O discurso musical luminoso dos Beach House na noite cerrada do Porto

por Lucas Brandão,    27 Setembro, 2018
O discurso musical luminoso dos Beach House na noite cerrada do Porto
Beach House / Fotografia de Daniel Dias – CCA
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26 de setembro de 2018 recebeu, no célebre Teatro Sá da Bandeira, os Beach House, acabados de sintonizar Lisboa com a sua celestialidade. A noite cerrada do Porto preparava-se, assim, para um concerto que convidava ao intimismo, ao mesmo tempo que prometia levar algo de nós para dentro e para fora do recinto. As energias concentravam-se e fluíam pela formalidade do teatro, enquanto este se desinibia à medida que as notas eram entoadas e as narrativas encetadas. A preparação foi conferida pelos Sound of Ceres, banda inspirada na mitologia e no arrojo audiovisual, conferindo uma textura preparativa à medida daquilo que se iria assistir de seguida. O dream pop fluiu por entre a escuridão cada vez mais luzidia e mereceu uma forte ronda de aplausos a Karen e Ryan Hover, dupla dos Candy Claws, aos quais se juntam Ben Phelan, dos The Apples in Stereo, e Jacob Graham, ex-membro dos The Drums.

Beach House / Fotografia de Daniel Dias – CCA

Recompostos da viagem que orbitou por entre sensações tremeluzentes, chegaram os Beach House, aclamados num teatro que se aprestava para contemplar a viagem intergalática tão desejada. A guitarra vibrante de Alex Scally e a voz singular de Victoria Legrand contaram com o apoio do baterista James Barone, parte integrante da nova dimensão dos Beach House. Foi assim que arrancou um espetáculo que iluminou o Teatro como poucos o fizeram, numa diversidade de tons e de melodias que conheceu proporção nos desfechos de luz que iam disparando. Inebriava-se assim, entre notas mais ou menos altas, quem se entregava à densidade harmoniosa da sua música. A expectativa era alta para aquilo que o seu novo álbum, 7, traria aos palcos, neste que foi um dos primeiros concertos da digressão europeia de apresentação do mesmo. A desilusão não pairou, embora a sua assertividade em palco aumentasse de forma exponencial em relação à serenidade dos tesouros dos álbuns Depression Cherry e Bloom; um contraste que se respeitou e que se entendeu como o corolário de uma banda cada vez mais completa, também ela capaz de dilacerar e de estremecer.

Entre os tesouros, ficaram no ouvido as constantes e perseverantes “Space Song” – arrancou em estilo e propôs-se, desde logo, a conectar-nos ao seu cosmos – “Myth”, “Levitation” e a impressionante “PPP”, que serviram de contraponto para aquilo que se viria a seguir com a abertura do livro do novo álbum. “Lemon Glow”, “Dark Spring”, “Black Car” e “Drunk in LA” conferiram algo estranhamente íntimo da agressividade, mas que não fragiliza nem vulnerabiliza quem quer que seja. Muito pelo contrário, consome e consuma um ato divino de metamorfose, em que a destruição tem o seu papel simbólico na transmutação, dimensão etérea tão sobejamente conhecida na banda. As letras eram o menos importante, mas sim deixarmo-nos imergir naquilo que era a arte (mais) ruidosa e colorida dos Beach House. O discurso artístico é cada vez mais entendido na relação das partes, muito mais daquilo que é a sua mera instrumentalização, muito mais do singelo epíteto de “boa música”.

Beach House / Fotografia de Daniel Dias – CCA

Com um final que nos conduziu às profundezas de uma densidade ensurdecedora – foi “Dive” que nos conduziu a tal imensidão – o cansaço foi imenso, complementado pelo calor que a instabilidade climática proporciona ao Porto e ao seu mundo. No entanto, a sensação de que os Beach House estão cada vez mais sintonizados com auras distintas, mas longe de serem contraditórias, é cada vez maior. O perfume faz-se inalar na sinestesia que torna a música visual e os efeitos visuais autênticas melodias. A dispersão aumenta em solos cada vez mais demorados e arrojados, dando contas de uma intensidade maior, de um exorcismo de pacifismos que poderiam adormecer e amolecer o que a música proporciona. Neste espetáculo audiovisual, nesta experiência imersiva, os Beach House deixaram a impressão e alojaram a paixão.

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