios, para obterem as melhores notas possíveis. De alguns em alguns meses, os melhores alunos são enviados para o exterior, supostamente para um família, para viverem uma vida de felicidade.

A capacidade que os japoneses têm para desenvolver histórias emocionais, humanas e chocantes é incrível. Não existem muitos exemplos fora do anime com tamanha capacidade de conjugar diferentes sentimentos e explorá-los a um ponto quase filosófico. Se olharmos de forma estereotipada para a sua sociedade, isto é um grande choque, já que a grande maioria dos japoneses parece não conseguir lidar perfeitamente com as suas emoções, e a sua cultura tem diferentes paradigmas que chocam uns com os outros. Contudo, no universo das artes e, principalmente, do anime, os japoneses vão a um nível superior.

“Yakusoku no Neverland”

Em “Yakusoku no Neverland”, o que aparentemente seria uma história feliz, é, na verdade, uma história macabra de terror. Através de diversos episódios e situações que ocorrem neste “orfanato da felicidade”, três crianças apercebem-se que algo de errado se passa. Isabella, a “mãe perfeita” é afinal um ser humano desprezível, que tem passado a sua vida a criar crianças para serem devoradas por monstros no exterior. A verdade é que não existem famílias de acolhimento. Fora destas muralhas, existe um mundo dominado por criaturas que se alimentam do cérebro de seres humanos. Quanto mais inteligentes forem os humanos, melhor o sabor, principalmente se forem crianças. O objectivo de Isabella (e outras mães noutros orfanatos) é o de darem o máximo de amor a todas as crianças até que chegue o momento de serem devoradas, mas principalmente de criarem crianças inteligentes, já que o sabor será ainda melhor.

Ao longo dos episódios os três protagonistas unem-se com outras crianças de forma a criarem um plano para escapar, mas as hipóteses de sucesso são quase nulas, um pouco ao estilo de “Attack on Titan”. Vale mesmo a pena saltar a muralha e enfrentar um mundo infestado de demónios?

O que é surpreendente neste anime é a forma como nos coloca questões complexas de forma tão básica: quando o mundo é um total inferno, não será melhor ter o maior dos amores durante cerca de 12 anos do que viver nesse inferno? Até que ponto é que a realidade é preferível a uma ficção que nos protege? Quem são os verdadeiros demónios nesta história? Todas essas questões são exploradas e confrontadas por diversos personagens, sendo a resposta algo pessoal para cada um de nós.

https://www.youtube.com/watch?v=I_YeUTQltq4

Visualmente o anime é difícil de digerir. Existem vários momentos de horror puro, onde vemos crianças a serem devoradas, mas a qualidade da animação é impressionante. Por vezes lembramo-nos de “Death Note” (os três protagonistas são incrivelmente inteligente e novos, assim como o personagem N de Death Note), “Deadman Wonderland”, “Attack on Titan” e “Mirai Nikki”, mas o facto de estarmos perante crianças tão novas – algumas têm 4 anos – torna este anime ainda mais cruel que todos os outros.

O criador, Kaiu Shirai, é ainda desconhecido do público geral, sendo o nome apenas um pseudónimo.  A manga original continua a ser lançada no Japão e a segunda temporada do anime será lançada algures em 2020. O anime poderá ser visto em alguns sites de streaming como a plataforma Crunchyroll.

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